O ‘Sultão do Caos’ está em frenesi

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Residents inspect damage after airstrikes by pro-Syrian government forces in Anadan city, about 10 kilometers away from the towns of Nubul and Zahraa, Northern Aleppo countryside, Syria February 3, 2016. © Abdalrhman Ismail
Tradução Vila Vudu

Imaginem noites insones no palácio do ‘sultão’ Erdogan em Ankara. Imagine-o lívido, ao saber que o Exército Árabe Sírio, apoiado pela aviação russa, iniciou uma Batalha por Aleppo, preventiva – através da região de Bayirbucak – fechando o principal corredor pelo qual Ankara fornece armas aos terroristas e estrada de ir e vir de jihadistas.

Quem controlar esse corredor controlará o resultado final da guerra na Síria.

Entrementes, em Genebra, a oposição síria acionada por controle remoto, também chamada “Alto Comitê de Negociações”, mostrou e remostrou, desenhado, que nunca quiseram, para começar, encontrar-se com delegação de Damasco – nem quaisquer conversações “próximas” ou distantes, mesmo depois que Washington e Moscou mal e mal concordaram quanto a uma transição de dois anos, que levaria a uma Síria teoricamente secular e não sectária.

O front saudita queria, nada menos, que Ahrar al-Sham, Jaysh al-Islam e toda a Frente al-Nusra, codinome al-Qaeda na Síria e colaboradores, todos à mesa, em Genebra. E foi assim que a farsa de Genebra, mais depressa do que você pronuncia “Estrada para Aleppo”, foi exposta pelo que é: farsa.

E quanto à OTAN, podem esquecer

O famosíssimo cérebro da inteligência saudita príncipe Turki, ex-mentor de um tal Osama bin Laden, esteve em Paris, para uma ofensiva de ‘relações públicas’; mas só obteve uma avalanche de obsessões com negar, fingindo que não negam – e a culpa de toda a tragédia síria foi jogada sobre Bashar al-Assad.

A Munich, le 2 février 2014.

O principe Turki Al-Fayçal

 

O cerne da ‘oposição’ síria foi sempre constituído de guerreiros de poltrona cooptados pela CIA durante anos, bem como os ‘irmãos’ vassalos/otários da Fraternidade CIA-Muçulmana. Muitos desses personagens preferem as alegrias de Paris à vida dura que os espera em solo sírio. Agora a ‘oposição’ é, basicamente, amontoado de senhores da guerra que, ao preço de umas garrafas d’água, fazem o que a Casa de Saud lhes diz que façam – sem nenhuma consideração ao que digam os engravatados ex-ministros do Partido Ba’ath selecionados a dedo para serem a cara da oposição aos olhos da mídia-empresa ocidental que engole qualquer coisa.

Enquanto isso, os “4+1” – Rússia, Síria, Irã, Iraque, plus o Hezbollah – estão agora colecionando vitórias em matéria de fatos em campo. A novidade determinante: não haverá ‘mudança de regime’ em Damasco. Mas ninguém ainda levou a notícia aos turcos e sauditas.

O ‘Sultão’ Erdogan braceja num mar de desespero. Continua a amputar todas as graves questões em jogo, tentando que caibam dentro da guerra particular dele contra o PYD – a organização guarda-chuva dos curdos sírios – e o YPG (Unidades de Proteção do Povo, braço militar dos curdos sírios). Erdogan e o primeiro-ministro Davutoglu queriam o PYD não só banido de Genebra, mas, isso sim, esmagados em campo, porque para eles os PYD/YPG são “terroristas” aliados do PKK.

Mas… e o que fará o ‘Sultão’ Erdogan? Desafiar os recém-chegados jatos de combate 4G++ Sukhoi Su-35Ss – que já chegam matando de medo todos os “Dr.Fantásticos” da OTAN? A Força Aérea Turca ordenando “alerta laranja” em suas bases pode, no máximo, meter medo no proverbial cão errante que erre por ali. O mesmo se aplica ao decorativo secretário-geral da OTAN Jens Stoltenberg, implorando que a Rússia “aja com responsabilidade e total respeito ao espaço aéreo da OTAN.”

Moscou vai à caça dos turcomenos sem dó, e ao mesmo tempo garante apoio aéreo ao PYD a oeste do Eufrates. É quando acerta o coração de copas do ‘Sultão’; afinal, Erdogan ameaçou incontáveis vezes que qualquer avanço do PYD/YPG a oeste do Eufrates infring(i)(ria) linha vermelha absoluta.

Uma OTAN já gaga de medo não apoiará a loucura de uma guerra de Erdogan contra a Rússia – por mais que neoconservadores dos EUA e Grã-Bretanha anseiem por esse apoio. As decisões da OTAN têm de ser tomadas por unanimidade, e a última coisa que Alemanha e França, potências da União Europeia, querem é mais uma guerra no sudoeste asiático. A OTAN pode dispor os velhos mísseis Patriot na Anatólia sul e os velhos AWACs para apoiar a força aérea da Turquia. Mas é só.

Pegue aí a mudança de regime que mais lhe apraza

ISIS/ISIL/Daesh, enquanto isso, continuam a aproveitar-se de sua rodovia jihadista privada através dos 98 quilômetros da fronteira turco/síria, especialmente em Jarablus e Al Rai através de Gaziantep e Kilis na Turquia.

Aproveitando a dica de Israel, Ankara está construindo um muro – 3,6m de altura, 2,5m de largura – cobrindo o trecho entre Elbeyli e Kilis, essencialmente para finalidades de propaganda. Porque a Rodovia Jihadista continua aberta para todas as finalidades práticas –, mesmo que as Forças Armadas Turcas vez ou outra prendam algum atravessador (sempre libertado em seguida). Aqui estamos falando de contrabando monstro, contrabandistas ‘regulares’ e soldados. Cerca de $300 trocam de mãos todas as noites por cabeça que atravessa a fronteira para a Síria, e qualquer oficial turco pode ganhar ali coisa como $2.500 só para olhar para o outro lado por alguns minutos.

A verdadeira pergunta é por que Gaziantep não está sob toque de recolher imposto por Ankara, com milhares de Forças Especiais Turcas por ali lutando, na verdade, bem ali, uma “guera ao terô” [guerra ao terror, como Bush pronunciava as palavras]. Por quê? Porque Ankara e as autoridades locais não podem dar nem alguma mínima bola para o negócio ali: a verdadeira prioridade é a guerra de Erdogan contra os curdos.

Isso nos leva ao poder de alavancagem que o ‘Sultão’ possa ter nesse momento. De Bruxelas a Berlin, até mentes confiáveis já estão em pânico ante o risco de a UE estar, isso sim, presa como refém da “prioridade” curda de Erdogan – com Ankara fazendo praticamente nada para combater o tráfico massivo de migrantes.

Quando Davutoglu esteve recentemente em Berlin, não apenas nada prometeu: ele reafirmou a ameaça de Erdogan, de “aniquilar” os curdos sírios.

É o que explica o desespero da chanceler Angela Merkel da Alemanha. Como é possível que a suposta mais poderosa líder política de toda a Europa tenha caído num ardil nu e cru de extorsão? O ‘sultão’ quer montanhas de dinheiro, imensas concessões e até um empurrão para ser admitido na União Europeia. É isso, ou ele não fechará a torneira daquela obscura inundação de refugiados.

Não admira que a máquina da mudança de regime esteja em total frenesi. Em Ankara? Não. Em Berlin.

Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.

 

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