MK Bhadrakumar: Aliança sino-russa chega à maioridade (2/3) 

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17/9/2020, MK Bhadrakumar, Indian Punchline

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Cerimônia de assinatura do Tratado sobre o Acordo Final Relativo à Alemanha: Ministros das Relações Exteriores dos EUA, Reino Unido, URSS, França, RDA, RFA (da esquerda para a direita). Moscou, 12/9/1990

“Procuro a terra dos poloneses que está perdida para os alemães, pelo menos por hora. Hoje em dia, os alemães começaram a buscar a Polônia, com créditos, câmeras e bússolas Leica, com radar, varinhas de condão, delegações e associações provinciais de estudantes metidos em fantasias roídas por traças. Alguns carregam Chopin no coração, outros, pensamentos de vingança. Condenando as primeiras quatro partições da Polônia, estão ativamente planejando uma quinta; mas voaram para Varsóvia via Air France, para depositar, com o devido remorso, uma coroa de flores no local que outrora foi o gueto. Um dia desses sairão à caça da Polônia com foguetes. Eu, enquanto isso, evoco a Polônia no meu tambor. Eis o que toco: Polônia está perdida, mas não para sempre, tudo está perdido, mas não para sempre, Polônia não está perdida para sempre” (O tambor, Günter Grass (1959). Trad. Lúcio Alves. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982).

A diplomacia russa, que tem tradição gloriosa na história moderna, não age acidentalmente ou por impulso. A consciência histórica é intensa. Memórias do passado e do presente estão profundamente enraizadas, irremediavelmente emaranhadas na consciência coletiva.

Permanece pouco notado o fato de que a Declaração Russo-chinesa de 11 de setembro foi divulgada na véspera do 30º aniversário do Tratado sobre a Regulamentação Definitiva para a Alemanha (ing. aqui).

O chamado “Tratado 2+4”, assinado em Moscou em 12 de setembro de 1990 entre a então República Federal da Alemanha e a República Democrática Alemã –, com os antigos aliados da 2ª Guerra Mundial, URSS, EUA, Grã-Bretanha e França como cossignatários – havia formalizado a unificação da Alemanha, que fora nação dividida nas quatro décadas e meia anteriores.

Sem dúvida, a declaração conjunta emitida em Moscou em 11 de setembro de 2020 anuncia nova fase na política externa russa na era pós-guerra fria, especialmente no que diz respeito às relações russo-germânicas; às relações da Rússia com a Europa; e à ordem mundial em geral.

O que chama a atenção aqui é que Moscou decidiu embarcar nessa nova jornada, de mãos dadas com a China. Esse fato tem extraordinária importância para a política europeia, eurasiana e para toda a política internacional.

Dois dias depois de a Declaração Conjunta ter sido emitida, em 13 de setembro, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, apareceu no prestigioso programa Moscou. Kremlin. Putin., do canal de TV estatal Rossiya-1, onde foi questionado sobre o espectro das sanções ocidentais mais uma vez assombrando a Rússia, pelos cantos e entrelinhas do “caso Navalny” e do projeto do gasoduto “Ramo Norte” (ing. Nord Stream 2) em particular, com a Alemanha no papel de protagonista do show.

Lavrov resumiu o profundo desencanto da Rússia com seus parceiros europeus, nas seguintes palavras:

“Em princípio, a resposta geopolítica ao longo desses anos consistiu em reconhecer que nossos parceiros ocidentais não eram confiáveis, incluindo, infelizmente, membros da União Europeia. Tínhamos muitos planos de longo alcance e há documentos que indicam o caminho para o desenvolvimento das relações com a UE no setor da energia e da alta tecnologia e para reforçar a cooperação econômica em geral.

Compartilhamos um mesmo espaço geopolítico. Considerando nossa geografia, logística e infraestrutura compartilhadas em todo o continente euroasiático, nos beneficiamos de substancial vantagem comparativa.

Certamente seria grave erro para nós e para a União Europeia, bem como para outros países nesse espaço, incluindo a Organização de Cooperação de Xangai, a União Econômica Eurasiana e a Associação das Nações do Sudeste da Ásia [ing. SCO, EAEU e ASEAN] que também está próxima, não usarmos os nossas vantagens comparativas geopolíticas e geoeconômicas, em mundo cada vez mais competitivo.

Infelizmente, a União Europeia sacrificou seus interesses geoeconômicos e estratégicos em prol de seu desejo momentâneo de se igualar aos EUA no que designam como “punir a Rússia”.

Nós (Rússia) nos acostumamos com isso. Agora entendemos que precisamos de uma rede de segurança em todos os nossos planos futuros relacionados com o relançamento da parceria plena com a União Europeia.

Significa que temos de proceder de forma a que, se a UE se mantiver nas suas posições negativas e destrutivas, não dependamos de seus caprichos e possamos cuidar de nosso desenvolvimento por conta própria, enquanto trabalhamos com quem esteja pronto para cooperar conosco de maneira igual e mutuamente respeitosa.”

Só será possível avaliar a extensão da amargura na mente russa neste momento, se recapitularmos a história decorrente da unificação da Alemanha em 1990, as esperanças que o acontecimento importante havia levantado em relação às relações russo-alemãs (que tem história conturbada, para dizer o mínimo); e o que posteriormente aconteceu, nas três décadas seguintes.

É história complicada de amnésia e pura trapaça política, pelo lado do Ocidente.

Graças aos materiais de arquivo que tiveram o sigilo levantado e hoje são disponíveis –especialmente o indispensável diário de Anatoly Chernyaev político soviético e assessor de Mikhail Gorbachev, relativo ao ano de 1990 –, é possível reconstruir as relações tortuosas entre Rússia e o Ocidente, na era pós-guerra fria.

Misturar memória e desejo

Para refrescar a memória, primeiras sementes da unificação alemã estão na perestroika de Gorbachev, tendo por pano de fundo o fenômeno da globalização na vida internacional surgido no horizonte nos anos 1980.

O programa de reformas de Gorbachev gerou ondas de choque na Europa Oriental, onde já reinava profundo descontentamento, e um movimento de convulsão política começou a varrer aquela região, quase da noite para o dia. Até espatifar-se contra as muralhas de granito da Alemanha Oriental, que permaneceram obstinadamente imunes a mudanças.

(A certa altura, o governo comunista da Alemanha Oriental passou a bloquear a disseminação, naquele país, de materiais da mídia estatal soviética relacionados a perestroika e glasnost; e desencaminhou a opinião pública.)

No entanto, no solo congelado da situação aparentemente permanente de uma Alemanha dividida, brotou um raio de esperança, afinal, de que a unificação da Alemanha talvez não fosse necessariamente uma quimera, desde que Gorbachev permanecesse no poder em Moscou e seu programa de reformas continuasse.

Sem dúvida, o Ocidente celebrou Gorbachev, ao avaliar, corretamente, que era homem sensível à lisonja (há várias referências a essas ‘celebrações’ espalhadas no diário de Chernyaev).

Tendemos a esquecer que, quando os aliados da Alemanha Ocidental próximos da OTAN (Grã-Bretanha e França) começaram a sentir as novas reverberações da “Questão Alemã”, advertiram Gorbachev de que, pela avaliação deles, estava andando rápido demais. Disseram que a Europa simplesmente ainda não estava pronta para uma nação alemã unificada.

A então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher voou até Moscou para um tête-à-tête com Gorbachev. O mesmo fez o então presidente francês François Mitterand. Thatcher, aliás, foi a primeiro autoridade ocidental a apontar Gorbachev como estrela em ascensão na política soviética no início dos anos 1980, com quem o Ocidente podia “fazer negócios”.

Mas, ironicamente, quando se tratou da questão alemã, Gorbachev não deu atenção aos cuidados anglo-franceses. A questão é que a União Soviética – como de fato também o atual estado sucessor, a Federação Russa – já exorcizara de sua psique qualquer mentalidade de vingança ou medos atávicos da Alemanha, por conta dos crimes horríveis que alemães perpetraram contra o povo russo. (Estima-se que 25 milhões de cidadãos soviéticos morreram na 2ª Guerra Mundial após a invasão nazista.)

Bem diferente disso, Grã-Bretanha e França ainda acreditavam que uma Alemanha forte não era coisa que interessasse, nem aos dois países nem à Europa como um todo.

Grã-Bretanha e França temiam que fosse só questão de tempo, até que uma Alemanha unificada reassumisse seu papel de líder na Europa e dominasse a política do continente, como já acontecera duas vezes no século XX.

Os EUA assumiram posição ambivalente, navegando em seus próprios interesses, em grande parte do ponto de vista de sua liderança transatlântica; mas impuseram, como condição difícil, que a Alemanha unificada permanecesse na OTAN.

Basicamente, o famoso dito de Lord Ismay sobre a OTAN ainda estava ativo no cálculo dos norte-americanos: que o sistema ocidental de alianças destinava-se a “manter a União Soviética fora, os americanos dentro e os alemães abaixo”.

Mendigos não podem escolher, e a Alemanha Ocidental, como suplicante, estava disposta a se conformar inicialmente com a fórmula “um país, dois sistemas”, ao estilo de Hong Kong, desde que Gorbachev admitisse a ideia de uma confederação entre a Alemanha Ocidental e a Alemanha Oriental.

Para encurtar uma longa história de disputas diplomáticas “multipolares”, Gorbachev derrotou os linha-dura de seu próprio Politburo. E esses, claro, planejaram em menos de um ano um golpe contra Gorbachev, golpe que acabou por fazer cair o telhado sobre a União Soviética. E, ignorando os protestos da Alemanha Oriental, continuaram, até chegar a um acordo com o chanceler alemão Helmut Kohl (e o secretário de estado dos EUA James Baker) que afinal deram sinal verde para a unificação das duas Alemanhas.

Kohl estava tão excitado depois do fatídico encontro com Gorbachev que, de acordo com alguns relatos, ele passou o resto da noite caminhando pelas ruas de Moscou. Não conseguia dormir, ante aquele inesperado presente de Deus.

Kohl foi pragmático. Aceitou as duras condições impostas pelos aliados ocidentais, para a unificação da Alemanha. Assim, em vez de os Aliados renunciarem aos seus direitos pós-Segunda Guerra Mundial sobre a Alemanha e retirarem seus militares, a Alemanha aceitaria a Linha Oder-Neisse como sua fronteira com a Polônia; e renunciaria a todas as reivindicações territoriais além do território da Alemanha Oriental (efetivamente, deixava de reivindicar da Polônia e da ex-União Soviética a maioria das províncias orientais da Alemanha).

Uma Alemanha unificada limitaria o efetivo de suas forças armadas a 370 mil soldados, renunciaria para sempre à manufatura, posse e controle de armas nucleares, biológicas e químicas e aceitaria a aplicação total e contínua do Tratado de Não Proliferação [de Armas Nucleares]. Implantaria forças militares no exterior apenas de acordo com a Carta da ONU; desistiria de qualquer forma de reivindicação territorial futuras (com Tratado à parte, reafirmando a atual fronteira comum com a Polônia, vinculante sob o direito internacional, renunciando efetivamente aos antigos territórios alemães, como o enclave russo de Kaliningrado na costa do Báltico)… e assim por diante.

Claramente, nada foi esquecido ou perdoado no que diz respeito ao possível retorno do revanchismo alemão. Mas muita coisa mudou nas três décadas desde então. Surgiram várias fissuras.

Para começar, a Alemanha integrou com sucesso a parte atrasada da Alemanha Oriental, reconstruiu-se com a disciplina e o rigor alemães característicos e recuperou-se como principal potência da Europa (agora fica ainda mais destacada com o Brexit e a saída do Reino Unido, da União Europeia). Segundo, a Polônia também começou a surgir como potência regional e tem velhas contas a acertar com Alemanha e Rússia. (A Polônia recentemente reivindicou reparações de guerra da Alemanha e está competindo com a liderança alemã da UE, ao formar o Grupo Vysegrad, que aspira a colocar sob sua proteção os países do antigo Pacto de Varsóvia e os Estados Bálticos). Em Varsóvia está no poder um governo nacionalista de direita, que milita contra os chamados valores liberais que a Alemanha defende; e tem buscado insistentemente o estabelecimento de bases militares americanas em solo.

Enquanto isso, a mentalidade alemã também mudou em relação à Rússia, com a saída de toda uma regeneração de líderes políticos que se dedicavam à Ostpolitik”, proposta inicialmente por Willy Brandt, baseada na crença de que uma forte relação com a Rússia seria sempre fundamentalmente interessante para a Alemanha. A transição do chanceler alemão Gerhard Schroeder para Angela Merkel marcou o fim de uma era em que a Ostpolitik era a base das políticas alemãs em relação à Rússia e modelo chave da política externa alemã como tal.

Legenda: Cinquenta anos de Ostpolitik: em um dos gestos mais icônicos da história europeia moderna, Willy Brandt ajoelhou-se em expiação no memorial aos heróis da Revolta do Gueto de Varsóvia, 7 de dezembro de 1970

Os olhos de Merkel estão voltados para o encontro da Alemanha com a liderança da Europa. Começou por escolher a reaproximação da Alemanha com a Rússia, que deveria ter sido a pedra angular do “Tratado 2+4” de 1990.

Cervejas, pretzels e bandas bávaras

Tudo isso aumentou as tensões sobre a expansão da OTAN para o leste em direção às fronteiras da Rússia, e a atual contestação geopolítica que se desdobra entre EUA, União Europeia e OTAN de um lado, e Rússia do outro, sobre as repúblicas pós-soviéticas ao longo da fronteira ocidental da Rússia, Mar Negro e Cáucaso. A Rússia tem buscado um modus vivendi entre a União Europeia e a União Econômica Eurasiana, e a certa altura introduziu o conceito de uma Europa unida do Atlântico ao Pacífico. Mas Merkel não está interessada.

Nesse meio tempo, apareceram os sinais incipientes do militarismo alemão. Em uma observação impressionante em maio de 2017, numa atividade pré-eleitoral, Merkel disse que a Europa não pode mais “depender completamente” dos EUA e do Reino Unido, após a eleição do presidente Trump e do Brexit. “Os tempos em que poderíamos depender completamente dos outros estão em declínio. Vi acontecer… Nós, europeus, temos de tomar nosso destino em nossas próprias mãos”, disse Merkel a uma multidão num comício eleitoral em Munique, sul da Alemanha.

Em parte, os comentários podem ter acontecido “graças à cerveja, aos pretzels e à banda de música bávara que animava a multidão”, como um comentarista da BBC observou ironicamente naquele dia ameno em Munique. Mas surpreendente foi que as palavras de Merkel foram ditas com paixão atípica e rara contundência. E a mensagem ressoou por toda a Europa e Rússia: ‘Custe o que custar, mantenhamos relações amigáveis com a América de Trump e a Grã-Bretanha do Brexit –, mas não podemos contar com eles.’

Isso levou a especulações de que a Alemanha sob o comando de Merkel estaria afastando-se dos EUA. Embora, na realidade, fosse mais uma questão de relacionamento hostil entre Merkel e o presidente Trump, e não de ela ter-se convertido em gaullista alemã, por assim dizer. De fato, a especulação morreu tão depressa quanto apareceu.

Fato é que a geração de Merkel de políticos alemães é ferrenhamente “atlanticista” – como ela própria –, dos que dá primazia aos “valores liberais compartilhados” no relacionamento abrangente entre a Alemanha e EUA (contornando Trump) e veem esse compartilhamento de valores como o cerne da aliança transatlântica. Assim, estão empenhados em construir um pilar europeu mais forte, para a OTAN. O que está duas vezes mais distante do conceito de uma força europeia independente, em que trabalho o presidente francês Emmanuel Macron.

Sem surpresa, todos veem a Rússia como a antítese de seu próprio sistema de valores, que é baseado em princípios democráticos, estado de direito, direitos humanos, liberdade de expressão etc., etc., todo o séquito. Veem como enorme desafio as políticas  agressivas e assertivas da Rússia e o fato de a Rússia ter alterado as fronteiras internacionais estabelecidas às portas da Europa pelo menos quatro vezes.

Simplificando, esses europeus estão chocados com o ressurgimento da Rússia sob comando do presidente Vladimir Putin.

Os analistas ocidentais inicialmente menosprezaram o movimento, quando Putin, em 2007, no final de seu segundo mandato, nomeou Anatoliy Serdyukov – ex-chefe do Serviço de Impostos Federal – para o cargo de ministro da Defesa, como parte de um esforço para combater a corrupção nas Forças Armadas russas e promover reformas. Mas, depois que o conflito Rússia-Geórgia de agosto de 2008 revelou falhas operacionais militares russas de grande escala, o Kremlin decidiu aumentar firmemente as capacidades militares.

Um amplo e abrangente programa de reformas começou a introduzir modificações em todos os aspectos das Forças Armadas russas – do tamanho total das Forças Armadas, ao seu corpo de oficiais e sistema de comando; com plano de dez nos para modernização do armamento, novos orçamentos militares, desenvolvimento de novos sistemas de armas para dissuasão nuclear estratégica e forças convencionais, a estratégia de segurança nacional russa e até a própria doutrina militar.

A reforma foi mais longe do que quaisquer esforços anteriores para alterar a estrutura da força e as operações das forças armadas russas herdadas da União Soviética. Em 2015-2016, analistas ocidentais, inicialmente céticos, começaram a parar e perceber que a Rússia estava, sim, em processo de grande modernização de suas forças armadas, impulsionada pela ambição de Putin de restaurar o poder ‘duro’ da Rússia e apoiada nas receitas que fluíram para os cofres do Kremlin entre 2004 e 2014, quando o preço do petróleo era alto.

Steven Pifer, especialista em Rússia, da Brookings, escreveu em fevereiro de 2016:

“Os programas de modernização abrangem todas as partes do exército russo, incluindo as forças nucleares estratégicas, nucleares não estratégicas e forças convencionais. Os EUA precisam prestar atenção. A Rússia (…) ainda tem capacidade para causar problemas significativos. Além disso, nos últimos anos, o Kremlin mostrou nova disposição para usar força militar.” (Pifer escrevia, então, logo depois da intervenção militar russa na Ucrânia e na Síria.)

Na verdade, em discurso à Nação em março de 2018, Putin anunciou que os militares russos haviam testado um grupo de novas armas estratégicas destinadas a derrotar os sistemas de defesa ocidentais. Nessa fala, Putin usou vídeos, exibidos em tela gigante, para apresentar algumas das armas das quais falava. Disse que as novas armas haviam tornado “inúteis” as defesas antimísseis da OTAN.

Em discurso de dezembro de 2019, Putin revelou que a Rússia tornara-se o único país do mundo a implantar armas hipersônicas. “Agora temos uma situação única na história moderna, e eles (Ocidentais) tentam nos alcançar”, disse ele. “Nenhum país possui armas hipersônicas, muito menos armas hipersônicas de alcance intercontinental.”

Nações castradas e cavalos de Tróia

Tudo isso considerado, a “militarização” da Alemanha tem de ser posta em perspectiva. A ministra da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer, disse recentemente em conversa com o Conselho do Atlântico que “a Rússia precisa entender que somos fortes e pretendemos seguir adiante”. Disse que a Alemanha comprometeu-se a cumprir 10% por cento dos requisitos da OTAN até 2030, e é do interesse da Alemanha alcançar mais recursos para a Defesa e maiores capacidades.

Contudo, nem Alemanha nem Japão têm liberdade para mergulhar de cabeça no “neomilitarismo”. Nenhum desses países tem uma política externa independente. Para que sigam caminho neomilitarista, nos dois casos será preciso superar muita oposição interna. Em ambos os países, os discursos nacionais ainda são dominados pelo pacifismo do pós-guerra, com militares sendo questionados a cada operação. Os dois países têm exércitos voluntários; nenhum deles é capaz de iniciar uma guerra sem o apoio ou a coparticipação dos EUA; ambos são, com efeito, poderes suplementares, não forças principais autônomas.

A Alemanha não quer sair da OTAN, e o Japão simplesmente não consegue pensar na vida, exceto sob o dossel de sua aliança militar com os EUA. Em última análise, essas duas nações, derrotadas na última guerra mundial, são nações militarmente castradas e sem capacidade ou vontade política.

Rússia e a China, certamente, não se deixarão impressionar por algum falso neomilitarismo de Alemanha ou Japão. Assim sendo, onde está o problema?

O problema

O problema está em que o que aproxima Rússia e China é o desafio colocado pelos sistemas de alianças que os EUA estão montando em suas fronteiras para “contê-los”.

Há surto de sentimentos nacionalistas na Polônia e em vários outros países da Europa Central e Oriental, com tom cada vez mais antirrusso. Os EUA estão pressionando a Alemanha a chegar a um consenso com Polônia e países bálticos, sobre a Rússia. Isso, claro, exige que Berlim abandone totalmente sua busca, até alguma busca apenas residual, de sua tradicional Ostpolitik em relação a Moscou e acione, na direção oposta, posicionamento de adversário.

Da mesma forma, na Ásia, os EUA estão liderando a Aliança Quadrilateral (“Quad”) com Japão, Índia e Austrália, para cercar a China. Os EUA esperam que os países do Pacífico Asiático possam ser convertidos para posicionamento anti-China.

Com Índia, Washington fez progressos, enquanto as nações do sudeste asiático recusam-se a escolher lado entre EUA e China, e a Coreia do Sul fica em cima do muro.

Os EUA têm cada vez mais recorrido a sanções unilaterais contra Rússia e China, e sanções sem qualquer fundamento jurídico e da lei internacional, e estão aumentando a pressão por meio da aplicação extraterritorial da legislação norte-americana, para obrigar outros países a se alinharem com o regime norte-americano de sanções e leis, frequentemente violando o direito internacional e a Carta das Nações Unidas.

Empresas europeias que trabalham no projeto de gasoduto russo Ramo Norte 2 [Nord Stream 2], de US$11 bilhões, foram ameaçadas com sanções dos EUA.

Da mesma forma, já se fala de os EUA usarem sanções como arma para intimidar pequenos países, como o Sri Lanka, forçando-os a pôr fim a projetos da Iniciativa Cinturão e Estrada empreendidos por empresas chinesas. Na região do Oceano Índico, a Índia desempenha o papel que a Polônia está desempenhando na orla ocidental da Eurásia, como cavalo de Tróia das estratégias regionais dos Estados Unidos.

A mudança de regime no ano passado nas Maldivas está sendo levada à sua conclusão lógica – o estabelecimento de uma base americana que complementa Diego Garcia e firma uma “segunda rede” para monitorar e intimidar a Marinha chinesa no Oceano Índico. EUA, com o apoio da Índia, estão pressionando a liderança recém-eleita do Sri Lanka para que ratifique rapidamente os pactos militares que foram negociados, especialmente um Acordo de Status de Forças, que abre caminho para o estacionamento de militares americanos na ilha, no que estrategistas descreveram como um porta-aviões.

Mais uma vez, os EUA estão politizando desavergonhadamente a agenda internacional dos direitos humanos e usando as questões dos direitos humanos como pretexto para interferir nos assuntos internos de China e Rússia. Os EUA impuseram sanções contra funcionários e entidades chinesas em conexão com seu envolvimento em Xinjiang e Hong Kong. Já se fala de prováveis sanções ocidentais contra a Rússia, por um suposto envenenamento do ativista da oposição russo Alexei Navalny. E a Rússia já enfrenta uma avalanche de sanções dos EUA em várias questões. [Continua]

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

 

 

 

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