13/7/2021, Pepe Escobar, Asia Times
Rússia-China-Irã pegam o touro afegão pelos chifres
O Ministro de Relações Exteriores da China Wang Yi está essa semana em tour pela Ásia Central. Visita o Turcomenistão, o Tadjiquistão e o Uzbequistão. Os dois últimos países são membros plenos da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), fundada há 20 anos.
Os pesos-pesados da OCX são, é claro, China e Rússia. Além delas, há os quatro “-stões” da Ásia Central (exceto o Turcomenistão), Índia e Paquistão. Crucialmente, Afeganistão e Irã são observadores, bem como Belarus e Mongólia.
E isso nos leva ao que está acontecendo nessa 4ª-feira em Dushanbe, capital do Tadjiquistão. A OCX fará reunião três em uma: encontros do Conselho de Ministros de Relações Exteriores; do Grupo de Contato OCX-Afeganistão; e uma conferência intitulada “Ásia Central e Sul da Ásia: Conectividade, Desafios e Oportunidades Regionais”.
Portanto, estarão à mesma mesa Wang Yi, seu parceiro estratégico muito próximo Sergey Lavrov e, sobretudo, o Ministro de Relações Exteriores do Afeganistão Mohammad Haneef Atmar debatendo esforços e tribulações depois da retirada do hegemon e o miserável colapso do mito de que a OTAN ‘estabilizaria’ o Afeganistão.
Consideremos um cenário possível: Wang Yi e Lavrov dizem a Atmar, em termos bem claros, que tem de haver um acordo de reconciliação nacional com os Talibã, negociado por Rússia-China, sem interferência dos EUA, incluindo o fim da linha de rato do ópio/heroína. Rússia-China arrancam dos Talibã uma promessa firme de que o jihadismo será impedido de degenerar e apodrecer. Resultado: grandes e muitos investimentos produtivos, o Afeganistão incorporado à Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE) e também à União Econômica Eurasiana (UEE).
A declaração conjunta da OCX na 4ª-feira será particularmente esclarecedora, talvez detalhando o modo como os planos de organização para coordenar um processo de paz afegã de fato, ao longo do processo. A OCX tem agora oportunidade para implementar o que vem sendo ativamente discutindo já há anos: que ao drama afegão só se aplica solução asiática.
Sun Zhuangzhi, diretor executivo do Centro Chinês de Pesquisa da OCX, resume tudo: a organização é capaz de oferecer plano que misture estabilidade política, desenvolvimento econômico e de segurança, e um mapa do caminho para projetos de desenvolvimento de infraestrutura.
Os Talibã concordam. O porta-voz Suhail Shaheen destacou que “a China é país amigo que acolhemos como bem-vindo para reconstruir e desenvolver o Afeganistão.”
Outra vez na Rota da Seda
À parte a conectividade econômica, lema da OCX, encorajada por Pequim desde o início dos anos 2000s, há também a necessidade de combater os “três demônios” (terrorismo, separatismo e extremismo). Todos os membros da OCX sabem muito bem o quanto as metástases de jihadistas ameaçam a Ásia Central – desde o ISIS-Khorasan para encobrir facções uigures que atualmente lutam em Idlib na Síria, além do Movimento Islâmico do Uzbequistão (IMU), já em decadência.
Os Talibã são caso muito mais complexo. Ainda estão classificados por Moscou, como organização terrorista. Mas no novo tabuleiro de xadrez em rápida evolução, ambas, Moscou e Pequim sabem da importância de engajar os Talibã em diplomacia de alto escalão.
Wang Yi já fez saber a Islamabad – Paquistão é membro da OCX – a necessidade de se criar um mecanismo trilateral, com Pequim e Cabul, para avançar solução política exequível para o Afeganistão, ao mesmo tempo em que se administra o front de segurança.
Aqui, do ponto de vista da China, trata-se sobretudo do Corredor Econômico China-Paquistão (CECP), ao qual Pequim planeja incorporar Cabul (aqui um detalhado relato de progresso).
Blocos de construção incluem o acordo firmado entre China Telecom e Afghan Telecom já em 2017 para construir um sistema de fibra ótica Kashgar-Faizabad, e então expandi-lo na direção do sistema da Rota da Seda China-Quirguistão-Tadjiquistão-Afeganistão.
Diretamente conectado é o acordo assinado em fevereiro entre Islamabad, Cabul e Tashkent para construir uma estrada de ferro que de fato pode estabelecer o Afeganistão como ponto em que se cruzam os caminhos entre Ásia Central e do Sul. Pode-se chamar de Corredor OCX.
Tudo isso foi firmado por reunião trilateral crucial entre os ministros de Relações Exteriores de China-Paquistão-Afeganistão. A equipe Ghani em Cabul renovou seu interesse em conectar-se à Iniciativa Cinturão e Estrada – o que na prática traduz-se como um Corredor Econômico China-Paquistão expandido. Os Talibã disseram exatamente a mesma coisa, semana passada.
Wang Yi sabe muito bem que o jihadismo está ‘obrigado’ a atacar o CECP. Mas não o Talibã. E não o Talibã Paquistanês (ing. Pakistani Taliban, TTP), dado que uns poucos projetos do CECP (fibra ótica, por exemplo) melhorarão a infraestrutura em Peshawar e arredores.
O Afeganistão comercialmente conectado ao CECP e como nodo chave das Novas Rotas da Seda não poderia fazer mais sentido – até historicamente, com o Afeganistão sempre incrustrado nas Antigas Rotas da Seda. Estradas que cruzem o Afeganistão é o elo que falta na equação da conectividade entre China e Ásia Central. O diabo, claro, estará nos detalhes.
A equação iraniana
Então, para o Ocidente, há a equação iraniana. A parceria estratégica recentemente firmada Irã-China pode eventualmente levar a integração mais próxima com o Corredor Econômico China-Paquistão expandido. Os Talibã estão bem claramente conscientes disso. Como parte de sua ofensiva diplomática em curso, estiveram em Teerã e produziram todos os ruídos corretos rumo a uma solução política.
Sua declaração conjunta com o ministro de Relações Exteriores do Irã Javad Zarif privilegia negociações com Cabul. Os Talibã comprometem-se a não atacar civis, escolas, mesquitas, hospitais e ONGs.
Teerã – membro observador na Organização de Cooperação de Xangai e a caminho de se tornar membro pleno – está conversando ativamente com todos os atores afegãos: nada menos que quatro delegações visitaram o Irã na semana passada. O chefe da equipe de Cabul foi o ex-presidente afegão Yunus Qanooni (também ex-senhor-da-guerra); e os Talibã foram liderados por Sher Mohammad Abbas Stanikzai, que dirige o escritório político em Doha. Tudo isso indica negócio sério.
Já há 780 mil refugiados afegãos oficiais no Irã vivendo em vilas de refugiados ao longo da fronteira, sem autorização para se instalar nas principais cidades, mas também há pelo menos 2,5 milhões de ilegais. Não surpreende que Teerã precise prestar atenção. Zarif mais uma vez está em total sincronia com Lavrov – e, vale lembrar, também com Wang Yi: guerra de atrito ininterrupta entre o governo de Cabul e os Talibã só podem levar a consequências “não favoráveis”.
A questão, para Teerã, gira em torno do quadro ideal para negociações. Pode-se dizer que aponta para a OCX; afinal, o Irã não participou no mecanismo a passo de lesma de Doha, agora já há mais de dois anos. Em Teerã debate-se furiosamente o modo de lidar, na prática, com a nova equação afegã. Como vi pessoalmente em Mashhad há menos de três anos, a migração do Afeganistão – dessa vez, de trabalhadores qualificados que fogem do avanço dos Talibã – pode realmente ajudar a economia iraniana.
O sempre muito composto diretor-geral do setor para Ásia Ocidental no Ministério de Relações Exteriores do Irã, Rasoul Mousavi, vai diretamente ao ponto:
“Os Talibã são parte do povo afegão. Não estão separados da tradicional sociedade do Afeganistão, e sempre foram parte dela. Ainda mais importante: têm poder militar.”
Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga