Pepe Escobar: Estados Desintegrados da América, EDA 

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21/5/2021, Pepe Escobar, Asia Times e The Vineyard of the Saker

Andrei Martyanov é único em sua classe. Baby boomer de 3ª onda, nascido no início da década dos 1960s em Baku, no Cáucaso, então parte da URSS, é, pode-se dizer, o principal analista militar da esfera russa, que vive e trabalha nos EUA, escrevendo em inglês para audiência global, e sempre excelente em seu blog Reminiscence of the Future.

Tive o prazer de resenhar os dois livros anteriores de Martyanov. Em Losing Military Supremacy: The Myopia of American Strategic Planning, há quase três anos, ele provou conclusivamente, dentre outras coisas, que o ‘desnível’ comparativo em termos de mísseis entre EUA e Rússia era um “abismo tecnológico”, e que o Khinzal era “fator que mudava completamente o jogo geopoliticamente, estrategicamente, taticamente e psicologicamente”.

Martyanov mapeou extensivamente “a definitiva chegada de um paradigma completamente novo” em termos de guerra e tecnologia militar. Essa resenha está incluída em meu e-book editado por Asia Times Shadow play.

Depois veio The (Real) Revolution in Military Affairs, no qual Martyanov deu um passo adiante, e explicou como essa “revolução”, apresentada ao Pentágono pelo falecido Andrew Marshall, codinome Yoda, inventor de facto do conceito de “pivô para a Ásia”, foi na verdade concebido por teoricistas militares soviéticos lá nos idos dos anos 1970s, como Revolução Tecnológico-militar (ing. Military-Technological Revolution, MTR).

Agora, seu novo livro Disintegration, completa uma trilogia. E é espantoso ponto de partida.

Aqui, em detalhes meticulosos, Martyanov analisa por temas o declínio do império – com capítulos sobre Consumo, Geoeconomia, Energia, Derrota na Corrida Armamentista, dentre outros, compondo uma denúncia devastadoras especialmente daqueles tóxicos lobbies em D.C. e da mediocridade política que domina toda a Beltway em Washington. O leitor vê, exposto a nu, a complexa interação de forças que hoje comanda o caos norte-americano – caos político, ideológico, econômico, cultural e militar.

O capítulo 3, sobre Geoeconomia, é vertiginoso. Martyanov mostra como a Geoeconomia, como campo diferente, à parte, de guerra e geopolítica, nada além de truque para ofuscar e cegar: o bom velho conflito “envolto no tênue véu do raso intelectualismo das ciências políticas” – a matéria de que se fazem os sonhos de Huntington, Fukuyama e Brzezinski.

Esse aspecto é desenvolvido plenamente no capítulo 6, sobre Elites Ocidentais – e acrescido com um desmonte rascante do “mito de Henry Kissinger”: “apenas mais um excepcionalista norte-americano, dito erradamente ‘realista’”, parte de uma gangue que “não é condicionada a pensar multidimensionalmente”. Afinal, ainda não conseguem compreender o fundamento e as implicações do discurso de Putin em Munique 2007, que declarou o momento unipolar – eufemismo tosco para Hegemonia –, morto e enterrado.

Como não vencer guerras

Uma das avaliações chaves de Martyanov é que, tendo os EUA perdido a corrida armamentista e todas as guerras que dispararam e promoveram no século 21 – como mostram os registros –, Geoeconomia é essencialmente “eufemismo para sanções infindáveis que os EUA impõem combinadas a esforços para sabotar economias de qualquer nação capaz de fazer concorrência aos EUA” (ver, por exemplo, a saga em curso em torno do gasoduto Nord Stream 2). Sanções sem fim e esforços para sabotar economias concorrentes são “a única ferramenta” (itálicos de Martyanov) que os EUA usam para deter o próprio declínio.

Num capítulo sobre Energia, Martyanov demonstra como a aventura do petróleo de xisto dos norte-americanos é financeiramente inviável, e como um aumento em exportações de petróleo deveu-se essencialmente aos EUA “catarem” algumas cotas liberadas, principalmente como resultado de cortes anteriores de Rússia e Arábia Saudita dentro da OPEP+, numa tentativa para equilibrar o mercado mundial de petróleo”.

No capítulo 7, Derrota na Corrida Armamentista, Martyanov elabora sobre o tema no qual é superstar incontestável: os EUA não conseguem vencer guerras. Infligir Guerra Híbrida é completamente outro assunto, que só tem a ver com “criar e distribuir muita miséria pelo planeta, de matar realmente de fome populações inteiras, até assassiná-las”.

Exemplo flagrante tem sido a “pressão máxima” das sanções econômicas contra o Irã. Mas o ponto é que essas ferramentas – que também incluem o assassinato do general Soleimani – que são parte do arsenal de armas para “disseminar democracia” – nada têm a ver com “Geoeconomia”, mas tudo a ver com jogos crus de poder concebidos para alcançar o principal objetivo que Clausewitz fixou para a guerra – ‘compelir o inimigo a fazer nossa vontade’”. E “para os EUA, a maior parte do mundo é ‘o inimigo’.”

Martyanov também se sente compelido a atualizar o que ele mais brilhantemente tem explicado há tempos: o fato de que a chegada dos mísseis hipersônicos “mudou a guerra para sempre”. O Khinzal (é de 2017), tem alcance de 2 mil km e “não é interceptável por sistemas antimísseis norte-americanos existentes”. O 3M22 Zircon “muda completamente o cálculo da guerra naval e de solo”. Os EUA estão muito atrasados em relação à Rússia, no que tenha a ver com sistemas de defesa aérea, “atraso massivo, e quantitativo e qualitativo”.

Disintegration adicionalmente se qualifica como crítica aguda a um fenômeno eminentemente pós-modernista – no qual se destaca a fragmentação cultural infinita e a recusa em aceitar que “a verdade é cognoscível e pode ser objeto de acordo” – responsável pela atual reengenharia social dos EUA, em conjunto com uma oligarquia que “realisticamente, não é muito brilhante, apesar de rica”.

E há também a russofobia galopante. Martyanov faz soar o alerta vermelho definitivo: “Claro, os EUA ainda são capazes de iniciar uma guerra com a Rússia, mas se acontecer, significará exclusivamente que os EUA deixarão de existir, assim como a maior parte da civilização humana. O terrível é que há pessoas nos Estados Unidos para as quais até esse preço parece pouco, preço que se poderia pagar.”

No final, intelecto científico aproveitável não pode deixar de confiar em realpolitik sólida: supondo que os EUA evitem a desintegração completa em “territórios separatistas”, Martyanov enfatiza que a tirania é a única maneira pela qual a “elite” norte-americana conseguirá manter algum tipo de controle “sobre gerações cada vez mais seduzidas pelos movimentos ‘Despertai!’/ ‘Acordai!’ (“woke”) ou dessensibilizado pelas drogas”. Na verdade, uma tecno-tirania. E esse parece ser o único admirável novo paradigma, disfuncional, que espera os EUA adiante, no tempo.

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

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