Pepe Escobar – Ásia Ocidental, Central e Sul da Ásia: a integração avança.

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Ver a imagem de origem2/1/2021, Pepe Escobar, Asia Times (traduzido com autorização do autor)

É uma daquelas viagens quintessenciais que faz o povo sonhar: Istanbul-Teerã-Islamabad, por trem. Chamemos de “Trem ITI”.

ITI será realidade em breve, no início de 2021. Mas, inicialmente, apenas como trem de carga. O acordo foi firmado recentemente, na 10a reunião dos ministros de Transporte e Comunicação da Organização de Cooperação Econômica, OCE [ing. ECO, Economic Cooperation Organization] em Istanbul.

O nome oficial da rota ITI é, na verdade, Trem de Contêineres da OCE [ing. ECO Container Train]. As viagens-teste começaram em 2019. A viagem por terra de 6.500 km agora dura 11 dias – comparados aos cerca de 45 dias, por rotas marítimas entre Europa Ocidental e Paquistão.

A OCE é organização muito interessante – e estratégica –, virtualmente desconhecida fora da Ásia, que une Turquia, Irã, Paquistão, os cinco “-stões” da Ásia Central, Azerbaijão e Afeganistão.

Alguns desses atores também são membros da Organização de Cooperação de Xangai (OCX); alguns são parte da União Econômica Eurasiana (UEE); e quase todos são parceiros da Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE).

Ofereceram uma Visão OCE 2025 que enfatiza a conectividade como trampolim para o “desenvolvimento social e econômico”, privilegiando comércio, transporte, energia e turismo. A OCE visa a integrar de facto Ocidente, Ásia Central e Sul da Ásia plus o Cáucaso. Para todas as finalidades práticas, OCE inclui a maioria das Novas Rotas da Seda em desenvolvimento em grande parte da Eurásia.

E reaparece o tal insuportável sultão

O Trem de Contêineres ITI/OCE será mais um estrato de conectividade que corre paralelo à ferrovia Baku-Tbilisi-Kars (BTK), centrada no Cáucaso, e como vimos na coluna “Turquia/Novo Grande Jogo” (ing. Turkey/New Great Game), degrau chave da estratégia comercial de Ancara.

Em breve, ITI/OCE também se ligará às redes ferroviárias europeias via o túnel ferroviário submarino Marmaray, em Istanbul – aquela maravilha de engenharia de 76 km de extensão. Claro que abundam também oportunidades para ramificação rumo a partes do Oriente Médio. Até o final da década, ITI/OCE pode bem se tornar ferrovia para trens de alta velocidade – pensem em investimentos chineses.

Contraponto fascinante para o túnel submarino Marmaray é a Rota de Transporte Internacional Trans-Cáspio: uma conexão real entre a ferrovia BTK no Cáucaso e a Ásia Central.

Como se vê aqui, o layout estratégico dos portos permite entrada e saída instantânea dos trens de carga para grandes cargueiros.

O Irã, por exemplo, está construindo porto de embarque rolante em Bandar-e Anzalī no Mar Cáspio – que será usado para exportar mercadorias, mas também óleo e gás que transitam via Rússia ou Cazaquistão, ambas nações do Cáspio, e assim contornam qualquer novos bloqueios impostos pelos EUA.

A interconexão ITI/OCE com BTK firmará mais um importante outro corredor comercial Leste-Oeste. À parte os corredores do norte que se ligam à Transiberiana, todos os corredores comerciais Leste-Oeste que cruzam a Eurásia pela Turquia. Isso oferece ao presidente Erdogan uma riqueza de opções – como Pequim sabe muito bem. O corredor Xian-Istanbul é tão importante quanto o corredor Xian-Cazaquistão-Rússia.

Nossa coluna anterior sobre Turquia/Novo Grande Jogo provocou sério debate em Istanbul. A analista política Ceyda Karan observou que Erdogan “só tem uma carta: a geopolítica turca. Não importa a ele quantos soldados morram na Líbia ou na Síria. O povo turco absolutamente não o preocupa”.

O estimado professor Korkut Boratav, autoridade já nonagenário no campo da macroeconomia, surpreende-se que eu tenha “atribuído tantos papéis importantes ao nosso chefe”, referindo-se a Erdogan.

Bem, se trata sempre do jogo geoeconômico. Erdogan com certeza passou o rolo compressor sobre a Eurásia, em termos de política externa, sem qualquer limite na manipulação de todos os tipos de gangues de cúmplices que praticam todas as modalidades de extremismos. Mas O Sultão precisa realmente, isso sim, de comércio e investimento estrangeiro naquela sua debilitada economia.

Assim sendo, a conectividade comercial é essencial. Mas o problema é sempre a própria estratégia de Erdogan. Não se pode dizer que apoiar, alimentar e armar um exército de jihadis e seguidores do ISIS/Daech, Jabhat al-Nusra e Uighure/Caucasianos seja precisamente estratégia negocial confiável.

Erdogan parece estar em todos os locais – Líbia, Azerbaijão, a fronteira entre Síria e noroeste da Turquia. Estrategistas em Pequim, Moscou, Teerã e Islamabad, claro, fazem perguntas: para quê, exatamente?

Não há cenário geoeconômico realista para que Erdogan contorne e evite a Rússia. Pode usar o Azerbaijão como espécie de mensageiro de luxo entre Turquia e Israel – e talvez, subsequentemente, extrair lucros da corte que Israel faz às monarquias do Golfo Persa. Afinal, no que tenha a ver com aliados no mundo árabe, o único ator com o qual Erdogan pode realmente contar é o Qatar. Siga o dinheiro: Doha não financiará boom econômico na Turquia.

Que floresçam um milhão de corredores comerciais

Tolos boatos sobre o fim do Corredor Econômico China-Paquistão (CECP) são muito exagerados – considerando que são subseção da propaganda norte-americana. CECP é projeto complexo, de muito longo prazo, cuja implementação, pelo cronograma chinês, ainda nem começou.

O que Islamabad tem de saber é o quanto Teerã é comparativamente muito mais sexy, observada pelos olhos de Pequim. O Paquistão depende sobretudo dos esforços de Imran Khan. O Irã é rico em petróleo, gás e vários minérios crucialmente importantes. Dado que a Índia outra vez deu-se um tiro pelas costas – quando abdicou de facto de investir no porto Chabahar no Irã, a China subiu ao palco. O acordo China-Irã, de $400 bilhões, é muito mais abrangente que o CECP, de apenas $64 bilhões.

De volta à estrada, a boa notícia é que Irã-Paquistão parecem focados em ampliar a conectividade. Difícil de entender que até recentemente só houvesse um posto de passagem ao longo de 900 km de fronteira. Agora, finalmente, decidiram abrir mais dois postos.

É decisão extraordinariamente importante, porque o primeiro posto de passagem está na ultrassensível província Sistão-Baloquistão – sempre muito suscetível a jihadistas salafistas infiltrados – e localizado a apenas 70 km do estratégico porto de Gwadar.

 

No que tenha a ver com turismo – o que chineses descrevem como “troca povo a povo” –, trata-se de uma dimensão extra, porque os paquistaneses podem agora cruzar facilmente a fronteira, alcançar Chabahar, e dali, por trem, chegar a Najaf e Karbala, sítios sagrados do Irã.

Por fim, há o muito importante fator russo – que sempre exige integral atenção de Erdogan.

Pode-se dizer que a prioridade estratégica de Moscou é ‘blindar’ a União Europeia contra os impulsos de algum Dr. Fantástico imposto por EUA/OTAN. Assim, uma aliança comercial com Pequim – agora em progresso, via seu tratado de investimento – é necessariamente aliança de tipo ganha-ganha, que mostra integração europeia mais íntima com o século eurasiano, puxada pela China, mas com a Rússia posicionada – como fator crucial – como principal provedor de segurança.

E, como o presidente Putin deixou mais uma vez bem claro em seus votos de fim de ano, a Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE) e a União Econômica Eurasiana (ing. EAEU) vão-se fundindo cada vez mais.

 

Poucos leitores terão notado que a Rússia alcançou agora a capacidade tripartite que Kissinger, certa vez, declarou essencial para a liderança estratégica dos EUA: domínio das exportações de armas; controle sobre os fluxos de energia; e exportações agrícolas. Para nem falar da finesse diplomática – muito prestigiada em toda a Eurásia e no Sul Global.

Enquanto isso, a Eurásia segue o fluxo: que floresçam um milhão de corredores comerciais – Transiberiana, BTK, ITI/OCE.

Traduzido por Vila Mandinga

 

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