O que os anglo-sionistas podem fazer contra o Irã

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3/8/2018, The Saker, Unz Review e The Vineyard of the Saker

Nos últimos dias, a Internet só fala de um boato – sinceramente: dos mais idiotas –, sobre os EUA terem pedido ajuda da Austrália para prepararem um ataque ao Irã. Desnecessário dizer, as ‘notícias’ não explicam quais capacidades teria a Austrália, que faltariam aos EUA, mas… Mesmo assim, a ‘notícia’ foi repetida em tantos lugares (vejam aqui, aqui e aqui), que é impossível ignorá-la. Numa dessas matérias, Eric Margolis descreveu as características que poderia ter o tal ataque.

Cito-o na íntegra:


Esboço de um possível ataque dos anglo-sionistas contra o Irã

EUA e Israel certamente evitarão massiva campanha em solo, excessivamente cara, contra o Irã, que é país vasto e montanhoso e que sobreviveu à guerra que fez um milhão de mortos, durante oito anos, com o Iraque, iniciada em 1980. Essa guerra assassina terrível foi instigada por EUA, Grã-Bretanha, Kuwait e Arábia Saudita para derrubar o então novo governo islâmico popular do Irã.

O Pentágono planejou guerra aérea de alta intensidade contra o Irã, à qual Israel e os sauditas podem muito bem se integrar. O plano fala de mais de 2.300 ataques aéreos contra alvos iranianos estratégicos: pistas de pouco e bases navais, depósitos de armas e de petróleo, óleo e derivados, nodos de telecomunicação, radar, fábricas, quartéis e outras instalações militares, portos, represas e usinas, aeroportos, bases de mísseis e unidades dos Guardas Revolucionários.

As defesas aéreas do Irã vão de frágeis a inexistentes. Décadas de embargos militares e comerciais impostos pelos EUA contra o Irã deixaram o país tão decrépito e frágil quanto era o Iraque quando os EUA invadiram o país, em 2003. Os tanques e canhões moda anos 70s, estão detonados e não atiram direito; os velhos mísseis AA britânicos e soviéticos são praticamente imprestáveis, e os antigos jatos MiG e chineses estão bons para o museu, sobretudo os antiquados F-14 Tomcasts fabricados nos EUA, cópias chinesas dos obsoletos MiG-21, e um punhado de praticamente imprestáveis Phantoms F-4 da guerra do Vietnã.

Os comandos de combate aéreo não são melhores que isso. Tudo que há no Irã, em matéria de produto eletrônico, será fritado ou explodido logo nas primeiras horas de um ataque pelos EUA. A pequena Marinha do Irã será afundada na abertura dos ataques. A indústria do petróleo pode ser destruída ou parcialmente preservada, dependendo dos planos dos EUA para o pós-guerra.

O único modo pelo qual Teerã pode responder depende de ataques isolados de pequenos grupos contra instalações dos EUA no Oriente Médio, sem valor decisivo; e pode, claro, bloquear o Estreito de Ormuz pelo qual transitam 2/3 de todas as exportações de petróleo do Oriente Médio. A Marinha dos EUA, que tem base próxima, no Bahrain, pratica há décadas para enfrentar essa ameaça.

Há muito material interessante nesse trecho, e acho que vale a pena analisá-lo segmento por segmento.

Primeiro, concordo integralmente com Margolis, que nem EUA nem Israel querem guerra em solo contra o Irã: o país é grande demais, os iranianos são bem preparados demais e o tamanho da força necessária para campanha em terra está muito acima do que o Império é efetivamente capaz de mobilizar.

Segundo, Margolis está absolutamente correto ao dizer que o Irã não tem os meios para deter um determinado ataque (mísseis e aviação) que venha dos Anglo-sionistas. O Irã tem, sim, algumas modernas capacidades de defesa aérea, e os atacantes sofreriam baixas, mas a diferença de força que se estabeleceria em seguida rapidamente daria aos Anglo-sionistas a superioridade aérea e, com ela, a oportunidade para bombardear o que quisessem (e, depois, ainda mais).

[BARRA LATERAL: avaliar as defesas iranianas, contudo, não é questão apenas de contar mísseis e lançadores de mísseis, há muito mais. Segundo uma fonte russa, o Irã tem quatro sistemas de mísseis antiaéreos de longo alcance S-300PMU-2 (com interceptador de mísseis 48Н6Е2 Mach 6,6); 29 complexos militares de mísseis antiaéreos de autopropulsão Tor-M1; alguns complexos bem avançados de mísseis antiaéreos como o Bavar-373; um arranjo de radar de varredura eletrônica passiva (cujos sistemas de iluminação e orientação quase com certeza incluem a moderna eletrônica chinesa) e número significativo de sistemas de radar para alerta precoce, de fabricação russa, chinesa e iraniana.

Essa categoria inclui sistemas como o radar Najm-802, de alcance potencialmente alto de detecção e definição de alvos (com 5.120 módulos de recepção e transmissão, que opera em decimeter S-range e foi construído para detectar alvos balísticos e pequenos elementos de armas de alta precisão); o sistema russo de radar “Nebo-SVU” para alerta precoce e sistema de controle com radar fixo, além do radar para alerta precoce do tipo “Ghadir”.

Mais importante, esses radares são todos integrados na rede do sistema de defesa centrada em mísseis do Irã. Por exemplo, o radar “Ghadir” é capaz de detectar não só os combatentes táticos da Força Aérea dos EUA, do Reino da Arábia Saudita e de Israel, mas também mísseis balísticos imediatamente depois de lançados (a uma distância de cerca de 1.100 km). Resultado disso, a presença de unidades iranianas de rádio-engenharia de radares multibanda de detecção na direção ocidental (o Golfo Persa) permitirá aos iranianos preparar um defesa aérea flexível escalonada para defender-se contra ataques de alta intensidade de mísseis.

Mesmo assim, não importa o quanto os iranianos tenham melhorado as próprias defesas aéreas e o maior número de mísseis (incluindo os novos avançados AGM-158 JASSM (Joint Air-to-Surface Standoff Missile low observable standoff air-launched cruise missile delivered by B-1B bombers), permanece o fato de que as defesas iranianas serão inevitavelmente sobrepujadas por qualquer ataque aéreo massivo.]

Assim sendo, também concordo com Margolis, que a indústria do petróleo iraniana não pode ser protegida contra ataque direto e determinado por EUA/Israel. De fato, toda a infraestrutura iraniana é vulnerável a ataque.

Mas o parágrafo final de Margolis faz crer que o Irã não teria opções críveis para retaliação – ideia da qual discordo completamente.

Exemplo 1: Capacidades do Irã no Estreito de Ormuz

Para começar, a questão do Estreito de Ormuz é muito mais complexa que apenas “a Marinha dos EUA pratica há décadas para enfrentar essa ameaça“. A realidade é que o Irã tem amplo leque de opções para tornar praticamente impossível o trânsito marítimo pelo seu estreito. Essas opções vão desde minas submarinas, a ataques por embarcações rápidas, a mísseis antinavios, ataques da artilharia costeira, etc.

[BARRA LATERAL: Nesse caso há um grave perigo: israelenses e/ou norte-americanos podem facilmente organizar um ataque simulado sob falsa bandeira contra qualquer navio no Estreito de Ormuz, e acusar o Irã; haveria a boataria “altamente provável” sem provas, de todas as agências da inteligência anglo-sionista, e voilà, o Império teria um pretexto para atacar o Irã.]

Na verdade, o simples fato de o Irã ameaçar qualquer ação em Ormuz já faz aumentar os custos dos seguros, o que, por si só, já bastaria para pôr fim a muitos negócios e, na prática, para fechar o estreito. Se não for suficiente, o Irã sempre pode implantar minas, mesmo que em número limitado, o que bastará (tenham em mente que, ainda que a Marinha dos EUA possa tentar pôr em prática operações de varredura para retirada de minas submarinas, essas operações, ao largo do litoral iraniano, exporiam os especialistas da Marinha a perigo extremo de serem atacados).

Margolis faz referência a isso, quando escreve:

Enquanto o Irã pode conseguir interditar algumas exportações de estados árabes e provocar aumento no custo dos seguros para transporte marítimo, é pouco provável que consiga bloquear todas as exportações de petróleo, a menos que ataque os principais terminais de petróleo na Arábia Saudita e no Golfo, com tropas de superfície. Durante a guerra Irã-Iraque, nenhum lado jamais conseguiu fechar completamente as exportações de petróleo do outro lado.

Minha avaliação é que isso subestima grosseiramente as capacidades do Irã nesse contexto. Tome-se por exemplo, a força submarina do Irã.

A força submarina iraniana é altamente especializada. Segundo a Edição 2018 do IISS’s Military Balance, os iranianos contam atualmente com 21 submarinos em serviço:

  1. 3 submarinos classe Taregh (diesel-elétricos) (Kilo-class Project-877EKM russo);
  2. 1 submarino costeiro classe Fateh;
  3. 16 submarinos pequenos classe Ghadir; e
  4. 1 submarino pequeno classe Nahand.

A maioria das pessoas, quando ouvem falar de “diesel-elétrico”, pensam em velhos caminhões movidos a óleo diesel, e nem se impressionam, sobretudo quando se fala, simultaneamente, em submarinos nucleares de ataque pressupostos “avançados”. É ideia gravemente errada: só é possível avaliar submarinos no ambiente para o qual são projetados. A geografia naval pode ser dividida, em termos amplos, em três tipos: águas azuis (oceano aberto), águas verdes (mares fechados) e águas marrons (regiões de costa). Os submarinos nucleares de ataque só são superiores em ambiente de águas azuis, onde a autonomia, a velocidade, profundidade do mergulho, capacidade para armazenar armamento, sonares avançados, etc. são cruciais. Em comparação, embora os submarinos movidos com energia elétrica-diesel sejam mais lentos, tenham de ir à superfície para recarregar as baterias e sejam normalmente menores, com menor quantidade de armas a bordo, são também muito mais adequados a operações em águas verdes. Em águas marrons, os pequenos submarinos reinam, dentre outras razões, porque submarinos nucleares de ataque não foram concebidos para operar nesse ambiente.

Consideremos rapidamente, então, que tipo de ambiente caracteriza o Estreito de Ormuz: (mapa).

Observem (i) a interessante combinação de profundidades rasas e muito rasas típica das águas marrons, e (ii) o ambiente de águas verdes, no caminho para dentro do Golfo de Omã e Mar da Arábia. Com isso em mente, consideremos o tipo de força de submarinos que o Irã adquiriu/desenvolveu:

– Para operações em águas marrons (Golfo Persa e Estreito de Ormuz), o Irã tem frota relativamente grande e capaz de submarinos pequenos. Para operações em águas verdes (Golfo de Omã e Mar da Arábia), o Irã tem três formidáveis submarinos classe Taregh/Kilo (que também podem operar em águas azuis, embora com limitações e muito menos autonomia, velocidade, armamento ou sonar, que um submarino nuclear de ataque).

Assim como “diesel-elétrico”, a expressão submarino pequeno também faz-crer que se trate de algum tipo de miniatura ou, no mínimo, de alguma engenhoca primitiva do 3º mundo, que, no máximo, serviria para contrabandear drogas. Na verdade, os “pequenos” iranianos podem transportar torpedos pesos-pesados (533 mm), como os Kilos, apenas em menor número. Significa também que podem transportar os mesmos mísseis e minas. Na verdade, eu diria que os submarinos “pequenos” de classe Ghadir do Irã são ameaça muito mais preocupante no Golfo Persa que, mesmo, os mais avançados submarinos nucleares de ataque.

[BARRA LATERAL: Os EUA pararam de produzir submarinos diesel-elétricos há muitos anos, porque supuseram que, como potência hegemônica, com Marinha típica para águas azuis (tudo gira em torno de porta-aviões), não precisariam ter capacidades para águas verdes ou marrons. Outros países (como Rússia, Alemanha, Suécia e outros) seguiram ativamente u, programa para produção de submarinos diesel-elétricos (incluindo os chamados de “air-independent propulsion” – AIP), porque compreenderam, corretamente, que esses submarinos são muito mais baratos e, ao mesmo tempo, muito mais adequados a operações costeiras defensivas. Cortar a produção de submarinos diesel-elétricos foi outro dos grandes erros dos planejadores militares dos EUA; sobre isso, leiam aqui. Os novos barcos para combate de litoral [ing. Littoral Combat Ship (LCS)] e o destroier de classe Zumwalt, foram pensados como paliativo, pelo menos parcial, para a deficiência, na Marinha dos EUA, de capacidades para águas marrons; mas os dois projetos resultaram em completo desastre].

Ghadir-class submarine

Os submarinos russo de classe Kilo são alguns dos mais silenciosos, embora fortemente armados submarinos jamais construídos, e podem representar ameaça importante a qualquer operação naval dos EUA contra o Irã. Mas todos podemos ter certeza absoluta de que a Marinha dos EUA os rastreia 24h/dia, sete dias por semana; e os Kilos são alvos de primeira hora (estejam no mar ou em porto), no início de qualquer ataque pelos anglo-sionistas. Mas a Marinha dos EUA consegue rastrear também os submarinos iranianos pequenos, bem menores e mais numerosos? Não sei mais que vocês, mas pessoalmente duvido muito, dentre outros motivos porque esses submarinos relativamente pequenos podem ser bem facilmente escondidos. Vejam essa foto de um submarino de classe Ghadir e imaginem que, sim, seria fácil escondê-lo, ou criar simulacros. Pois esses submarinos “anões” podem afundar qualquer navio no Golfo Persa, com um único torpedo.

Claro que os EUA têm, sem dúvida, muitas capacidades de reconhecimento e de inteligência, que lhes permitem localizar e destruir muitas ameaças, sabe-se também que os iranianos tiveram décadas para se preparar para esse cenário e que são verdadeiros mestres no que, em terminologia militar russa, chama-se maskirovka: uma combinação de camuflagem, ocultamento, disfarce e despistamento.

O Hezbollah libanês foi treinado nessas artes pelos iranianos, e todos sabemos o que aconteceu aos israelenses quando se puseram temerariamente a valsar no sul do Líbano, e rapidamente descobriram que, apesar de todas as suas capacidades de reconhecimento/inteligência, não conseguiram derrotar os mísseis relativamente primitivos (em termos de tecnologia) do Hezbollah.

Fato é que, por mais que EUA sacudam as bandeiras do patriotismo belicista, se os iranianos decidirem bloquear o Estreito de Ormuz, a única opção que restará aos EUA será desembarcar soldados no litoral do Irã e tentar uma operação ofensiva por terra, limitada, mas mesmo assim extremamente arriscada. Nesse ponto, já não fará diferença que esse contra-ataque seja bem-sucedido ou não, porque haverá tanta atividade de guerra nesse estreito engarrafado, que ninguém sequer cogitará de meter seus navios por ali.

Também entendo que Margolis erra, quando escreve que ao Irã “só restarão ao ataques isolados de pequenos grupos contra instalações dos EUA no Oriente Médio, sem valor decisivo”. Uma opção muito real à qual os iranianos poderão recorrer será atacar alvos dos EUA (e o Oriente Médio está cheio desses alvos!) com vários mísseis. E o Irã também pode lançar mísseis contra aliados dos EUA (Israel ou Arábia Saudita) e respectivos interesses (campos sauditas de petróleo).

Exemplo 2: Capacidades iranianas em mísseis

Não recomendo que se confie em tudo que o Center for Strategic and International Studies (CSIS) escreve (são fonte muito comprometida, para dizer o mínimo), mas nessa página, postaram um resumo bastante satisfatório da atual capacidade do Irã, em mísseis:

Na mesma página, o CSIS também oferece lista mais detalhada dos mísseis iranianos atuais e desenvolvidos no Irã:

(Interessados podem verificar essa página da Wikipedia para comparar a informação sobre mísseis iranianos e o que diz o CSIS.)

A grande questão não é se o Irã tem mísseis capazes, mas quantos exatamente podem operar. Ninguém sabe, porque os iranianos mantêm-se deliberadamente muito vagos, e por boas e óbvias razões. Contudo, a julgar pelo exemplo do Hezbollah, pode-se apostar que os iranianos também têm esses mísseis em número suficiente para contar com eles como considerável capacidade para contenção. Eu diria até que essa força de mísseis não apenas tem considerável capacidade para contenção, mas é, também, muito útil força de combate. Podem vocês imaginar o que aconteceria se bases dos EUA (especialmente bases aéreas e instalações navais) na região passarem a ser alvos de ataques periódicos de mísseis iranianos? A julgar pela experiência dos israelenses durante a 1ª Guerra do Golfo ou, na mesma linha, pela recente experiência dos sauditas com os mísseis dos houthis, pode-se ter certeza de que os Patriots dos EUA serão inúteis, como defesa contra os mísseis do Irã.

Ah, sim, claro, assim como os EUA fizeram na 1ª Guerra do Golfo, e os israelenses fizeram em 2006, os anglo-sionistas iniciarão caçada massiva à procura dos depósitos de mísseis do Irã. Mas, a se julgar por todas as recentes guerras, essas caçadas darão em nada, ou, no mínimo, não serão suficiente para manter suspensos por muito tempo os ataques de mísseis. Imagine o que um ataque de míssil, digamos, a cada 2-3 dias, contra uma base dos EUA na região, causaria às operações ou à moral das tropas!

Verdade nua e crua: EUA são vulneráveis em todo o OM

Até aqui apenas listei duas específicas capacidades (submarinos e mísseis), mas o mesmo tipo de análise pode ser feita também para os enxames de barcos rápidos iranianos, para as capacidades para guerra eletrônica ou para ciberguerra. Mas o ativo mais formidável com que o Irã conta é sua população altamente sofisticada e magnificamente educada, e que teve décadas para se preparar para resistir a um ataque do “Grande Satã“, e que claramente desenvolveu um conjunto de opções assimétricas para se autodefender e defender o próprio país contra o ataque (provavelmente inevitável) dos anglo-sionistas.

Provavelmente todos já viram pelo menos um mapa que mostre as instalações militares dos EUA no Oriente Médio (quem não tenha visto, pode ver aqui, aqui e aqui). Verdade seja dita, o fato de o Irã estar cercado por forças e bases militares dos EUA é, sim, ameaça terrível ao Irã. Mas o contrário também se aplica: Todas essas instalações dos EUA são alvos e, em muitos casos, alvos muito vulneráveis. Além do mais, o Irã também pode usar agentes locais/aliados na região para atacar qualquer desses alvos. Recomendo muito que baixem essa factsheet e leiam considerando o potencial de cada instalação listada, para ser tomado como alvo de ataque iraniano.

A resposta-padrão, que seguidamente ouço contra esse argumento é que se os iranianos realmente se atreverem a usar mísseis ou a atacar bases dos EUA na região, a retaliação pelos EUA seria absolutamente terrível. Ok, mas, segundo Eric Margolis, o objetivo inicial e principal de um ataque de EUA-Israel ao Irã seria “destruir totalmente a infraestrutura de comunicações e transporte (inclusive de petróleo) do Irã paralisando essa importante nação de 80 milhões de pessoas e empurrando-a de volta à era pré-revolucionária”.

Agora, por favor, respondam essa pergunta simples: se Margolis está certo – e eu, pessoalmente, acredito que esteja –, em que, nesse caso, aquele efeito seria diferente da retaliação “absolutamente terrível” que os EUA supostamente planejam para o caso de um contra-ataque iraniano? Dito de outro modo – se os iranianos sabem que os anglo-sionistas querem destruir completamente o Irã (digamos, como os israelenses fizeram no Líbano em 2006), que outra escalada seria capaz de impedir que os iranianos contra-atacassem com todos os meios acessíveis a eles?

Para responder essa pergunta, temos de examinar outra vez a real natureza do “problema iraniano”, para os anglo-sionistas.

Reais objetivos dos anglo-sionistas, em ataque ao Irã

Antes de tudo, não há absolutamente qualquer prova ou indício de que o Irã tenha qualquer tipo de programa nuclear militar. O fato de os israelenses terem passado anos aos gritos urbi et orbi não faz da mentira, verdade. Além do mais, até o senso comum sugere fortemente que os iranianos não têm qualquer tipo de razão lógica para desenvolver qualquer tipo de arma nuclear. Não tenho aqui nem espaço nem tempo para repetir tudo que já escrevi, tantas vezes. Limito-me a apenas repetir a conclusão de US National Intelligence Estimate, que afirma que o Irã “pôs fim ao seu programa de armas nucleares”. Acho que basta.

[BARRA LATERAL: Não acredito sequer que os iranianos tenham algum dia tico algum programa de armas nucleares, mas não importa: ainda que tivessem tido, não teriam feito nada de pior que muitos outros países que deram os primeiros passos para desenvolver capacidades nucleares e depois desistiram. O único ponto é que a posição oficial da inteligência dos EUA é que não há hoje nenhum programa nuclear no Irã.]

O problema do Irã é muito simples. O Irã é o único país do mundo que:

  1. É islâmico e lidera a luta contra a ideologia de sauditas/Daech/ISIS/al-Qaeda/etc. de takfirismo e terrorismo que esses promovem;
  2. É assumidamente antissionista e anti-imperialista e combina valores religiosos conservadores com políticas sociais progressistas; e
  3. É bem-sucedido politicamente, economicamente e militarmente, o que implica que os sionistas o definem como ameaça ao monopólio israelense do poder na região.

Qualquer um desses traços, por ele só, já configuraria caso de pensamento criminoso e intenção criminosa, do ponto de vista do Império; e exigiria reação de ódio total, medo e doentia determinação de eliminar governo e população que se atreva a apoiar o país. Não surpreende que, com esses três traços somados e combinados, o Irã seja tão furiosamente odiado pelos Anglo-sionistas.

Toda a gritaria em torno de um suposto programa nucelar iraniano não passa de pretexto para uma campanha de ódio e um possível ataque ao Irã. O real objetivo dos anglo-sionistas, contudo, não é desarmar o Irã, mas, sim, exatamente como diz Margolis: bombardear esse país “desobediente” e “empurrá-lo de volta à era pré-revolucionária”.

Aqui está a chave de tudo: e os iranianos compreendem isso perfeitamente. A conclusão óbvia é a seguinte: se o objetivo de qualquer ataque dos anglo-sionistas sempre será bombardear o Irã e empurrar o país de volta à era pré-revolucionária, nesse caso por que os iranianos deveriam se autoconter e não oferecer a máxima resistência possível?

Por medo de sofrer retaliação nuclear dos EUA?

A opção nuclear dos EUA – nem chega a ser opção

Aqui outra vez é preciso examinar o contexto, em vez de assumir que usar armas nucleares seria alguma espécie de panaceia universal, mágica, que forçaria qualquer inimigo a deixar a luta e render-se incondicionalmente. Nada mais longe da verdade.

Primeiro, as armas nucleares só são efetivas quando usadas contra alvo lucrativo. Apenas assassinar civis, como os EUA fizeram no Japão, absolutamente não ajuda, se seu objetivo é derrotar as forças armadas do adversário. Destruir com bomba atômica os alvos “valiosos” de seu adversário pode apenas aumentar a determinação dele de combater até o último alento. Não tenho dúvidas de que, como na 1ª Guerra do Golfo, os EUA já têm uma lista típica de alvos que desejarão atingir no Irã: algum mix de prédios e instalações chaves da administração, e várias unidades e instalações militares. Mas praticamente tudo isso, em praticamente todos os casos, também pode ser destruído com armas convencionais (não nucleares). Além disso, dado que os iranianos tiveram décadas para se preparar para esse cenário (os EUA jamais deixaram de ameaçar o Irã desde a Revolução de 1979), todos podem ter certeza de que todas as instalações chave para tempos de paz já foram duplicadas para situações de guerra. Implica dizer que enquanto muitos alvos de alta visibilidades estiverem sendo destruídos, seus contrapartes para tempos de guerra já estarão assumindo as mesmas funções.

Há quem diga que bombas atômicas podem ser usadas para destruir alvos enterrados em profundidade, o que é parcialmente verdade, mas há alvos enterrados fundo demais para que possam ser alcançados (mesmo por arma atômica) e outros são duplicados e reduplicados (quer dizer: para um quartel-general para tempos de paz, haverá quatro, cindo ou até seis escondidos e enterrados muito fundo). Atacar todos eles exigirá usar cada vez mais bombas atômicas, o que obriga a considerar o alto custo político de uma campanha de vários ataques nucleares.

Em termos políticos, no dia em que os EUA usarem uma bomba atômica contra inimigo terão cometido suicídio político, do qual o Hegemon e sua hegemonia jamais se recuperarão. Embora uma maioria de cidadãos norte-americanos entenda que “o forte faz o direito”, e “foda-se a ONU”, para o resto do mundo o primeiro uso de armas nucleares (contra-ataque de retaliação) é abominação impensável e crime – especialmente sendo ato ilegal de agressão (e em nenhum caso o Conselho de Segurança da ONU autorizará ataque dos EUA ao Irã). Ainda que a Casa Branca declare que “teve de usar bombas atômicas para proteger o mundo” contra o “Aiatolá nuclear”, a vasta maioria do planeta reagirá com absoluta indignação (especialmente depois do golpe & mentira das “armas de destruição em massa” que nunca existiram no Iraque).

Além disso, qualquer ataque nuclear dos EUA converterá instantaneamente os iranianos, de vilões, em vítimas. Por que os EUA optariam por pagar esse preço político exorbitante, só para usar bombas atômicas contra alvos cuja destruição – especialmente por ação de armas atômicas – não trará qualquer vantagem substancial para os EUA? Em circunstâncias normais, eu pensaria que esse tipo de uso não provocado de armas nucleares seria impensável e ilógico. Mas no atual contexto político dos EUA, há uma possibilidade que realmente me mete medo.

Trump, “presidente descartável” para os neoconservadores?

Os neoconservadores odeiam Trump, mas mandam nele. O melhor exemplo desse tipo de ‘propriedade absoluta’ é a decisão dos EUA de transferir a embaixada para Jerusalém – ato de estupidez inacreditável, mas que o lobby de Israel ordenou.

O mesmo vale para a retirada unilateral dos EUA do Acordo do Irã [Joint Comprehensive Plan of Action] ou, também, a sequência de ameaças contra o Irã. Parece que os neoconservadores têm uma estratégia básica: “odiamos Trump e tudo que ele representa, mas temos controle completo sobre ele; vamos usá-lo para cometer todas as insanidades que nenhum presidente dos EUA que não fosse doido jamais cometeria, e depois lançaremos os efeitos das decisões mais alucinadas também sobre Trump, como se tudo fosse culpa exclusiva dele; assim obtemos tudo que queremos, e também destruímos Trump, no mesmo processo. Assim poderemos substituí-lo e, quando a hora certa chegar, pôr no trono um dos “nossos rapazes”.

Mais uma vez, o real objetivo de um ataque ao Irã seria empurrar o Irã de volta à era pré-revolucionária, e punir o povo iraniano por ter apoiado o regime “errado”, atrevendo-se assim a desafiar o Império Anglo-sionista. Os neoconservadores podem usar Trump como “presidente descartável”, a ser culpado pelo caos e desastre político, completando assim um dos mais importantes objetivos políticos de Israel: destruir o Irã. Para os neoconservadores, é situação de ganha-ganha: se as coisas derem certo (por mais improvável que seja), podem ficar com todo o crédito e continuar a controlar Trump como um marionete; e se as coisas não derem certo, o Irã estará destruído, Trump será culpado por uma guerra alucinada, estúpida, e a gangue dos Clintons estará posicionada para voltar ao poder.

O principal e maior derrotado nesse cenário seria, claro, o povo do Irã. Mas nem os militares dos EUA passariam incólumes. Por um lado, esse plano para “destruir o Irã” não tem estratégia viável de retirada, e especialmente não tem projeto de saída no curto prazo, quando os militares dos EUA não têm estômago para conflitos demorados (já bastam o Afeganistão e o Iraque). E tão logo os EUA tenham destruído quase tudo que possa ser destruído, a iniciativa passará para o lado do Irã, e o tempo passará a correr a favor dos iranianos.

Em 2006, os israelenses tiveram de se dobrar depois de apenas 33 dias. De quanto tempo os EUA precisarão, antes de ter de declarar vitória e partir? E se a guerra se disseminar, digamos, para Arábia Saudita, Iraque e Síria? Como os EUA conseguirão escapar? E quanto aos israelenses – que opção lhes restará, quando os mísseis começarem a chover por lá (não só os mísseis iranianos mas também, provavelmente, os mísseis do Hezbollah disparados do Líbano!)?

O ex-diretor do Mossad, Meir Dagan estava perfeitamente correto quando disse que ataque militar contra o Irã “é a coisa mais estúpida de que jamais ouvi falar”. Infortunadamente, os neoconservadores não primam pela inteligência, e o que mais produzem são coisas estúpidas. Só nos resta esperar que alguém, nos EUA, encontre meio para detê-los e evitar mais uma guerra imoral, sangrenta, inútil e potencialmente muito perigosa.

[Assina] The Saker

Traduzido por Vila Vudu

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