Lembrando Hamza al-Hajj Hassan

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Hamza al-Hajj Hassan foi morto em 14/04/2014 em Maaloula, Síria, quando a van da rede Al-Manar foi atacada. (Foto: Al-Akhbar)

Hamza al-Hajj Hassan foi morto em 14/04/2014 em Maaloula, Síria, quando a van da rede Al-Manar foi atacada. (Foto: Al-Akhbar)

Por Maha Zaraket, Al-Akhbar
Taduzido pelo Oriente Mídia

Caro Hamza,

Como posso escrever uma história como essa? Ninguém nos ensinou. Você partiu muito cedo, belo poeta, jornalista apaixonado, bom amigo, aluno estimado e filho fiel. Não sou eu quem está dizendo essas coisas sobre você, mas seus amigos, colegas e professores. Estavam todos de luto ontem. Estavam todos chocados com a notícia de sua morte[1], juntamente com seus colegas Halim Alou e Mohammed Muntish.

Seus colegas da Al-Manar TV não acreditaram nas informações que chegavam pelos meios de comunicação, dizendo que sua equipe teria sofrido apenas ferimentos. De fato, a confusão que reinou após perderem a comunicação com você, indicava que todos já sabiam o que realmente havia acontecido.

O diretor do departamento de notícias, Suleiman Zuaytir, programou sua matéria da “liberação de Maaloula” para o boletim das 3:30, mas o boletim não mostrou seu relato.

Você tinha sugerido a seus colegas da Al-Manar, que deveriam elaborar matéria reserva para que fosse transmitida caso eles fossem mortos no cumprimento do dever. Foi o que você disse ao seu colega – que senta ao seu lado no trabalho – Hassan Hamza, depois que ele retornou de Yabroud em segurança.

Ele te contou sobre os riscos que enfrentou, e você disse a ele, em tom de brincadeira, que estava esperando que ele morresse para ficar com sua mesa e colocar um fim nas suas brigas intermináveis ​​sobre o carregador de telefone que compartilhavam. Aquele dia que você disse a ele: “Prepare uma matéria com antecedência, e se você morrer, vamos editá-la e transmiti-la.”

A possibilidade de morrer na Síria era esperada, em função dos riscos que a maioria dos que lá cobriram os eventos experimentaram. Por esta razão, o seu colega Hassan, um veterano repórter que cobriu a Síria repetidamente, não ficou completamente surpreso com a notícia de sua morte na segunda-feira.

Ele disse: “Nós muitas vezes somos o primeiro meio de comunicação a entrar em uma área após o fim das operações militares. A principal preocupação geralmente são os explosivos deixados pelos militantes. Lembro-me de ter sobrevivido a uma explosão em Yabroud. Mas isso faz parte do trabalho. Estamos todos conscientes dos perigos, e nós não entramos até tomarmos todas as precauções possíveis.”

O que não era esperado, no entanto, foi a emboscada em que a equipe do Al-Manar foi baleada à distância. Às 15:45, um membro de sua equipe que sobreviveu à emboscada, Ali Jahjah, informou que a comunicação com você tinha sido perdida.

Depois disso, seus colegas souberam que Halim Alou, técnico da sua equipe, tinha sido morto, que você tinha sido ferido, e que também Mohammed Qassas e Jaafar Hassan ficaram feridos. Mais tarde, souberam que Mohammed Muntish tinha morrido.

A notícia de sua morte foi muito dolorosa. Os olhos de todos estavam inchados de tanto chorar, cada um tentando se lembrar de suas últimas palavras.

Hassan estava de fato vestindo sua camisa ontem, que ele pegou do armário que compartilhavam. “Que coincidência”, Hassan dizia a si mesmo o tempo todo. Enquanto ele falava sobre você, apontava para seus pertences no escritório: suas anotações, onde escreveu alguns compromissos e endereços, seu perfume e sua câmera.

Em uma de suas anotações, havia uma citação de um dos mártires da famosa batalha em Maydoun (maio de 1988)[2], Zaid al-Moussawi, que teria rabiscado numa rocha do campo de batalha: “Nós caímos como mártires mas não nos ajoelhamos. Prestem atenção no nosso sangue e continuem com a missão.”

Todos que você conhecia sabiam o quanto você reverenciava mártires. Mas ninguém esperava que você se tornaria um. Suleiman Zuaytir disse, de forma inocente: “Eu teria acreditado na notícia das mortes de Abbas Fneish ou Hassan Hamza, dada a forma como eles são sérios. Mas Hamza? Eu simplesmente não acredito. É difícil acreditar que um homem com aquele sorriso permanente tenha morrido tão cedo … muito cedo.”

Para seus colegas, você foi um homem que sempre sorriu, e que não conhecia a tristeza, exceto quando sua mãe foi diagnosticada com uma doença grave. Aos vinte e sete anos de idade, você era o mais velho de cinco irmãos. Ajudou seu pai, que é professor e seus colegas o descrevem como compassivo e empreendedor.

Todo mundo fala sobre como você ficou perto de sua mãe durante o tratamento. “Hamza era notavelmente compassivo. Negligenciou trabalho e amigos e dedicou-se a cuidar de sua mãe” , diz Mona Tahini. Ela se lembra de como você achava estranho que ela não visitava os pais no sul toda semana, embora tivesse um carro, enquanto você utiliza transporte público para visitar seus pais em Shaath no Bekaa, muito antes de você comprar o seu.

Para você, Shaath não é uma cidade diferente de Genebra, como disse a seus colegas, depois que cobriu a conferência de paz lá recentemente. Você também preferia o frio de Falita na Síria aos hotéis 5 estrelas nos quais se hospedou no Kuwait.

Você dava suas opiniões às pessoas de forma sarcástica, com sagacidade, espontaneidade e humor. Isso levou Mariam Karnib a escolher acompanhá-lo para aprender sobre o trabalho de campo, e descobrir que você era um homem jovem, brincalhão, ambicioso e romântico.

Você também foi um poeta, e não negava esse talento aos seus amigos e entes queridos, como seu colega na universidade Mohammed Nasser diz. Sempre que ele lhe pedia para ler um pouco de poesia, você o atendia, com versos que criava de improviso. Isso fez com que Hilal Termos quisesse publicar seus poemas.

Enquanto seus colegas diziam essas histórias sobre você, essa frase apareceu em uma tela nos estúdios da Al-Manar TV : “Aqueles que te mataram, Hamza, nada sabem de força … Pois fazer injustiça é ser fraco.”


NTs:
Selecionamos este artigo como uma homenagem a todos os jornalistas que foram mortos cobrindo a guerra na Síria.
A imprensa-empresa ocidental vem sistematicamente ignorando tais assassinatos (e também sequestros) que ocorrem às dezenas. Não podem noticiar que existe jornalismo no campo de batalha, pois estariam assumindo que possuem apenas 2 fontes: clichês do livro de receitas da OTAN e o pérfido “Observatório Sírio de Direitos Humanos” – a entidade de um homem só, com nome pomposo.
Jornalistas como Hamza Hassan e Maya Nasser (morto em Damasco por franco-atirador em 26/09/2012), são representantes de uma imprensa que o Ocidente desconhece: a imprensa-resistência.

[1] http://english.al-akhbar.com/content/al-manar-tv-crew-members-shot-dead-syrian-rebels-maaloula
[2] Incursão israelense no sul do Líbano que teve feroz resistência do Hezbollah, quando 30 soldados sionistas teriam sido mortos.

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