Pacto Irã -China, virada geopolítica na Eurásia

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Negociações avançam — e revelam recuo dos EUA na região. Acordo de 25 anos prevê

bilhões em cooperação energética e infraestrutura — em arranjo financeiro contra a

hegemonia do dólar. Por trás de tudo, erros trágicos de Trump e Obama.

JONES MANOEL: A China, o petróleo e a guerra - Portal Disparada

Por Alfredo Jalife-Rahme, na Sputnik News

A partir do momento da ressurreição da Rússia do cemitério geopolítico e da ascensão

econômica irresistível da China, tanto o democrata Barack Obama quanto o republicano

Donald Trump cometeram dois graves erros geoestratégicos na Eurásia, no contexto do

declínio global e doméstico dos Estados Unidos, que têm vivido uma guerra civil sub-reptícia,

a que alguns caracterizam como uma guerra de classes e/ou guerra cultural.

O erro grave de Obama foi ter lançado a Rússia nos braços da China. Os dois países

conformaram então uma associação estratégica, cujo alcance e envergadura ainda não

chegam a ser plenamente conhecidos pelo grande público.

Pelo seu alcance, o erro de Obama supera, inclusive, o outro cometido por Trump, incitado

que foi pelo seu grande aliado, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu,

correligionário sionista do seu genro talmúdico Jared Kushner. Netanyahu impeliu Trump

a romper com o criativo acordo nuclear com o Irã ― forjado por Obama, no âmbito do assim

chamado grupo “5+1”: os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU

mais a Alemanha –, com o objetivo de, através da aplicação da “máxima pressão”, por meio

de asfixiantes sanções econômicas, obrigar o Irã a um novo tratado, já agora favorável a

Tel-Aviv.

O resultado foi que Teerã também arrumou as trouxas para lançar-se nos braços de Pequim.

O erro estratégico definitivo de Trump, no entanto, foi o de ter ordenado o assassinato, por

meio de um drone, do icônico general Soleimani e seu colega iraquiano Abu Mahdi al

Mohandes. Depois disso, a teocracia xiita iraniana não teve outra opção que não apurar os

detalhes que faltavam para um pacto estratégico de um quarto de século com a China.

Os dois erros, de Obama e de Trump, devem estar fazendo se revolver na tumba o geopolítico

inglês Halford MacKinder [o pai da Teoria do Heartland], a quem destroçaram todos os seus

axiomas euro-asiáticos que fundamentaram o domínio anglo-saxão exercido por

Reino Unido e Estados Unidos no controle do mundo. Curiosamente, a aproximação do Irã

às duas superpotências ― Rússia, de uma parte (a máxima superpotência nuclear, na era

das armas hipersônicas), e China, de outra (máxima superpotência geoeconômica, quando se

toma seu PIB ponderado pelo poder aquisitivo e paridade de compra) ― expõe a orfandade

euro-asiática dos Estados Unidos. Essa potência em ocaso tem sofrido sérias avarias

geopolíticas em todo o Grande Oriente Médio, sobrando-lhe apenas o salva-vidas um tanto

aleatório da Índia, que, por casualidade, mantém excelentes relações com a Rússia.

Simon Watkins, no site Oil Price, noticia que há um ano o chanceler iraniano Mohamed Zarif

visitou seu homólogo chinês Wang Li para lhe apresentar o roteiro de uma “associação

estratégica integral” de 25 anos entre a China e o Irã; algo que se somaria ao acordo preliminar

de 2016.Ao que tudo indica, existem termos secretos aos quais “se acrescentaria um elemento

militar novo”, com as tácitas bênçãos da Rússia, e que terá “enormes implicações na segurança

global”. Entre os presumidos elementos secretos do pacto firmado há um ano, “a China

poderia investir cerca de 280 bilhões de dólares no desenvolvimento dos setores de petróleo,

gás e petroquímica do Irã”, que viriam a ser aplicados no primeiro período de cinco dos

25 anos de validade do pacto. Também nesse quinquênio, a China poderia investir 120

bilhões de dólares no sistema de transporte ― trens-bala e metrô ― e na infraestrutura fabril

do Irã, em troca da compra de petróleo, gás e petroquímicos pelas empresas chinesas com a

garantia de um desconto mínimo de 12% ou por meio

de outras fórmulas que favoreçam a China. As vantagens incluem ainda um prazo de carência

de dois anos para o pagamento das aquisições chinesas, que será feito em renminbi/yuan.

Esse termo do acordo tem, então, a virtude de contornar o sistema SWIFT de pagamentos

bancários, controlado pelos Estados Unidos.

Historicamente, os iranianos são lendários mercadores, e seguramente encontrarão saídas

criativas para trocar as divisas chinesas através do Catar, até Istambul, e acumular moedas

fortes. Enquanto isso, o renminbi/yuan se fortalece e se internacionaliza. E a infraestrutura

do Irã estará alinhada ao “projeto geopolítico multigeracional” da Nova Rota da Seda.

É preciso notar que o Irã faz fronteira com 15 países: sete terrestres (Afeganistão, Armênia,

Azerbaijão, Iraque, Paquistão, Turquia e Turcomenistão), dois no Mar Cáspio

(Rússia e Cazaquistão), e mais as seis monarquias árabes do Golfo Pérsico (Kuwait,

Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Catar e Omã). A China também é um

país de 15 fronteiras. O problema do Irã não é sua conectividade geopolítica, mas sua asfixia

geofinanceira advinda do bloqueio de Trump à exportação de hidrocarbonetos pelo país,

o que produziu uma brutal desvalorização da sua moeda, o rial. O pacto de um quarto de

século com a China não apenas dilui a guerra multidimensional de Trump contra o país

como também o posiciona como pivô de primeira grandeza nesse espaço de 30 fronteiras

compartilhadas.

A China se coloca hoje com capacidade para driblar as sanções econômicas de Trump e até

mesmo se esquivar da segunda fase de negociações comerciais com os Estados Unidos.

O pacto deixou nervosos tanto os Estados Unidos quanto Israel, a ponto de que o belicoso

Secretário de Estado, o evangélico sionista e ex-diretor da CIA, Mike Pompeo viesse a

pressionar Netanyahu para abandonar todos os planos de investimento chineses em Israel.

Por motivos eleitorais, Trump se empolgou com a ideia de despejar um tsunami de sanções

contra a China, sob os mais variados pretextos, em especial, contra o 5G da empresa Huawei.

Ele também elevou as tensões militares, a ponto de colocar dois porta-aviões no Mar do

Sul da China e estimular a venda de armas pela Lockheed Martin a Taiwan, enquanto atiça

velhos rancores da Índia e estimula o secessionismo dos uigures da região islâmica autônoma

de Xinjian.

Isso tudo sem contar as pressões sobre a anglosfera em geral ― do Reino Unido à Austrália ―

para que evitem a presença da Huawei, sob o pretexto de protestar contra a nova lei de

segurança de Hong Kong.

O site de notícias cipriota, alternativo e pró-russo, The Duran considera que o acordo

entre China e Irã constitui, nesse contexto, “um enorme golpe para as aspirações dos

Estados Unidos na Ásia Central”. Um ano depois dele (na realidade quatro), The New York

Times, por outro lado ― hoje mais questionado que nunca por seus próprios jornalistas

(que argumentam que seu jornalismo é feito mais sobre tuits que sobre análise e investigação,

coisas a que o jornal abdicara desde que aderiu à mentira oficial sobre as armas de destruição

em massa do Iraque) ― publica um documento supostamente vazado, mas com o claro tempero

do Departamento de Estado norte-americano, que torna clara a angústia, senão o desespero,

de Trump. Entre tais condimentos se inclui o termo duvidoso da cessão do Irã à China de

vantagens portuárias ao longo da costa do Mar de Omã, especialmente Jask, já fora do

Estreito de Ormuz, nas portas do golfo Pérsico, “o que daria à China um ponto de vantagem

estratégica no tráfego da maior parte do petróleo mundial”.

O New York Times também se inquieta com o exercício naval conjunto entre Irã e Rússia

no último mês de dezembro no Golfo de Omã, do qual participou o contratorpedeiro de

mísseis chinês Xining.

Como é de hábito na terminologia diplomática interna norte-americana, seus futuros anais

históricos, ao oscilar entre Obama e Trump, provavelmente se perguntarão:

“quem perdeu o Irã?”.

O certo é que a Rússia e a China o ganharam.

Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel

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