‘Nova revolução iraniana’ é (mais uma!) ficção da mídia ocidental. Pesquisas mostram realidade bem diferente

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27/11/2019, Sharmine Narwani,* RT

Dados de duas pesquisas feitas por empresas estrangeiras narram história muito diferente dos protestos no Irã. A economia enfrenta problemas graves, mas a maioria dos iranianos aprovam as iniciativas de segurança do próprio governo e rejeitam qualquer tipo de ‘levante’ doméstico.
Dia 15 de novembro, iranianos irados começaram a sair às ruas para protestar contra notícias de última hora de aumento de 50% no preço dos combustíveis. Um dia depois, as manifestações pacíficas já se haviam dissipado quase completamente, substituídas por grupos muito reduzidos de agitadores que queimaram bancos, postos de gasolina, ônibus e outras propriedades públicas e privadas. Quase imediatamente as forças de segurança ocuparam as ruas para sufocar a violência e prender os agitadores, em ação durante a qual morreu número ainda não confirmado de pessoas, dos dois lados em confronto.

Comentaristas ocidentais em vão tentaram extrair, dos tais protestos de vida claramente muito breve, algum sumo que lhes aproveitasse. “Protestos dos iranianos atingem o coração da legitimidade do regime” – declarou Suzanne Maloney da Brookings Institution. France 24 perguntou com todas as letras: “uma nova revolução iraniana?” E o LA Times atacou aquele “brutal ataque” pelo Irã, contra o próprio povo.

Procuraram também por algum ângulo geopolítico: protestos nos vizinhos Líbano e Iraque, baseados quase inteiramente em descontentamento popular doméstico contra governos negligentes e corrupção, começaram a ser apresentados como uma insurreição regional contra a influência iraniana.

E, apesar do fato de a Internet ter permanecido bloqueada no Irã por quase uma semana, vídeos e noticiário, de fontes jamais verificadas, conseguiram aparecer em contas de críticos do Irã, no Twitter, com vozes que exigiam a morte do Supremo Líder, e ‘exigindo’ que o Irã não interferisse em assuntos dos países vizinhos; além do fim “do regime”.

Claramente os protestos iniciais foram genuínos – fato que até o governo iraniano admitiu imediatamente. A redução dos subsídios dados à gasolina mais barata da região já há anos é item da agenda política iraniana – e medida que se tornou ainda mais urgente depois que os EUA, ano passado, saíram do acordo nuclear e puseram-se a apertar cada vez mais as sanções contra o Irã.

Para tentar compreender as reações iranianas nos últimos doze dias, consideremos os resultados de duas pesquisas de opinião realizadas em projeto conjunto, pelo Centro para Estudos Internacionais e de Segurança da Universidade de Maryland [ing. International and Security Studies at Maryland (CISSM)] em associação com Iran Polls, com sede em Toronto, imediatamente depois dos protestos/tumultos de 2017/2018 – e em maio, agosto e outubro 2019, quando a campanha norte-americana “de pressão máxima” estava a pleno vapor.

O que imediatamente salta aos olhos, na primeira pesquisa feita em 2018, como ímpeto principal dos protestos de novembro é que os iranianos estavam frustrados ante a economia estagnada – e que 86% deles opunham-se especificamente a qualquer aumento no preço da gasolina.

Ironicamente, naquele mês o aumento no preço da gasolina visava a gerar aumento de $2,25 bilhões na arrecadação, para a distribuição prevista de subsídios de 18 milhões das famílias iranianas mais duramente atingidas pelas dificuldades. Fato é que o governo estava ‘compensando’ a redução nos subsídios, com ajuda extra aos cidadãos mais necessitados.

A pesquisa de 2018 também lista as principais queixas dos respondentes: desemprego (40%); inflação alta e carestia (13%); salários baixos (7%); corrupção e fraudes nas finanças (6%); injustiça (1,4%); ausência de liberdades civis (0,3%), dentre outras.

Esses números sugerem que os protestos de 2018 aconteceram sobretudo em resposta a condições econômicas domésticas, não por causa de iniciativas da política exterior do Irã ou por alguma “repressão indiscriminada” pesadamente promovida pela mídia e por políticos ocidentais naquele momento.

A mesma Suzanne Maloney citada acima sobre os protestos desse mês, insistiu, em artigo de 2018 no Washington Post: “As pessoas não se manifestam apenas para exigir melhores condições de trabalho ou melhores salário, mas porque insistem em rejeitar, completamente, todo o próprio sistema.”

Na verdade, na pesquisa de 2018, só 16% dos iranianos responderam “sim” à pergunta “É necessária mudança fundamental no sistema político do Irã?”; maioria folgada, de 77% dos pesquisados, responderam “não”.

Como os protestos desse mês no Irã, também as manifestações de 2017-18 transformaram-se em tumultos menores, mas violentos, e as forças de segurança do Irã foram às ruas para restabelecer a ordem. Mas logo na manhã seguinte, depois daqueles eventos – e não obstantes as incontáveis manchetes que se repetiam pelo mundo sobre a “brutalidade” das forças de segurança iranianas –, a vasta maioria dos iranianos aprovaram o modo como o seu governo tratou os agitadores.

63% dos pesquisados em 2018 disseram que a Polícia usou força “adequada”, e 11% responderam que a Polícia deveria ter empregado “mais força”. No total, 85% dos iranianos entendem que “o governo deve ser mais rigoroso para conter agitadores que cometem atos de violência ou danificam propriedade alheia.”

Essa reação dos iranianos deve ser compreendida no contexto da região, com o Irã tendo de conviver numa vizinhança muito insegura, com o terrorismo generalizado, quase sempre apoiado por estados hostis e uma escalada incansável contra os interesses iranianos, desde que Donald Trump assumiu a presidência dos EUA. Sua campanha de “pressão máxima” só piorou as coisas, e os iranianos consideram-se em estado de guerra com os EUA – sempre em guarda contra ações de subversão, sabotagem, espionagem, propaganda, entradas ilegais pelas fronteiras, etc.

Nos primeiros anos dessa década, militares dos EUA declararam a Internet “domínio operacional” de guerra, e a ciberguerra  já é amplamente definida como a futura frente de batalha em todos os conflitos. O Irã foi uma das primeiras vítimas dessa nova modalidade de guerra, quando o vírus Stuxnet, que se suspeita que tenha sido criado por EUA/Israel, interrompeu o programa nuclear iraniano.

Militares norte-americanos montaram salas de guerra para especialistas dedicados a manipular as mídias sociais e promover interesses de propaganda dos EUA. O exército britânico criou uma divisão de “guerra por mídias sociais”, cujo foco inicial é o Oriente Médio. Israel opera desde sempre no jogo da propaganda online, e os sauditas têm investido pesadamente em programas e serviços para influenciar os discursos nas mídias sociais.

Não nos deve surpreender portanto que o governo do Irã tenha bloqueado a Internet durante a atual crise. É de esperar que isso se converta em novo normal nos países que combatam contra os EUA, nos casos em que haja ameaça de caos social e suspeitas de que o país esteja sob risco de operações de informação, por serviços estrangeiros.

A mídia ocidental tem insistido sempre em ‘denúncias’ de corrupção, de repressão violenta contra o próprio povo, numa suposta rejeição popular contra a República Islâmica e nas alianças que haja na região, praticamente sem qualquer variação, desde os protestos de 2009, depois de eleições no Irã cujos resultados foram contestados. As agitações de rua voltaram a aparecer brevemente no início de 2011, quando estados ocidentais ansiavam por uma “Primavera Iraniana” que se somasse à Primavera Árabe e ganhasse espaço nas narrativas populares também nos protestos 2017-18, quando plataformas de mídias sociais abraçaram rapidamente essa ‘analogia’.

Em novembro de 2019, as mesmas narrativas voltaram a circular. É hora portanto de examinar o que pensavam os iranianos, em outubro passado, sobre essas questões, quando CISSM/IranPolls publicaram sua mais recente pesquisa, extremamente oportuna.

Atividades militares regionais do Irã

61% dos iranianos apoiam que o país mantenha pessoal militar na Síria, para conter militantes extremistas que possam ameaçar a segurança e os interesses do Irã. Pesquisas realizadas desde março de 2016 confirmam que essa posição mantém-se inalterada no Irã, com 2/3 (66%) das pessoas pesquisadas apoiando mesmo um aumento no papel do Irã na segurança regional.

Perguntados sobre o que aconteceria se o Irã cedesse às demandas dos EUA e extinguisse a ação do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica [ing. Islamic Revolutionary Guard Corps (IRGC)], sob sanções dos EUA, na Síria e no Iraque, 60% dos iranianos responderam que ceder, nesse caso, só levaria Washington a aumentar as exigências; e apenas 11% responderam que ceder, nesse caso, levaria os EUA a fazer concessões.

Sobretudo, o relatório de pesquisa de outubro de 2019 registra que o nível de atitudes negativas contra os EUA jamais foi tão alto, nos 13 anos em que CISSM/IranPoll fazem pesquisas de opinião pública no Irã. Impressionantes 86% dos iranianos são contra os EUA; e o número dos que declararam que sua opinião sobre os EUA é “muito desfavorável” subiu muito, de 52% em 2015, para 73% hoje.

A maioria dos iranianos absolutamente não dá qualquer importância ao fato de Washington haver imposto sanções contra o IRGC e o comandante de sua força de elite, a Força Quds, general Qassem Soleimani – a figura nacional mais respeitada de todas as que aparecem nas pesquisas; oito de cada 10 iranianos declaram ter, sobre ele, opinião “muito favorável”. Nada menos que 81% dos iranianos disseram que as ações do IRGC no Oriente Médio tornaram o Irã “mais seguro”.

Quanto ao papel do IRGC na economia doméstica do Irã – tema sempre favorito dos inimigos ocidentais, que apresentam o grupo militar como instrumento corrupto e maligno do Estado –, 63% dos iranianos creem hoje que o IRGC deve envolver-se também “em projetos de construção e em outros assuntos econômicos”, além de continuar a cumprir suas missões de segurança nacional. Em tempos de crise, as forças do IRGC são vistas como instituição vitalmente imprescindível para o futuro do Irã: o IRGC e os militares iranianos são as instituições mais bem avaliadas entre o público iraniano em geral (89% e 90% respectivamente), também pela ajuda que deram à população durante as inundações dramáticas da primavera passada, que forçaram meio milhão de iranianos a abandonar a própria casa.

Economia e corrupção

70% dos iranianos consideram “má” a situação atual da economia nacional, número que se mantém surpreendente inalterado nos últimos 18 meses, apesar das sanções que EUA impuseram ano passado, contra o país. A maioria culpa a má administração doméstica e a corrupção, por todas as dificuldades econômicas que o país enfrenta; mas número crescente de iranianos já culpa também as sanções norte-americanas. Esse provavelmente é o motivo pelo qual 70% dos iranianos dizem preferir a autossuficiência nacional, como meta, ao aumento do comércio exterior.

Perguntados sobre o “impacto (das sanções) sobre a vida das pessoas do povo”, 83% dos iranianos responderam que houve impacto negativo sobre a vida diária. Estranhamente, desde que os EUA separaram-se do chamado “Acordo Nuclear para o Irã” [ing. Joint Comprehensive Plan of Action, JCPOA; lit. “Plano de Ação Conjunto Global”], o pessimismo quanto aos problemas econômicos caiu, de 64% em 2018, para 54% mês passado, como mostram as pesquisas, porque, dizem os analistas, os iranianos sentem que agora os EUA já não podem realmente pressionar muito mais o Irã, com sanções. Hoje, 55% dos iranianos culpam a má administração da economia doméstica e a corrupção, pelas dificuldades pelas quais passa o país; e apenas 38% ainda culpam a pressão e as sanções vindas de fora.

A culpa por grande parte da má gestão e da corrupção é atribuída à equipe do presidente Hassan Rouhani, cuja aprovação caiu pela primeira vez a menos de 50%, e em agosto último chegou a 42%. 54% dos iranianos entendem que o governo de Rouhani não se esforça suficientemente no combate à corrupção.

Em contraste, 73% acreditam que o Judiciário iraniano está hoje muito mais empenhado no combate à corrupção econômica (12% a mais, em relação aos números de maio).

No front econômico, parece que os iranianos sentiram-se desapontados pelas promessas e ideias desse governo, o que pode vir a contribuir para a eleição dos opositores “principistas” nas próximas eleições parlamentares. O aumento do preço dos combustíveis há duas semanas foi mal necessário e movimento de considerável coragem política de Rouhani, apesar dos erros na administração da própria equipe. Infelizmente, os iranianos que durante anos protestaram contra o fim dos subsídios aos combustíveis, dificilmente perdoarão Rouhani, pelo menos no futuro próximo.

No front político, os iranianos parecem estar em muito maior harmonia com a política exterior e as iniciativas militares do próprio governo, e veem com olhos muito favoráveis as atividades do IRGC – no plano doméstico e no plano regional; e apoiam o envolvimento do Irã nos vizinhos Iraque e Síria, seja por razões de segurança contra o terrorismo, seja porque creem num papel ativo do Irã, na região. Em termos de apoio direto aos líderes, ampla maioria tem visão favorável a Soleimani, do IRGC (82%); seguido pelo ministro de Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif (67%) e ao chefe do Judiciário, Ebrahim Raisi (64%), nomes que cobrem espectro surpreendentemente amplo de visões políticas no país.

À luz desses números, é razoável dizer que não há à vista qualquer “segunda revolução” no Irã, nem qualquer tipo de ruptura significativa entre população e governo, numa lista abrangente de questões crucialmente importantes, políticas, econômicas e de segurança.

‘Analistas’ estrangeiros podem inventar quantos ‘movimentos’ queiram, no Irã. Pesquisas mostram que, até aqui, consistentemente, os iranianos continuam a rejeitar qualquer tipo de ‘levante’ e a optar firmemente pela segurança e pela estabilidade social.*******

* Sharmine Narwani é colunista e analista de temas da geopolítica do Oriente Médio. Foi professora associada sênior no St. Antony’s College, Oxford University, e é pós-graduada em Relações Internacionais pela Columbia University. Sharmine publica em vários veículos, dentre os quais Al Akhbar English, New York Times, Guardian, Asia Times Online, Salon.com, USA Today, Huffington Post, Al Jazeera English, BRICS Post. Está no Twitter, em @snarwani .

 

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