Pepe Escobar: Menos conversa, mais ação 

Share Button

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov (à direita), riem ao chegar para uma reunião no Harpa Concert Hall em Reykjavik, Islândia, em 19 de maio de 2021, paralelamente à cúpula ministerial do Conselho do Ártico. Foto: AFP / Saul Loeb / Pool

20/5/2021, Pepe Escobar, Asia Times

Então, Sergey Lavrov e Tony Blinken reuniram-se por quase duas horas no Harpa Concert Hall em Reykjavik, reunião paralela à sessão ministerial do Conselho do Ártico.

Gelo? Não, não, de fato, não. Ainda que o convescote não tenha sido retorno à festa-na-firma, dos bons velhos dias de Reagan-Gorbachev, de Guerra Fria. Afinal, lá estava um navio de guerra da OTAN, visível pelas janelas do Harpa Hall [imagem em Telegram, Pepe Escobar],– feito objeto de cena em filme arrasa-quarteirão, da Marvel.

Blinken, autodeclarado “guitarrista amador”, pode ter sido levado pelo charme de Elvis, em 1968, em A Little Less Conversation (lit. Um pouco menos de conversa). 

Ora… pelo menos houve alguma conversa. Quanto a “um pouco mais de ação”, como Elvis cantou, falta verificar. Bom sinal é que a dupla tratou-se um o outro, como “Sergey” e “Tony”. Blinken até tentou um “Spasiba” (ru. “Obrigado”).

Comecemos com Lavrov – que habita rotineiramente o Valhalla da diplomacia, o que não se pode dizer de Blinken, apparatchik mediano.

Concordamos em continuar nossas ações conjuntas, que se desenvolvem com sucesso, sobre conflitos regionais, no que coincidem interesses de Rússia e EUA. Esse é o problema nuclear da Península Coreana, e a situação com esforços para restaurar o Plano de Ação Conjunta Abrangente [Joint Comprehensive Plan of Action, JCPoA, ‘acordo nuclear’] sobre o programa nuclear iraniano. E o Afeganistão, onde a troika expandida, Rússia, China, EUA, Paquistão, está trabalhando ativamente. Discutimos como, nesse estágio, podemos tornar mais efetivas todas as nossas ações conjuntas.

Houve, pois, “conversa muito útil” (outra vez, Lavrov) sobre pontos em que coincidem (ressurreição do JCPoA), não coincidem (Afeganistão) e dificilmente coincidem (Coreia do Norte).

Mais que útil, na verdade: “construtiva”. Outra vez, Lavrov: “Há entendimento quanto à necessidade de superar a situação pouco saudável que se desenvolveu entre Moscou e Washington em anos anteriores.”

Lavrov deixou claro que estamos em estágio de mera “proposta” para “iniciar um diálogo, considerando todos os aspectos que afetam a estabilidade estratégica: nucleares, não nucleares, ofensiva, defensiva. Não vi qualquer rejeição a esse conceito, mas os especialistas ainda trabalharão nisso.”

Quer dizer: Blinken não rejeitou. O diabo é como os “especialistas” “trabalharão nisso”.

Essas incômodas “leis da diplomacia”

É útil comparar o que disseram um ao outro – pelo menos conforme o que vazou.

Lavrov destacou que as discussões tem de ser “honestas, factuais e regidas por respeito mútuo”. A mais importante área de cooperação é “estabilidade estratégica”. De crucialmente importante, Lavrov invocou as “leis da diplomacia” – coisa de não se pode dizer que o hegemon ande gostando muito em tempos recentes: querem “reciprocidade, especialmente no que tenha a ver com responder a qualquer tipo de ação não amistosa.” Implícita aí a disposição de Moscou para resolver problemas “herdados de anteriores governos dos EUA.”

Blinken disse que os EUA querem relacionamento previsível e estável: “É nossa visão que, se os líderes de Rússia e dos EUA puderem trabalhar juntos cooperativamente, nosso povo, o mundo poderá ser lugar mas protegido e mais seguro.” Áreas nas quais interesses “têm intersecções e sobreposições” incluem o combate ao Covid-19 e questões de mudança climática, além de Irã, Afeganistão e Coreia do Norte.

Mas a “agressão russa” não poderia sem simplesmente atirada ao Mar Ártico: “Se a Rússia age agressivamente contra nós, nossos parceiros, nossos aliados, responderemos (…) não com finalidades de escalar, não para buscar conflito, mas para defender nossos interesses”.

Assim sendo, os “especialistas” terão dia de trabalho duro, de revisão e altas manobras – na verdade, dias, semanas e meses – até entenderem quais tipos de “agressão russa” atacam “nossos interesses.”

Conforme estão as coisas, parece que a cúpula bilateral Putin-Biden, mês que vem, em alguma “capital diplomática europeia” – como se ouve nos rumores que correm por Bruxelas – pode ser mesmo possível. Esperar que aconteça, por exemplo, em Nursultão – capital diplomática da Eurásia – talvez seja querer demais, mas a tentativa pode valer a pena.

Lavrov: “Prepararemos propostas para nossos presidentes sobre essas questões [trabalho de missões diplomáticas] e questões relacionadas ao nosso diálogo sobre estabilidade estratégica.”

É iluminador considerar dois desenvolvimentos paralelos a Reykjavik.

O Departamento de Estado confirmou que levantará sanções contra a empresa com sede na Suíça que supervisiona a construção de Nord Stream 2. E SWIFT confirmou ao Banco Central Russo que os negócios prosseguem normalmente, e Moscou não será excluída do sistema.

Pode-se interpretar esses movimentos como gestos de boa vontade, antes de uma possível reunião de cúpula em junho. Depois, ninguém sabe.

Também é iluminador observar o que Lavrov e Blinken não discutiram: diplomacia da vacina.

Sergey Naryshkin, diretor do Serviço de Inteligência Exterior da Federação Russa (ru. SVR) está on the record dizendo que o registro da Sputnik Vacine (Sputnik V) na União Europeia está sendo atrasado por “sinais dos corredores do poder” em Bruxelas – algom que confirmei há semanas com diplomatas relativamente independentes. A Agência Europeia de Medicamentos (ing. European Medicines Agency, EMA) ainda insiste em que é possível que a vacina seja registrada antes do final do mês.

Então vêm os casos escandalosos, como o Brasil, tremendamente pressionado por Washington para impedir a aprovação da Sputnik V.

Sputnik V já foi registrada por 61 nações, a maioria das quais no Sul Global.

Assumamos que a Guerra Fria 2.0, em teoria, pode ter sido ‘congelada’. Agora é hora, então, para “um pouco mais de ação”. Chegará o ponto de Sergey e Tony will concordarem com “um pouco menos de briga, um pouco mais de balanço”, e dançarem ao ritmo de “toda essa atrapalhação não está me satisfazendo (tipo “all this aggravation ain’t satisfactioning me”)?

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

Share Button

Deixar um comentário

  

  

  

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.