Livro: “Sob os nossos olhos” De 11-de-Setembro a Donald Trump (2/25)

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Os Irmãos Muçulmanos como assassinos

Prosseguimos a publicação do livro de Thierry Meyssan, «Sob os nossos olhos». Neste episódio, ele descreve a criação de uma sociedade secreta egípcia, os Irmãos Muçulmanos, depois a sua recriação após a Segunda Guerra Mundial pelos Serviços Secretos britânicos. Finalmente, a utilização deste grupo pelo MI6 para proceder a assassinatos políticos nesta antiga colónia da Coroa.

| Damasco (Síria)

Este artigo é extraído do livro Sob os nossos olhos.
Ver o Indíce dos assuntos.

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Hassan el-Banna, fundador da sociedade secreta dos Irmãos Muçulmanos. Sabe-se pouco sobre a sua história familiar, apenas que eram relojoeiros; um ofício reservado à comunidade judaica no Egito.

As «Primaveras Árabes», vividas pelos Irmãos Muçulmanos

Em 1951, os Serviços Secretos anglo-saxónicos constituíram, a partir da antiga organização homónima, uma sociedade secreta política : os Irmãos Muçulmanos.
Utilizaram-nos, sucessivamente, para assassinar personalidades que lhes opunham resistência, depois, a partir de 1979, como mercenários contra os Soviéticos. No início dos anos 90, incorporaram-nos na OTAN e nos anos 2010 tentaram levá-los ao Poder nos países árabes. Os Irmãos Muçulmanos e a Ordem sufi dos Naqchbandis são financiados, à escala de 80 mil milhões de dólares anuais, pela família reinante saudita, o que os transforma num dos mais importantes exércitos do mundo. Todos os líderes jiadistas, aqui incluídos os do Daesh (E.I.), pertencem a este dispositivo militar.

1— Os Irmãos Muçulmanos Egípcios

Quatro impérios desaparecem durante a Primeira guerra mundial, o Reich alemão, o Império austro-húngaro, a Santa Rússia czarista e a Sublime Porta otomana. Os vencedores não têm o menor bom senso ao impor as suas condições aos vencidos. Assim, na Europa, o Tratado de Versalhes aplica condições terríveis à Alemanha, que torna como única responsável do conflito. No Oriente, o retalhar do Império Otomano dá para o torto : na Conferência de San Remo (1920), em conformidade com os acordos secretos de Sykes-Picot-Sazonov (1916), o Reino Unido é autorizado a estabelecer o lar judeu da Palestina, enquanto a França pode colonizar a Síria (incluindo à época o atual Líbano). No entanto, no que resta do Império Otomano, Mustafá Kemal revolta-se tanto contra o Sultão, que perdeu a guerra, como contra os Ocidentais que se apoderam do seu país. Na Conferência de Sèvres (1920), cortam o Império em pequenos pedaços para criar toda a espécie de novos Estados, entre os quais um Curdistão. A população turco-mongol da Trácia e da Anatólia revolta-se e leva Kemal ao Poder. No fim, a Conferência de Lausana (1923) traça as fronteiras atuais, renuncia a um Curdistão e organiza gigantescas transferências de população que provocam mais de meio milhão de mortos.

Mas, tal como na Alemanha onde Adolf Hitler irá contestar a sorte do seu país, do mesmo modo no Próximo-Oriente, um homem se levanta contra a nova divisão da região. Um professor egípcio funda um movimento para restaurar o Califado que os Ocidentais venceram. Este homem é Hassan el-Banna, e esta organização é a Irmandade Muçulmana (1928).

O Califa é, em princípio, o sucessor do Profeta, ao qual todos devem obediência; um título de fato muito cobiçado. Sucessivas grandes linhagens de Califas se sucederam, os Omíadas, os Abássidas, os Fatímidas e os Otomanos. O próximo Califa deveria ser aquele que se apoderasse do título, neste caso o «Guia Chefe» da Irmandade, que se veria seguramente como senhor do mundo muçulmano.

A sociedade secreta espalha-se muito rapidamente. Ela entende operar no interior do sistema para restaurar as instituições islâmicas. Os candidatos devem jurar fidelidade ao fundador sobre o Alcorão e sobre um sabre, ou sobre um revólver. O objetivo da Irmandade é exclusivamente político, mesmo se ela o expressa em termos religiosos. Jamais, Hassan el-Banna ou os seus sucessores falarão de Islã como de uma religião, ou evocarão uma espiritualidade muçulmana. Para eles, o Islã é unicamente um dogma, uma submissão a Deus, e um meio de exercício do Poder. É claro, os Egípcios que apoiam a Irmandade não o percebem assim. Eles seguem-na porque ela alega seguir a Deus.

Para Hassan el-Banna, a legitimidade de um governo não se mede pela sua representatividade tal como se estima a dos governos ocidentais, mas, antes pela sua capacidade de defender o «modo de vida islâmico», ou seja, o do Egipto otomano do século XIX. Os Irmãos jamais considerarão que o Islã tenha uma História, e que os modos de vida muçulmanos variem consideravelmente segundo as regiões e as épocas. Jamais considerarão, sequer, que o Profeta tenha revolucionado a sociedade beduína na qual vivia, e que o modo de vida descrito no Alcorão fosse apenas uma etapa fixada para estes homens. Para eles, as regras penais do Alcorão –—a Charia— não correspondem, portanto, a uma dada situação, fixam, isso sim, leis imutáveis nas quais o Poder se pode apoiar.

O fato de a religião muçulmana ter sido muitas vezes difundida pela espada justifica para a Irmandade o uso da força. Jamais os Irmãos reconhecerão que o Islã tenha podido propagar-se também pelo exemplo. Isso não impede al-Banna e os seus Irmãos de se apresentarem a eleições –-e de perder—. Se eles condenam os partidos políticos, não é por oposição ao multipartidarismo, mas, antes porque separando a religião da política cairiam na corrupção.

A doutrina dos Irmãos Muçulmanos, é a ideologia do «islã político», em francês diz-se do «islamismo» ; uma palavra que vai levantar celeuma.

Em 1936, Hassan el-Banna, escreve ao Primeiro-ministro Mustafá el-Nahhass Pacha. Exige-lhe: – «uma reforma da legislação e a colocação de todos os tribunais sob a Charia;
- o recrutamento no seio do exército instituindo para tal um voluntariado sob a bandeira da jihade;
- a conexão dos países muçulmanos e a preparação da restauração do Califado, em aplicação da unidade exigida pelo Islã».

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Irmandade declara-se neutra. Na realidade, ela transforma-se num serviço de Inteligência do Reich. Mas a partir da entrada na guerra dos Estados Unidos, assim que a sorte das armas parece inverter-se, ela faz um jogo duplo e faz-se financiar pelos Britânicos para lhes fornecer informações sobre o seu primeiro empregador. Ao fazer isto, a Irmandade mostra a sua total ausência de princípios e o seu puro oportunismo político.

A 24 de Fevereiro de 1945, os Irmãos tentam a sua sorte e assassinam, em plena sessão parlamentar, o Primeiro-ministro egípcio. Segue-se uma escalada de violência: uma repressão contra eles e uma série de assassinatos políticos, indo até à do novo Primeiro-ministro, a 28 de Dezembro de 1948, e em retaliação a do próprio Hassan al-Banna, a 12 de Fevereiro de 1949. Pouco tempo depois, um tribunal estabelecido pela lei marcial condena a maior parte dos Irmãos a uma pena de detenção e dissolve a sua associação.

Esta organização secreta não era mais, no fundo, que um bando de assassinos que ambicionava apoderar-se do Poder, mascarando a sua cobiça atrás do Alcorão. A sua história deveria ter terminado por ali. Mas, não foi nada disso que aconteceu.

2— A Confraria reformada pelos Anglo-Saxões e a paz separada com Israel

A capacidade da Confraria em mobilizar as pessoas e em as transformar em assassinos não deixa de intrigar as Grandes Potências.

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Contrariamente aos seus desmentidos, Sayyid Qutb era franco-maçon. Ele publicou um artigo intitulado «Porque me tornei franco-maçon», aparecido na revista al-Taj al-Masri (a «Coroa do Egipto»), em 23 de Abril de 1943.

Dois anos e meio após a sua dissolução, uma nova organização é formada pelos Anglo-Saxões reutilizando, para isso, o nome dos «Irmãos Muçulmanos». Aproveitando-se da prisão dos dirigentes históricos, o antigo juiz Hassan al-Hodeibi é eleito Guia-chefe. Contrariamente a uma ideia muitas vezes aceite, não há nenhuma continuidade histórica entre a antiga e a nova Irmandade. Verifica-se que uma unidade da antiga sociedade secreta, o «Aparelho Secreto», tinha sido encarregado por Hassan el-Banna de perpetrar os atentados dos quais ele negava a paternidade. Esta organização dentro da organização era tão secreta que ela não foi tocada pela dissolução da Irmandade e coloca-se agora à disposição do seu sucessor. O Guia decide repudiá-la e declara querer atingir os seus objetivos apenas de forma pacífica. É difícil estabelecer o que se passou exatamente naquele momento preciso entre os Anglo-Saxões, que queriam recriar a antiga sociedade secreta, e o Guia, o qual apenas queria recuperar sua audiência junto das massas. Em qualquer caso, o Aparelho Secreto perdurou e a autoridade do Guia apagou-se em proveito da de outros responsáveis da Irmandade, abrindo uma verdadeira guerra interna. A CIA colocou na sua direção o franço-maçon  Sayyid Qtub [1], o teórico da Jihade, que o guia condenou antes de concluir um acordo com o MI6.

É impossível especificar as relações de subordinação interna entre uns e outros, por um lado porque cada ramo estrangeiro tem a sua própria autonomia e, por outro lado, porque as unidades secretas no seio da organização não dependem mais, absolutamente, nem do Guia-chefe, nem do Guia local, mas, por vezes, diretamente da CIA e do MI6.

Durante o período seguinte à Segunda Guerra mundial, os Britânicos tentam organizar o mundo de maneira a mantê-lo fora do alcance dos Soviéticos. Em Setembro de 1946, em Zurique, Winston Churchill lançou a ideia dos Estados Unidos da Europa. Dentro do mesmo princípio, ele lança a Liga Árabe. Em ambos os casos, trata-se de conseguir a unidade de uma região sem a Rússia. Desde o início da Guerra Fria, os Estados Unidos da América, por seu lado, criam associações encarregadas de acompanhar este movimento em proveito próprio, o American Committee on United Europe e os American Friends of the Middle East [2]. No mundo árabe, a CIA organiza dois golpes de Estado, primeiro em favor do General Hosni Zaim em Damasco (Março de 1949), depois com os Oficiais Livres no Cairo (Julho de 1952). Trata-se de apoiar os nacionalistas que se supõe serem hostis aos comunistas. É com este estado de espírito que Washington traz ao Egipto o General SS Otto Skorzeny e ao Irã o General nazi Fazlollah Zahédi, acompanhados de centenas de antigos responsáveis da Gestapo para dirigir a luta anti-comunista. Skorzeny infelizmente modelou a polícia egípcia numa tradição de violência. Em 1963, ele escolherá a CIA e a Mossad contra Nasser. Zahédi, quanto a ele, criará a SAVAK, a mais cruel polícia política da época.

Se Hassan el-Banna tinha fixado o objetivo —tomar o Poder manipulando a religião—, Qutb definiu o meio : a jihade. Uma vez tendo os adeptos admitido a superioridade do Alcorão, podemos apoiar-nos nele para os organizar em exército e enviá-los para o combate. Qutb desenvolve uma teoria maniqueísta diferenciando o que é islamista e o que é «tenebroso». Para a CIA e o MI6, esta lavagem cerebral permite utilizar os fiéis para controlar os governos nacionalistas árabes, depois para desestabilizar as regiões muçulmanas da União Soviética. A Irmandade torna-se um inesgotável reservatório de terroristas sob o slogan : «Alá é o nosso fim. O Profeta é o nosso chefe. O Alcorão é a nossa lei. A jihade é a nossa via. O martírio, o nosso voto».

O pensamento de Qutb é racional, mas não razoável. Desenvolve uma retórica invariável Alá/Profeta/Corão/Jihade/Martírio que não permite nunca qualquer possibilidade de debate. Ele coloca a superioridade da sua lógica acima da razão humana.

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Recepção de uma delegação da sociedade secreta pelo Presidente Eisenhower na Casa Branca (23 de Setembro de 1953).

A CIA organiza um colóquio na Universidade de Princeton sobre «A situação dos muçulmanos na União Soviética». É a ocasião de receber nos Estados Unidos uma delegação dos Irmãos Muçulmanos conduzida por um dos chefes do seu ramo armado, Saïd Ramadan. No seu relatório, o oficial da CIA encarregado do acompanhamento nota que Ramadan não é um extremista religioso, antes se parece mais com um fascista ; uma maneira de sublinhar o caráter exclusivamente político dos Irmãos Muçulmanos. O colóquio concluiu com uma recepção na Casa Branca pelo Presidente Eisenhower, a 23 de Setembro de 1953. A aliança entre Washington e o jihadismo está firmada.

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(Da esquerda para a direita) Hassan el-Banna casou a sua filha com Saïd Ramadan, fazendo dele o seu sucessor. O casal dará origem a Hani (diretor do Centro Islâmico de Genebra) e Tariq Ramadan (que será professor titular da cadeira de estudos islâmicos contemporâneos na universidade de Oxford).

A CIA, que tinha recriado a Irmandade contra os comunistas, primeiro utilizou-a para ajudar os nacionalistas. Nesta época a Agência era representada no Médio-Oriente por anti-sionistas, saídos da classe média. Rapidamente, eles foram afastados em proveito de altos-funcionários de origem anglo-saxônica e puritana, saídos das grandes universidades e favoráveis a Israel. Washington entrou em conflito com os nacionalistas e a CIA voltou a Irmandade contra eles.

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Said Ramadan e Abdul Ala Mawdudi animaram uma emissão semanal na Rádio Paquistão, uma estação criada pelo MI6 britânico.

Said Ramadan tinha comandado alguns combatentes da Irmandade durante a breve guerra contra Israel em 1948, depois tinha ajudado Sayyid Abul Ala Maududi a criar no Paquistão a organização para-militar da Jamaat-i-Islami. Tratava-se, então, de fabricar uma identidade islâmica para os Indianos muçulmanos de modo a que eles constituam um novo Estado, o Paquistão. A Jamaat-i-Islami redigirá, aliás, a constituição paquistanesa. Ramadan desposa a filha de Hassan al-Banna e torna-se o chefe do braço armado dos novos «Irmãos Muçulmanos».

Enquanto no Egipto, tendo os Irmãos participado no golpe de Estado dos Oficiais Livres do General Mohammed Naguib –-Sayyid Qutb era o seu agente de ligação— eles são encarregados de eliminar um dos seus líderes, Gamal Abdel Nasser, o qual entrou em conflito com Naguib. Não apenas falham, a 26 de Outubro de 1954, como Nasser toma o Poder, reprime a Irmandade e coloca Naguib sob prisão domiciliar. Sayyid Qutb será enforcado alguns anos mais tarde.

Interditos no Egipto, os Irmãos recuam para os Estados wahhabitas (Arábia Saudita, Catar e emirado de Sharjah) e para a Europa (Alemanha, França e Reino Unido, mais a neutra Suíça). Em todas as ocasiões, são acolhidos sempre como agentes ocidentais lutando contra a nascente aliança entre os Nacionalistas árabes e a União Soviética. Saïd Ramadan recebe um passaporte diplomático jordaniano e instala-se em Genebra, em 1958, de onde ele dirige a desestabilização do Cáucaso e da Ásia Central (ou seja o Afeganistão-Paquistão e o vale soviético de Ferghana). Ele assume o controle da Comissão para a construção de uma mesquita em Munique, o que lhe permite supervisionar quase todos os muçulmanos da Europa Ocidental. Com a ajuda do American Committe for Liberation of the Peoples of Russia (AmComLib), quer dizer da CIA, ele dispõe da Radio Liberty/Radio Free Europe, uma estação diretamente financiada pelo Congresso norte-americano para difundir a ideologia da Irmandade [3].

Após a crise do Canal de Suez e a espectacular reviravolta de Nasser para o lado soviético, Washington decide apoiar sem limites os Irmãos Muçulmanos contra os Nacionalistas árabes. Um alto quadro da CIA, Miles Copeland, é encarregado –-em vão— de selecionar na Irmandade uma personalidade que possa desempenhar no mundo árabe um papel equivalente ao do Pastor Billy Graham nos Estados Unidos. Será preciso esperar pelos anos 80 para encontrar um pregador desta envergadura, o egípcio Youssef al-Qaradawi.

Em 1961, a Irmandade estabelece uma conexão com outra sociedade secreta, a Ordem dos Naqchbandis. Trata-se de uma espécie de franco-maçonaria muçulmana misturando iniciação Sufi e política. Um dos seus teóricos indianos, Abu al-Hasan Ali al-Nadwi, publica um artigo na revista dos Irmãos. A Ordem é antiga e está presente em inúmeros países. No Iraque, o grão-mestre não é outro senão o futuro Vice-presidente Ezzat Ibrahim al-Duri. Ele apoiará a tentativa de golpe de Estado dos Irmãos na Síria, em 1982, depois a «campanha de retorno à Fé» organizada pelo Presidente Saddam Hussein, para reforçar a identidade do seu país, após o estabelecimento da área de exclusão aérea pelos Ocidentais. Na Turquia, a Ordem jogará um papel mais complexo. Ela irá incluir como responsáveis tanto Fethullah Gullen (fundador do Hizmet), como o Presidente Turgut Özal (1989-93) e o Primeiro-ministro Necmettin Erbakan (1996-97), fundador do Partido da Justiça (1961) e da Millî Görüş (1969). No Afeganistão, o antigo presidente Sibghatullah Mujaddidi (1992) foi seu grão-mestre. Na Rússia, com a ajuda do Império Otomano, a Ordem havia revoltado a Crimeia, o Usbequistão, a Tchechénia e o Daguestão, no século XIX, contra o czar. Até à queda da União Soviética, não teremos notícias deste ramo; tal como no Xinjiang chinês. A proximidade entre os Irmãos e os Naqchbandis muito raramente é estudada tendo em conta a oposição de princípios dos Islamistas à mística e às ordens Sufis em geral.

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A sede saudita da Liga Islâmica Mundial. Em 2015, o seu orçamento era superior à do Ministério saudita da Defesa. Primeiro comprador mundial de armas, a Arábia Saudita adquire armas que a Liga distribui às organizações dos Irmãos Muçulmanos e Naqchbandis.

Em 1962, a CIA encoraja a Arábia Saudita a criar a Liga Islâmica Mundial e a financiar, ao mesmo tempo, a Irmandade e a Ordem contra os nacionalistas e os comunistas [4]. Esta organização é, a principio, financiada pela Aramco (Arabian-American Oil Company). Entre a vintena dos seus membros fundadores conta-se três teóricos islamitas de que já falamos : o egípcio Saïd Ramadan, o paquistanês, Sayyid Abul Ala Mawdudi e o indiano Abu al-Hasan Ali al-Nadwi.

De fato a Arábia, que dispõe subitamente de enorme liquidez graças ao comércio do petróleo, torna-se a madrinha dos Irmãos no mundo inteiro. Em casa, a monarquia confia-lhes o sistema de ensino escolar e universitário, num país onde quase ninguém sabe ler e escrever. Os Irmãos têm de se adaptar aos seus anfitriões. Com efeito, a sua vassalagem ao rei impede-os de prestar fidelidade ao Guia-chefe. Seja como for, eles organizam-se em torno de Mohamed Qutb, o irmão de Sayyid, em duas correntes : os Irmãos sauditas de um lado e os «Sururistas», de outro. Estes últimos, que são Sauditas, ensaiam uma síntese entre a ideologia política da Irmandade e a teologia Wahhabista. Esta seita, da qual a família real é parte, defende uma interpretação do Islã extraída do pensamento beduíno, iconoclasta e anti-histórica. Até Riad dispor de petro-dólares, ela lançava anátemas às escolas muçulmanas tradicionais que, por sua vez, a consideravam como herética.

Na realidade, a política dos Irmãos e a religião Wahhabista nada têm em comum, mas são compatíveis. Salvo, que o pato que liga a família dos Saud aos pregadores wahhabistas não pode subsistir com a Irmandade : a ideia de uma monarquia de direito divino esbarra no apetite dos Irmãos pelo Poder. É pois acordado que os Saud apoiarão os Irmãos por todo o mundo, com a condição de estes se absterem de entrar em política na Arábia.

O apoio dos wahhabitas sauditas aos Irmãos provoca uma rivalidade suplementar entre a Arábia e os dois outros Estados wahhabitas que são o Catar e o Emirado de Sharjah.

De 1962 a 1970, os Irmãos Muçulmanos participam na guerra civil do Iêmen do Norte e tentam restabelecer a monarquia, ao lado da Arábia Saudita e do Reino Unido, contra os Nacionalistas árabes, o Egipto e a URSS; um conflito que prefigura o que se vai seguir durante meio século.

Em 1970, Gamal Abdel Nasser consegue estabelecer um acordo entre as facções Palestinas e o rei Hussein da Jordânia que põe um fim ao «Setembro Negro». Na noite da Cimeira da Liga Árabe que ratifica o acordo ele morre, oficialmente de ataque cardíaco, muito mais provavelmente assassinado. Nasser tinha três vice-presidentes, um de esquerda –-extremamente popular—, um centrista –-muito famoso—, e um conservador escolhido a pedido dos Estados Unidos e da Arábia Saudita: Anwar al-Sadat. Sujeito a pressões, o vice-presidente de esquerda diz-se incapaz para o cargo. O vice-presidente centrista prefere abandonar a política. Sadat é designado como candidato dos Nasseristas. Este é o drama de muitos países: o Presidente seleciona um Vice-Presidente entre os seus rivais de maneira a alargar a sua base eleitoral, mas este substitui-o quando ele morre e arrasa o seu legado.

Sadat, que havia servido o Reich durante a Segunda Guerra mundial e professa uma grande admiração pelo Führer, é um militar ultra-conservador que servia de alter-ego a Sayyid Qutb como agente de ligação entre a Irmandade e os Oficiais Livres. Logo após a sua ascensão ao Poder, ele liberta os Irmãos presos por Nasser. O «Presidente crente» é um aliado da Irmandade quanto à islamização da sociedade (a «revolução da retificação»), mas seu rival quando pretende um proveito político. Esta relação ambígua é ilustrada pela criação de três grupos armados, que não são cisões da Irmandade mas unidades externas que lhe obedecem : o Partido da libertação islâmica, a Jihade Islâmica (do Xeque Omar Abdul Rahman) e a Excomunicação e Imigração (o «Takfir»). Todos declarando aplicar as instruções de Sayyid Qutb. Armada pelos serviços secretos, a Jihade Islâmica lança ataques contra os Cristãos coptas. Longe de acalmar a situação, «o Presidente crente» acusa os coptas de sedição e prende o seu Papa e oito dos seus bispos. Por último, Sadat intervêm na condução da Irmandade e toma posição pela Jihade Islâmica contra o Guia-chefe, que ele manda prender [5].

A instruções do Secretário de Estado, Henry Kissinger, ele convence a Síria a juntar-se ao Egipto para atacar Israel e restaurar os direitos dos Palestinos. Em 6 de Outubro de 1973, os dois exércitos envolvem o país hebreu num movimento de pinça durante a festa do Yom Kippur. O Exército egípcio atravessa o canal do Suez, enquanto o sírio ataca a partir do planalto do Golã. No entanto, Sadat apenas utiliza parcialmente a sua cobertura anti-aérea e manda parar o seu exército a 15 km a Leste do canal, enquanto os Israelenses se precipitam sobre os Sírios, que se veem armadilhados e gritam contra o complô. Só após os reservistas israelitas mobilizados e o Exército sírio cercado pelas tropas de Ariel Sharon, é que Sadat ordena ao seu exército para retomar a progressão, depois pará-lo para negociar um cessar-fogo. Assistindo à traição egípcia, os Soviéticos que já tinham perdido um aliado com a morte de Nasser, ameaçam os Estados Unidos e exigem a parada imediata dos combates.

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Antigo agente de ligação com Sayyid Qutb entre os «Oficiais Livres» e a Confraria, o «Presidente crente» Anuar al-Sadate devia ser proclamado «sexto califa» pelo Parlamento egípcio. Aqui, este admirador de Adolf Hitler no Knesset ao lado dos seus parceiros Golda Meïr e Shimon Peres.

Quatro anos mais tarde –-prosseguindo o plano da CIA— o Presidente Sadat vai a Jerusalém e decide assinar uma paz separada com Israel em detrimento dos Palestinos. Agora, a aliança entre os Irmãos e Israel está selada. Todos os Povos árabes vaiam esta traição e o Egito é excluído da Liga Árabe, cuja sede é passada para Tunes.

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Responsável do «Aparelho secreto» dos Irmãos Muçulmanos, Ayman al-Zawahiri (atual chefe da Alqaida) organiza o assassinato do Presidente Sadat (6 de Outubro de 1981).

Washington decide virar a página, em 1981. A Jihade Islâmica é encarregada de liquidar Sadat, agora sem interesse. Ele é assassinado durante uma parada militar, quando o Parlamento se aprestava para o proclamar «Sexto Califa». Na tribuna oficial 7 pessoas são mortas e 28 feridas, mas, sentado ao lado do Presidente, o seu Vice-presidente, o General Mubarak, escapa. Prevenido, era a única pessoa na tribuna oficial a usar um colete à prova de bala. Ele sucede ao «Presidente crente» e a Liga Árabe pode agora ser repatriada para o Cairo.

(Continua …)

TraduçãoAlva


[1] “Sayyid Qutb era franco-maçom”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 1 de Junho de 2018.

[2] America’s Great Game: The CIA’s Secret Arabists and the Shaping of the Modern Middle East, Hugh Wilford, Basic Books (2013).

[3] A Mosque in Munich: Nazis, the CIA, and the Rise of the Muslim Brotherhood in the West, Ian Johnson, Houghton Mifflin Harcourt (2010).

[4] Dr. Saoud et Mr. Djihad. La diplomatie religieuse de l’Arabie saoudite, Pierre Conesa, préface d’Hubert Védrine, Robert Laffont (2016). English version: The Saudi Terror Machine: The Truth About Radical Islam and Saudi Arabia Revealed, Skyhorse (2018).

[5] Histoire secrète des Frères musulmans, Chérif Amir, préface d’Alain Chouet, Ellipses (2015).

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