Pepe Escobar: Por que o “Estado Permanente”* Não Perdoará Rússia e Irã 

Share Button

28/01/2021, Pepe Escobar, Asia Times, traduzido com autorização do autor.

Em impressionante entrevista à rede al Mayadeen com base em Beirute, o secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, explica as razões pelas quais o general-major Qassem Soleimani – assassinado em ataque por drone dos EUA no aeroporto de Bagdá, há pouco mais de um ano – teve importante participação no processo de convencer a Rússia a ajudar militarmente a Síria em sua guerra contra jihadistas salafistas.SIC Notícias | Líder do Hezbollah anuncia aumento do número de mísseis de precisão

O fragmento da entrevista aqui comentado pode ser encontrado aqui, em vídeo em árabe, com legendas em inglês; e aqui, transcrito ao inglês [versão retraduzida aqui, abaixo].

Nasrallah mostra o cenário em que aconteceu aquela visita crucial que o general-major Soleimani fez a Moscou em 2015, quando se reuniu por duas horas, frente à frente, com o presidente Vladimir Putin:

(Nessa reunião, Soleimani) expôs (ao presidente Putin) um relatório estratégico (abrangente) da situação na Síria e região (e expôs) a ideia proposta e os resultados esperados. Claro que (na reunião) usou linguagem científica, objetiva, militar e de campo de combate (e complementou o que dizia) com mapas, áreas terrestres, números e estatísticas. Naquela reunião, o presidente Putin disse a Hajj (Qassem): “O senhor me convenceu”. E tomou a decisão (de enviar reforço russo ao esforço na Síria). Isso, exatamente, ouvi de Hajj Soleimani.


Nasrallah acrescentou informação importante – todo o processo já estava em andamento a pedido da Síria. Diz Nasrallah:

Veja, sou bastante objetivo e racional. Não gosto de criar mitos. Não é correto dizer que Hajj Qassem Soleimani teria sido o único a convencer Putin a se engajar (na Síria). Prefiro dizer que, mediante sua (de Soleimani) leitura estratégica, sua argumentação, sua lógica convincente e sua personalidade carismática, Hajj Qassem Soleimani conseguiu acrescentar mais um movimento importante a todos os esforços prévios que levaram a Rússia a tomar a decisão de ir à Síria. Houve muitos esforços antes, e muitas discussões, e em todos aqueles casos o presidente Putin permanecera indeciso.


Nasrallah acrescenta que Soleimani, “era habilidoso na arte da persuasão e dono de lógica impecável. Não chantageou a Rússia (para que entrasse na guerra), nem usou retórica oca. Absolutamente não o fez. Usou linguagem técnica para explicar os (possíveis) resultados militares e no campo de batalha, e também comentou os resultados políticos da interferência (dos russos, na Síria).”

Em todos os casos, o que conta é a inteligência em campo

Agora, vejamos tudo isso em contexto. Putin é mestre no jogo de xadrez geopolítico. Nasrallah observa que participaram da reunião “várias autoridades relevantes, militares, de segurança e políticos”. Dentre essas autoridades certamente estavam o Ministro da Defesa da Rússia Sergey Shoigu e, sem dúvida, Nikolai Patrushev, alto estrategista.

Todos esses já estavam bem conscientes em 2015 de que o objetivo final de deixar que ISIS/Daech apodrecesse na Síria – associado à conhecida campanha de “Assad tem de sair” – era criar as condições para que algum Califato fake chegasse ao poder e se expandisse para o Cáucaso, para desestabilizar a Rússia. É o que estava encapsulado na fórmula russa “são apenas 900 km de Aleppo a Grozny”.

O mérito de Soleimani foi acrescentar o argumento definitivo. Baseado em sua vasta experiência em solo, Soleimani sabia que só a Resistência não seria suficiente para proteger Damasco. O “segredo” dessa reunião de duas horas em Moscou é que Soleimani explicou com meridiana clareza, que no estágio seguinte o Califato fake atacaria ‘o ventre macio’ da Rússia, não o Irã.

A decisão de Moscou apanhou o Pentágono e a OTAN, como se poderia prever, dormindo. Os Atlanticistas não esperavam ter pela frente contingente pesado da Força Aérea russa, acompanhado de um esquadrão de altos conselheiros militares russos, deslocados em tempo mínimo para a Síria.

Mas certamente a decisão política já havia sido tomada. Operação militar dessa complexidade exige planejamento exaustivo – e tem de ter sido planejada antes da visita de Soleimani. Sobretudo, a inteligência russa conhecia todos os detalhes do estado da guerra em solo, e da muito visível superdistensão do Exército Árabe Sírio.

O que Soleimani acrescentou à mistura foi sua ação de coordenação, de importância inestimável. Comandantes do Hezbollah, conselheiros estrategistas do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica, várias milícias de combate lideradas pelo Irã, em conjunção com as forças Tiger da Síria, no comando das tropas de choque, com o apoio da elite das Forças Especiais russas, para ação seja no deserto seja em áreas urbanas saturadas – e todas com capacidades para ataques aéreos cirúrgicos contra o ISIS/Daech e a tal al-Qaeda convertida em “rebeldes moderados”.

Soleimani sabia que, para vencer aquela guerra, precisava de poder aéreo – o que obteve, e coordenou com perfeição ao trabalho em solo e da inteligência de vários exércitos e dos mais altos escalões do Estado-maior das Forças Russas.

A partir desse encontro histórico em 2015, a aliança entre Soleimani e os militares russos evoluiu até alcançar proporções de blindagem. Daí em diante, o Pentágono e a OTAN já sabiam muito bem como Soleimani, sempre comandante supremo em campo, trabalhava em íntima conexão com Bagdá e com Damasco, para expulsar, para sempre, do Iraque, até o último soldado dos EUA. Por essa razão, nem tão secreta, Soleimani foi assassinado.

Tudo isso explica por que os EUA-neoconservadores e facções poderosas do Estado Permanente** jamais ‘perdoarão’ Irã e Rússia pelo que se viu acontecer na Síria – independente de outras medidas que venham a ser tomadas pelo holograma que governa em Washington.

Sinais, até aqui, apontam para a já tradicional demonização da Rússia, em campanha non-stop; para a manutenção das sanções ilegais contra a energia do Irã impostas pelo governo Trump. E, por hora, nem sinal de o governo do holograma-em-chefe admitir que Rússia, Irã, Hezbollah e sírios venceram na Síria.*******

* Orig. Deep State (lit. “Estado Profundo”). Já há algum tempo temos optado por traduzir a expressão por “Estado Permanente”. Depois de muito discutir, chegamos a um consenso: “Afinal de contas, o tal Deep State (i) não é ruim por ser profundo: é ruim por ser eterno, permanente, imutável, inalcançável pelas instituições e forças da democracia; e além disso, (ii) nem ‘profundo’ o tal Deep State é: ele vive à tona, tem logotipos, marcas e nomes na superfície, é visível, portanto; mesmo assim, se autodeclara “profundo”. Não. Ele que se autodeclare o que queira. Nós o declaramos “Estado Permanente” (e anotamos nossos motivos, aqui, em nota dos tradutores (NTs).

** Orig. Deep State (lit. “Estado Profundo”). Já há algum tempo temos optado por traduzir a expressão por “Estado Permanente”. Depois de muito discutir, chegamos a um consenso: “Afinal de contas, o tal Deep State (i) não é ruim por ser profundo: é ruim por ser eterno, permanente, imutável, inalcançável pelas instituições e forças da democracia; e além disso, (ii) nem ‘profundo’ o tal Deep State é: ele vive à tona, tem logotipos, marcas e nomes na superfície, é visível, portanto; mesmo assim, se autodeclara “profundo”. Não. Ele que se autodeclare o que queira. Nós o declaramos “Estado Permanente” (e anotamos nossos motivos, aqui, em Nota dos Tradutores, NTs).

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

Share Button

Deixar um comentário

  

  

  

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.