O sonho hegemônico da Arábia Saudita no Mundo árabe e islâmico virou fumaça

Share Button

Patrick Cockburn – The Independent, (UK) 07/01/2017

Tradução livre de Abu Hana J. T. Cairus

A pressão saudita sobre Bashar Al Assad apenas serviu para que a Síria procurasse mais ajuda da Rússia o que precipitou a intervenção dos russos para a qual os EUA não estavam preparados para se opor.

Até recentemente, há exatamente dois anos, o esforço de meio século saudita de se tornar líder entre árabes e muçulmanos parecia ter sido bem-sucedido. Em 2004, um documento enviado pela então Secretaria de Estado Hillary Clinton publicado pelo WikiLeakes, mencionava a competição entre qataris e sauditas para “dominar o mundo sunita. ”

Um ano mais tarde, em dezembro de 2015, o BND, serviço alemão de Inteligência estava tão preocupado com a influência crescente saudita no Mundo árabe e islâmico, que produziu um memorando cujo conteúdo assim se resumia: “a diplomacia cautelosa dos antigos líderes da família saudita estava sendo substituída por uma política impulsiva de intervenção”.

Um constrangido governo alemão, na ocasião, força o BND a se retratar, mas no ano seguinte os temores expressos no memorando da Inteligência alemã foram amplamente confirmados. O que, entretanto, não foi previsto foi a velocidade que as ambições sauditas se frustrariam em quase todos os fronts.

No ano passado, a Arábia Saudita e seus aliados na Guerra Civil Síria perderam o último grande centro urbano no confronto em Allepo oriental. Porém, na Síria, a intervenção saudita foi indireta ao contrário do Iêmen onde uma intervenção direta, da altamente custosa máquina militar saudita, falhou em obter uma vitória. Ao contrário do que a política agressiva saudita esperava, a influência iraniana não apenas não foi contida, mas sim ocorreu o oposto. Na última reunião da OPEP, os sauditas concordaram em diminuir a produção de petróleo enquanto os iranianos aumentaram a sua produção, uma possibilidade antes rejeitada pela Arábia Saudita.

Nos EUA, os últimos aliados da família Saud, o presidente Obama, durante uma convenção em Washington, criticou abertamente a ideia que a Arábia Saudita era amiga e aliada. No âmbito da opinião pública norte-americana é indiscutível a crescente hostilidade em relação à Arábia Saudita o que se refletiu no voto, quase unanimo, no Congresso que permitia que as famílias das vítimas do “11 de setembro” processassem o governo saudita como responsável pelos ataques em 2001.

Sob a liderança volátil de Mohammed bin Salman, príncipe e ministro da defesa que se tornou o membro da família real com mais poder decisão, a política externa saudita, no reinado de seu pai – o octogenário Rei Salman coroado em 23/01/2015 – se tornou mais militarista e expansionista. O resultado foi a intervenção militar saudita no Iêmen e o aumento da assistência saudita a aliança rebelde na Síria cuja mais poderosa forca militar era, o Jabhat al-Nusra, anteriormente um braço armado da al-Qaeda na Síria.

As coisas não foram bem para os sauditas, nem na Síria nem no Iêmen. Aparentemente, os sauditas esperavam que os rebeldes houthis fossem rapidamente derrotados pelas forças pró-sauditas, mas após quinze meses de bombardeio os rebeldes e o ex-presidente Saleh ainda controlavam Sana, a capital e o norte do Iêmen. O prolongado bombardeio do país árabe mais pobre pelo país mais rico do Mundo Árabe resultou em uma catástrofe humanitária na qual 60% dos 25 milhões de iemenitas ficaram sem o que comer e beber.

Os insurgentes na Síria sustentaram danos similares com consequências inesperadas. Os sauditas, que substituíram o Qatar como patrono principal dos insurgentes sírios em 2013, acreditavam que seus aliados na Síria pudessem derrotar o presidente Bashar al-Assad, ou que pelo menos, pudessem levar os EUA a fazê-lo. Contudo, o aumento da pressão militar sobre Assad serviu apenas para que este procurasse mais ajuda da Rússia e do Irã, que resultou em setembro de 2015, numa intervenção militar russa que os EUA não estevam preparados para se opor.

O Príncipe Mohammed bin Salman está sendo responsabilizado, dentro e fora do Reino, por erros de julgamento que resultaram em fracasso e impasse. No front econômico, seu “Vision 2030”, um projeto que pretende tornar a Arábia Saudita menos dependente do petróleo e mais parecido com um pais normal, não-dependente do petróleo, tem gerado ceticismo misturado com ironia. É improvável que ocorra mudança num sistema permeado pelo nepotismo e clientelismo no qual uma alta percentagem da renda proporcionada pelo petróleo é gasta para empregar os sauditas, a despeito das qualificações e vontade de trabalhar.

Os protestos da força de trabalho saudita constituída por 30 milhões de estrangeiros por falta de pagamento não podem ser ignorados ou esmagados por meio de acoitamento e prisão. A segurança do reino saudita, no entanto, neste caso não está ameaçada. O perigo para os governantes da Arábia Saudita, Qatar e outro estados do Golfo e que sua arrogância e desejos os levaram a tentar empreitadas além de suas forças. Nada disso é novo. A sede de poder dos petro-estados vem aumentando consideravelmente desde a derrota do nacionalismo árabe, da Egito, Síria e Jordânia, em 1967, na “Guerra dos Seis Dias”. A Arábia Saudita está descobrindo agora, que o nacionalismo árabe combinado com militarismo funcionou bem enquanto existia a promessa de vitória, mas foi inexoravelmente deslegitimizado como resultado de uma derrota trágica. Durante algum tempo, a Arábia Saudita e os estados do Golfo operaram através de prepostos, mas esta política enfraqueceu em face das revoltas populares em 2011. Assim, o Qatar e a Arábia Saudita passam a apoiar a mudança de regime nos países da região. No entanto, as revoluções se transformam em contrarrevoluções com tons sectários no Iraque, Síria, Iêmen e Bahrain onde convivem sunitas e não-sunitas.

Os críticos das políticas sauditas e qataris frequentemente as caracterizam como equivocadas e ineficazes, mas as ações de ambos chamam a atenção pela desorganização e ignorância das reais condições nos países em questão. Em 2011, o Qatar imaginava que Assad seria deposto rapidamente como Gadafi na Líbia. Como isto não aconteceu os qataris passam a fornecer, desorganizadamente, dinheiro e armamento enquanto nutriam esperança de persuadir os norte-americanos a intervir militarmente para depor Assad de forma análoga ao que a OTAN fez na Líbia.

Especialistas em Síria argumentam o quanto, sauditas e qataris, sabiam que estavam financiando o Estado Islâmico e outros clones da al-Qaeda. A resposta é: aparentemente não sabiam e frequentemente não se importavam em saber quem eles financiavam. Não obstante, o financiamento era feito por indivíduos ricos e não pelo governo saudita e seus serviços de Inteligência.

O mecanismo pelo qual o dinheiro saudita financia os grupos jihadistas foi explicado em um artigo escrito por Carlotta Gall na edição de dezembro do The New York Times. No artigo, ela demonstra como os sauditas financiaram o talibã após 2001.Em uma entrevista, o ministro das finanças do talibã, Agha Jan Motasim, explica como levantou largas quantias de dinheiro junto a indivíduos em viagens à Arábia Saudita. Este dinheiro era secretamente transferido ao Afeganistão. Funcionários do governo afegão sugerem que a última ofensiva de uma forca de 40.000 talibãs custou US$ 1 bilhão de dólares a seus doadores estrangeiros.

As tentativas da Arábia Saudita e dos estados do Golfo de se tornarem atores hegemônicos no Mundo árabe e islâmico foram desastrosas para quase todos. A captura de Allepo oriental pelo exército sírio e a captura iminente de Mosul pelo exército iraquiano significa a derrota dos árabes sunitas em uma região imensa que se estende do Irã ao Mediterrâneo. Em grande parte, graças aos seus benfeitores do Golfo, essas populações estarão sujeitas a governos hostis.

Share Button

Deixar um comentário

  

  

  

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.