Mursistas,impasse para inviabilizar as eleições 4

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Por Nathaniel Braia. 

O Nasserista Hamdeen Sabahi alerta para o jogo dos adeptos de Mursi – através da violência – para inviabilizar estabilização e democracia no Egito. O líder nasserista, Hamdeen Sabahi, do partido Corrente Popular Egípcia, qualificou a Irmandade Muçulmana (IM) (apoiadora do ex-presidente Mohamed Morsi) como responsável pela tragédia desta quarta-feira, quando a refrega entre a polícia e o exército egípcio, de um lado e os mursistas, de outro, acabou com a morte de 525 pessoas (dos quais cerca de 60 são militares e policiais) além de 3717 feridos.

Sabahi alertou que “a Irmandade escolheu o cenário do impasse” e acrescentou que seu partido rejeita a “tentativa da Irmandade de ampliar o círculo da violência no Cairo e nos demais Estados, ao alvejar igrejas e delegacias policiais”. O intento dos adeptos de Mursi é impedir a estabilização e o retorno à normalidade democrática com o fim do governo interino e a convocação de eleições imediatas como defendeu Sabahi, logo após o afastamento de Mursi. Nas condições atuais, no entanto, a Corrente Popular conclamou “o povo egípcio a apoiar a polícia e o exército em seu confronto ao terrorismo e ao fazer cumprir a vontade popular”. Sabahi também denuncia que os Estados Unidos tem praticado ingerência em apoio a governos ditatoriais e, assim como apoiaram Mubarak, seguem apoiando Mursi, muito depois deste haver se tornado “indesejável aos egípcios”. “O povo egípcio aponta que os EUA têm a responsabilidade pelas consequências de um apoio a um regime rejeitado pelo povo o qual lhe tirou a legitimidade”, afirmou o líder nasserista.

A trágica refrega de quarta-feira teve início com a execução, por parte das forças de segurança, da ordem do presidente do governo interino, Adly Mansour, de desalojar os manifestantes acampados há seis semanas em duas das principais praças do Cairo: Rabaa al-Adaweya e al-Nahda exigindo o retorno de Mursi – deposto por tentar impor uma ditadura autocrática religiosa com poderes excessivos à presidência e o Congresso fechado. Segundo relatos dos jornais egípcios Al Ahram e Al Masry Al Youm, a polícia usou gás lacrimogêneo em profusão, atirou com balas de borracha e avançou com carros blindados. Os militares avançaram a pé e com tanques e blindados. Atiradores de elite das forças de segurança foram postados em prédios vizinhos (neste último caso, o Ministério do Interior, negou que tais atiradores fossem das forças de segurança e acusou a IM de tê-los postado ali para instigar a refrega mortal).

Houve trocas de tiros com munição letal com os militares e policiais atirando assim como franco-atiradores do meio da multidão. Não há informação clara de quem começou com os tiros. A TV estatal exibiu imagens de atiradores de dentro da praça e de um carro de polícia sendo atirado de um viaduto (só neste caso morreram todos os policiais, que eram em cinco). ) jornalista Mahmoud Shaaban, filiado à IM e que estava na praça Rabaa, constatou que houve tiros de dentro do acampamento dos manifestantes pró-Mursi com “armas automáticas”.

A violência se espalhou pelas principais cidades do Egito com a mesma rapidez da passagem das notícias. O governo decretou Estado de Emergência de 30 dias e um toque de recolher das 21:00 h às 6:00 h da manhã. Igrejas, delegacias, prédios governamentais, hospitais e escolas foram atacados e, em muitos casos, incendiados. Só contra igrejas, foram 45 ataques em um dia deixando evidente que todo esse caos não poderia ocorrer caso não tivesse sido premeditado, orquestrado e com orientação centralizada. A polícia afirma que interceptou ligações telefônicas onde os ataques a estações policiais eram tratados. As igrejas atacadas são a Basílica de Fátima (Cairo); Igreja do Padre Máximo (Alexandria), Igreja de São Jorge (El Arish). Em Assiut foram 8 igrejas; Beni Suef, 2; Fayoum, 6 e mais 15 igrejas somadas em Gharbiya, Giza, Minya, Qena, Sohag e Suez. Em Minya, os incidentes tiraram a vida de 55 manifestantes e 11 policiais, um residente, Ahmed Wadea, declarou que todos na cidade conhecem os perpetradores “eles eram da Irmandade Muçulmana, ajudados por vândalos”.Os informes dão conta de que pelo menos 21 delegacias foram invadidas.

Torturas nos acampamentos de ‘protesto’

Nas últimas semanas começaram a se avolumar denúncias de que os acampamentos dos mursistas, assim como mesquitas de apoiadores estavam abrigando centros de tortura de apoiadores do governo interino. A Anistia Internacional divulgou um informe no dia 2 de agosto que os manifestantes anti-Mursi eram “capturados, espancados, esfaqueados e sujeitos a choques elétricos nos acampamentos”. Em vários pontos do pais, já antes de quarta, várias delegacias foram atacadas e o saldo, desde a queda de Mursi, já estava em 30 policiais mortos (isso antes das mais de 60 mortes de membros das forças de segurança no dia do desmante-lamento dos acampamentos e demais incidentes país afora).

Durante as seis semanas que se sucederam ao afastamento de Mursi, a IM recusou o diálogo tentado pelo governo interino de diversas formas, tanto com forças nacionais, políticas e religiosas, quanto externas. O maior líder religioso egípcio, Imã da Mesquita, Al Azhar, Ahmed Al Tayeb, que esteve entre os que procuraram o entendimento com base na proposta de um ministério aos da IM, eleições em 90 dias e conclusão da reformulação constitucional e a unidade do povo egípcio “no espírito do Ramadan”, foi por eles acusado de “apoio ao golpe militar”. O bloco dos adeptos de Mursi respondeu que “a calma e a distensão devem ser precedidos da recondução do ex-presidente ao poder”.

As correntes políticas que lutaram pelo fim das duas ditaduras; de Mubarak e de Mursi, condenaram com veemência a atitude do vice-presidente, Mohamed El Baradei, indicado pela Frente de Salvação Nacional (FSN – que inclui as forças nasseristas) para ocupar o cargo de vice no governo interino. Baradei renunciou ainda durante a quarta-feira declarando: “Não posso assumir a responsabilidade por decisões com as quais não concordo e cujas repercussões temo. Não posso me responsabilizar pelo derramamento de uma gota de sangue.”

O Movimento Tamarrod (Rebelde) – que puxou o abaixo assinado de milhões após o qual, junto com milhões nas ruas de todo o país, o exército afastou o ditador Mursi – acusou Baradei de renunciar “em um momento histórico”. O porta-voz Mahmoud Badr declarou: “infelizmente o Sr. escolheu embelezar sua imagem diante de seus amigos no mundo à custa de sua reputação nacional e diante do povo egípcio e de seu papel”.

A Frente de Salvação Nacional (união de forças políticas que apoiaram a derrubada das duas ditaduras) e que Baradei coordenava até o momento em que assumiu a vice-presidência, também declarou seu repúdio: “Pensamos, com base em nossa forte relação, que o Sr. poderia nos consultar antes desta decisão”. Até mesmo uma das lideranças de sua organização, o Partido Constitucional, Ahmed Darrag, pediu o afastamento do partido. Para Darrag, “Baradei abandonou seu país em um momento em que o Egito mais necessitava dele para que a presente situação fosse relatada internacionalmente”. Por fim, o diretor do partido de Baradei em Suez, Sherif Gamal, declarou-se conta o seu “abandono na atual situação depois que a Irmandade queimou igrejas, lojas, carros, instituições governamentais e privadas por todo o país”. Nos dias que se seguiram a quarta, incluindo a “Sexta-feira de ira”, a TV egípcia exibiu diversos vídeos filmados por populares com indivíduos atirando do interior das manifestações.

A Aliança Popular Socialista lançou um manifesto pedindo a dissolução da Irmandade Muçulmana e confisco de seus bens por se tratar de “um grupo terrorista”. A organização acrescentou que é dever do Estado “implementar a vontade popular de que se coloque um fim ao terrorismo”. A Igreja Ortodoxa Copta do Egito declarou que “se posiciona de forma firme ao lado da polícia e forças armadas contra os grupos militantes violentos que atacam o Estado, suas instituições, igrejas e aterrorizam cidadãos coptas e muçulmanos na tentativa de arrastar o Egito a luta setária”. Acrescenta que “tal comportamento é contrário a todas as religiões e valores humanos”.

A igreja insistiu que rejeita a intervenção estrangeira e conclama a mídia internacional a “informa de forma justa os fatos ao invés de dar cobertura aos grupos terroristas”. Enquanto os EUA declararam que vão rever “em todas as formas suas relações com o Egito”, o Movimento Tamarrod lançou nova campanha contra a “clara e excessiva intervenção dos EUA nos assuntos internos do Egito” e, neste sentido para que o Estado egípcio recuse a “ajuda” dos EUA e pelo fim dos tratados de Camp David com Israel.

NATHANIEL BRAIA é editor internacional do Hora do Povo.

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4 thoughts on “Mursistas,impasse para inviabilizar as eleições

  1. Responder Liliana Farah ago 19,2013 18:39

    Artigo muito bom e realista. Parabéns! Como sempre, Braia demosntra-se lúcido e coerente ao fazer sua leitura dos fatos. A cobertura brasileira, “só para variar”, está olhando com olhos errados, olhos de quem não conhece o povo egipcio e muito menos a realidade interna que se apresenta.

  2. Responder Luciana Garcia ago 19,2013 18:41

    Eu gostei demais desse artigo, parabéns Braia! Principalmente as suas fontes, é sempre muito importante citar os veículos egípcios. Sinto que a imprensa brasileira esta fazendo uma cobertura, que difere diretamente das opiniões dos egípcios. Triste.

  3. Responder Natália Forcat ago 19,2013 18:45

    Recebi este video de amigos no Egito. É um video forte, cuidado! Segundo meu amigo egipcio relata, se trata de policiais egipcios torturados e assassinados por membros da Irmandade Muçulmana, partido político do qual o presidente deposto fazia parte. Desde o começo dos confrontos mais de 60 membros das forças de segurança foram assassinados, muitos deles com truculência.

    http://www.youtube.com/watch?v=nrTcnDbQeE0&bpctr=1376853001

  4. Responder Lejeune Mirhan ago 20,2013 18:36

    Grande camarada Braia. Tu és um grande jornalista. Parabéns. Abraços

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