Pepe Escobar: O Ano do Tigre começa com um estrondo sino-russo

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A declaração firmada entre China e Rússia representará um lance crucial no jogo de xadrez entre a Eurásia e o OTANistão

Por Pepe Escobar, para o Strategic Culture

O Ano do Tigre da Água Negra, para todos os fins práticos,  começou com um estrondo, na sexta-feira em Pequim, quando os Presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin, depois de se encontrarem pessoalmente, antes da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Inverno, firmaram uma declaração conjunta sobre relações internacionais. .

Essa declaração representará um lance crucial no jogo de xadrez entre a Eurásia e o OTANistão, no momento em que o eixo Anglo-Americano se vê cada vez mais atolado no Beco do Desespero: afinal, a tal “agressão russa” recusa-se tenazmente a se materializar.

Após uma espera interminável, supostamente causada pela falta de funcionários devidamente equipados para redigir uma carta inteligível, o combo EUA/OTAN, finalmente, preparou sua previsível “resposta” não-resposta, carregada de jargão burocratês, às exigências russas de garantias de segurança.

O conteúdo foi vazado para um jornal espanhol, membro pleno da mídia OTANistanesa. O responsável pelo vazamento, segundo fontes de Bruxelas, talvez esteja agora em Kiev. O Pentágono, em modo controle de danos, apressou-se a afirmar: “Não fomos nós”. E o Departamento de Estado diz que a informação “é autêntica”.

Mesmo antes do vazamento da “resposta” não-resposta, o Chanceler Sergey Lavrov foi forçado a enviar mensagens a todos os chanceleres da OTAN, inclusive ao Secretário de Estado Blinken, dos Estados Unidos, perguntando o que eles entendem por princípio de indivisibilidade da segurança – se é que eles fazem alguma ideia a esse respeito.

Lavrov foi extremamente específico: “Refiro-me a nossa exigência de que todos implementem fielmente os acordos sobre a indivisibilidade da segurança firmados no âmbito da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação Europeias) em 1999, em Istambul, e em 2010, em Astana. Esses acordos preveem não apenas a liberdade de escolher alianças, mas também de condicionar essa liberdade ao imperativo de evitar quaisquer medidas que fortaleçam a segurança de um estado em detrimento da segurança de outros”.

Lavrov tocou no cerne da questão ao enfatizar que “nossos colegas ocidentais tentam não apenas desconsiderar esse princípio-chave do direito internacional acordado no espaço euro-atlântico, mas também esquecê-lo por completo”

Lavrov também deixou bem claro que “não iremos permitir que esse tópico seja “escamoteado”. Insistiremos em uma conversa honesta e em uma explicação de por que razão o Ocidente não se mostra disposto a cumprir suas obrigações, ou as cumpre, no máximo, de forma exclusiva, seletiva e a seu próprio favor”.

O mais importante é que a China presta total apoio às exigências russas de  garantias de segurança na Europa, e concorda plenamente que a segurança de um estado não pode ser alcançada às custas de danos infligidos a um outro estado.

A situação não poderia ser mais grave: o combo EUA/OTAN está decidido a violar dois importantíssimos tratados que tratam diretamente da segurança europeia, pensando que vai conseguir se safar porque  a mídia OTANistanesa não abre o mínimo espaço para discussões sobre esses tratados e suas implicações.

A opinião pública ocidental continua totalmente desinformada. A única narrativa, martelada 24/7, é a da “agressão russa” – por sinal, devidamente enfatizada pela “reposta” não-resposta da OTAN.

Quer dar uma checada no nosso equipamento militar? 

Pela enésima vez, Moscou deixou bem claro que não vai fazer concessões quanto às exigências de segurança só porque o Império do Caos continua a ameaçar – com o que mesmo? – com sanções severíssimas – a única política imperial que não o puro e simples bombardeio.

O novo pacote de sanções, seja como for, já está pronto há um bom tempo, sendo capaz, ao que dizem, de alijar Moscou do sistema e/ou cassino financeiro ocidental, mirando, entre outros, o Sberbank, o VTB, o Gazprombank e o Alfa-Bank.

O que nos traz ao que Moscou vai fazer em seguida – levando em conta a previsível “atitude extremamente negativa” (Lavrov) do OTANistão. O chanceler-adjunto Alexander Grushko já insinuou que a OTAN sabe perfeitamente o que está por vir, e já sabia mesmo antes da “resposta” não-resposta:

“A OTAN tem perfeito conhecimento do tipo de medidas tecno-militares que poderão partir da Rússia. Não fazemos segredo quanto a nossas possibilidades e estamos agindo de forma muito transparente”.

Mesmo assim, os “parceiros” americanos não estão ouvindo. Os russos continuam imperturbáveis. Grushko expressou a situação em termos geopolíticos: as medidas concretas irão depender dos “potenciais militares” a serem usados contra a Rússia. Isso é linguagem-código para que tipo de armas nucleares serão usadas no Leste Europeu, e que tipo de equipamentos letais continuarão a ser despejados na Ucrânia.

Na verdade, a Ucrânia – ou o país 404, na indelével definição de Andrei Martyanov – não passa de um peão subalterno no jogo (imperial). Agravando a indigência de Kiev em todas as frentes, o chefe do Conselho de Segurança Nacional e Defesa da Ucrânia, praticamente entregou o jogo (regional).

Em uma entrevista à AP, Danilov disse que “os Acordos de Minsk podem criar o caos” e admitiu que  Kiev perdeu feio a guerra em 2014/15, e em seguida assinou os Acordos de Minsk “sob ameaça dos armamentos russos” (falso: Kiev foi totalmente derrotada pelas milícias de Donbass); mas, acima de tudo, ele admitiu que Kiev nunca teve intenção de cumprir os Acordos de Minsk.

Kiev, portanto, está violando o direito internacional: os Acordos de Minsk são garantidos pela resolução 2022, de 2015, do Conselho de Segurança da ONU, aprovada por unanimidade. Até mesmo os Estados Unidos, o Reino Unido e a França votaram “sim”. O que quer dizer que descumprir a lei não é assim tão difícil se você tiver a anuência das “grandes potências”.

E quanto à invisível “agressão russa”, bem, nem mesmo Danilov consegue ver “a prontidão das forças russas próximas à fronteira para uma invasão, que levará de três a sete dias”.

Tragam os Cavalos Dançarinos

Nada do que foi dito acima altera o fato fundamental de que o combo Estados Unidos-Reino Unido – mais os proverbiais chihuahuas da OTAN, Polônia e Países Bálticos – estão rodopiando loucamente na tentativa de provocar uma guerra. E a única maneira de fazê-lo é Soltar as Falsas Bandeiras. Pode ser que elas aconteçam em fevereiro, ou talvez durante as Olimpíadas de Inverno de Pequim. Ou ainda antes do começo da primavera. Mas elas virão. E os russos estão prontos.

O preâmbulo foi copiado diretamente do Circo Voador de Monty Python – com o Boneco de Teste de Colisão, também conhecido como o Presidente dos Estados Unidos, berrando para o comediante Zelensky que, em uma remontagem vagabunda da invasão mongol, “Kiev será saqueada” (ao som do Bring On the Dancing Horses, quem sabe?); um Zelensky indignado dizendo ao Presidente dos Estados Unidos “qual é, cara, se manca”, e a Casa Branca jurando que os Estados Unidos já projetaram 18 cenários para a “invasão russa” (segundo Lavrov, 17 foram escritos pela sopa de letrinhas do serviço de inteligência e o 18º pelo Departamento de Estado).

Dica sobre o armamento frenético e ininterrupto do país 404 – tudo o que se possa imaginar, desde javelins até MANPADs e levas de superfaturadíssimos “consultores” com matizes acadêmicos a serviço da Blackwater.

Deixando de lado a pantomima, para não falar dos cenários equivocados que partem da falsa premissa de uma “invasão”, a única jogada racional que Moscou  pode estar contemplando é o reconhecimento de fato das Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk e o envio de um contingente de forças de paz.

O que, é claro, levaria a matriz do Guerra S.A. infestada de neocons a uma fúria paroxística de escala intergaláctica, uma vez que esse reconhecimento anularia todas aquelas elaboradíssimas operações psicológicas concebidas para instilar o Medo de Deus nas vítimas atônitas do Retorno do Kanato da Horda Dourada, que incendiaria e saquearia por todo o caminho até as … planícies húngaras?

Resta então a  complicada questão de como des-nazificar  o Leste da Ucrânia: esse será uma assunto estritamente ucraniano, com zero envolvimento russo.

O fantasma de Mackinder está em modo pânico total ao contemplar, impotente, a brilhante decisão imperial de lutar uma guerra em duas frentes contra a parceria estratégica Rússia-China. Pelo menos, há Monty Python para vir em socorro: o Ministério das Caminhadas Tolas foi gloriosamente ressuscitado como o Ministério das Estratégias Tolas.

O lugar de honra cabe ao telefonema dado pelo Little Blinkie ao Chanceler chinês Wang Yi – que contém todos os elementos de um  brilhante quadro cômico. Ele começa com o combo por trás da nulidade chamada Biden pensando que as lideranças de Pequim poderiam influenciar Putin e convencê-lo a não praticar “agressão russa” contra o 404. Nos bastidores, talvez tenha havido alguma discussão sobre a treta do “Indo-Pacífico”.

O plano veio abaixo quando, mais uma vez, Wang Yi – lembram-se do Alasca? – fez sopa de barbatana de tubarão de Blinkie. Os principais pontos: a China apóia totalmente a Rússia, são os Estados Unidos que estão desestabilizando a Europa e, se novas sanções forem aplicadas, a Europa irá pagar um preço terrível, e não a Rússia que, é claro, pode contar com uma forte mão amiga chinesa.

Compare-se essa conversa ao telefonema entre Putin e Macron, que foi, para começo de conversa, cordial. Eles discutiram a  “morte cerebral” (copyright Macron) da OTAN. Eles discutiram as proverbiais palhaçadas  anglo-saxônicas. Eles chegaram mesmo a discutir a possibilidade de formar um grupo pan-europeu – uma espécie de anti-AUKUS – incluindo a Rússia e visando a conter a influência dos Cinco Olhos e a evitar, a qualquer preço, uma guerra em solo europeu. Até agora, é apenas conversa. Mas as sementes de uma grande virada já estão presentes.

Cenários equivocados insistem em que Putin, com grande habilidade, explorou a obsessão imperial com a  ascensão da China para restabelecer a esfera de influência russa. Bobagem. Essa esfera sempre existiu – e não vai mudar. A diferença é que, agora, Moscou se cansou do simbolismo pesado que permeia a grande confusão do 404: a mistura da russofobia nua e crua de Washington com a contenção/cerco da OTAN batendo à porta.

Metaforicamente, este talvez venha a se tornar o Ano dos dois Tigres da Água Negra, ambos objetos de sanções – um chinês e outro siberiano. Eles serão incessantemente acossados pela águia sem cabeça, cega a sua irreversível decadência e sempre recorrendo, em desespero, a uma série de jogadas tudo-ou-nada que são a única “política” que ela conhece.

O perigo supremo – em especial para os lacaios europeus – é que a águia sem cabeça nunca venha a abrir mão de sua condição de “indispensável” sem provocar mais uma guerra devastadora. Em solo europeu. Mesmo assim, os tigres persistem: em Pequim, antes do início do Jogos, eles estarão dando mais um passo para enterrar de uma vez por todas  a “ordem internacional baseada em regras”.

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

 

 

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