Jim “Cachorro louco” Mattis contra “EUA em primeiro lugar” 

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Jim Mattis rejoining General Dynamics board of directors - POLITICO

Ex-secretário da Defesa dos EUA, Jim Mattis: “Os que defendem a abordagem do atual governo parecem crer que outros países venham a ser obrigados a ceder aos desejos dos EUA e cooperar nos termos dos EUA. É loucura.”

26/11/2020, Dave Makichuk, Asia Times

“EUA são paizeco provinciano e falido, rachado ao meio.” (Entreouvido no balcão da barraca do pastel, na Feira, ontem, em Bacurau, 2020)

A hora dos calouros na Casa Branca, melhor dizendo, a hora do programa de piadas, parece estar mesmo acabando.

A estratégia simplista de defesa cerebrada pelo presidente Donald Trump e conhecida como “EUA em primeiro lugar” pode ser riscada do mapa, bem como os respectivos surtos Twitterísticos.

Mas a decisão caberá ao presidente eleito Joe Biden — e o que não falta é clamor por mudança, até de ex-auxiliares de Trump.

Essa semana, o ex-secretário da Defesa Jim “Cachorro Louco” Mattis quebrou o silêncio sobre eleições, com uma conclamação pública para que o país dê um ‘cavalo de pau’, digamos assim.

Com três coautores, Mattis publicou artigo em Foreign Affairs na 2ª-feira, alertando para os riscos de uma saída abrupta do Afeganistão, e exigindo o fim do projeto de “EUA em primeiro lugar” (America First) como núcleo da estratégia de defesa, noticiou Military.com.

“Descartar o envolvimento dos EUA hoje no Afeganistão, no Iraque e em outros pontos, como “guerras infindáveis” ou “guerras eternas” – como fazem ambos, o presidente Donald Trump e o presidente eleito Joe Biden —, em vez de declará-lo movimento de apoio ativo a governos amigos, para que consigam ter controle sobre os próprios territórios, é erro grave” – escrevem Mattis e seus coautores.

“É do interesse dos EUA construir a capacidade, nesses governos, para que enfrentem as ameaças que afetam norte-americanos.”

Como secretário da Defesa de Trump, Mattis foi o principal arquiteto da Estratégia de Defesa Nacional [ing. National Defense Strategy], que ordenava que os militares se preparassem para possível conflito com Rússia e China (Military.com).

Mas Mattis e os outros dois, agora, exigem que Biden e sua nova equipe de segurança nacional, revisem e reescrevam aquele documento, e suavizem o tom confrontacional, que afastou até os mais fiéis aliados.

“Em janeiro, quando o presidente Joe Biden e sua equipe de segurança nacional começarem a reavaliar a política exterior dos EUA, esperamos que revisassem rapidamente a estratégia de segurança nacional para eliminar daqueles conteúdos tudo que tivesse a ver com ‘America first’, restaurando, em lugar disso, o compromisso com segurança cooperativa que tanto ajudou os EUA, por décadas” – escrevem os autores.

O artigo é assinado por Mattis, por Kori Schake, diretora de Estudos de Política Exterior e de Defesa no American Enterprise Institute; pelo almirante aposentado Jim Ellis, ex-comandante do Comando Estratégico dos EUA; e por Joe Felter, graduado na Academia Militar de West Point e veterano das Forças Especiais do Afeganistão, que hoje trabalha como associado na Hoover Institution (Military.com).

Dia 9 de novembro, Trump demitiu o secretário da Defesa Mark Esper, pouco depois de Esper ter falado da necessidade de cooperação mais próxima com aliados.

O secretário interino que substituiu Esper, Christopher C. Miller, anunciou planos para, até 15 de janeiro, reduzir o número de soldados norte-americanos no Afeganistão para 2.500, e também para 2.500 os soldados estacionados no Iraque.

Para os quatro autores da coluna publicada em Foreign Affairs essa decisão deve ser re-examinada.

“Reforçar a segurança nacional deve partir da verdade fundamental segundo a qual os EUA não pode autoproteger-se, nem proteger os próprios interesses, sem o auxílio de outros” – escrevem Mattis e seus coautores.

Mattis, general da Marinha e ex-comandante do Comando Central dos EUA, renunciou ao posto de secretário da Defesa em dezembro de 2018, embora Trump, depois, tenha dito que o demitira (Military.com).

A causa imediata da renúncia de Mattis foi o anúncio surpresa, feito por Trump, de que todos os soldados dos EUA deveriam ser evacuados da Síria.

Na carta de renúncia, Mattis escreveu: “Minhas ideias sobre tratar aliados com respeito e sobre nunca perder de vista nem os atores mal-intencionados nem os concorrentes estratégicos continuam intactas. Porque o senhor tem o direito de ter secretário da Defesa cujas ideias melhor se alinhem com as suas sobre esses e outros temas, creio que seja direito meu renunciar ao meu posto.”

Trump, naturalmente, se referiu a Mattis à moda Trump, sem classe, em tom vingativo; disse que Mattis seria ‘o general mais superestimado do mundo” – comentário ridículo.

Mattis ganhou o apelido de “Cachorro Louco” – jamais usado por quem o conheça, dizem os amigos – depois de ter dito coisas como “ser polido e profissional, mas ter plano pronto para matar qualquer um que apareça”; e “bom soldado obedece ordens, mas verdadeiro guerreiro usa a pele do inimigo como poncho”,  como a rede CNN noticiou.

“O apelido me foi dado pela imprensa, e alguns de vocês podem já ter passado por situações em que os jornalistas nada compreenderam” – disse Mattis.

O artigo de Foreign Affairs – que está ecoando amplamente, aprofunda as mesmas ideias da carta de renúncia de Mattis.

“Já antes da pandemia de coronavírus, a Estratégia de Defesa Nacional de 2017 descreveu ambiente internacional de crescente desordem global, competição estratégica de longo prazo, rápida dispersão de tecnologias e erosão da vantagem militar a favor dos EUA” – lê-se em Foreign Affairs.

“Os EUA hoje estão minando as fundações de uma ordem internacional manifestamente vantajosa para interesses dos EUA, o que reflete ignorância básica da extensão da profundidade estratégica vital que instituições internacionais e alianças robustas sempre garantiram.”

Na prática, acrescentam Mattis e seus coautores, “EUA em primeiro lugar” significou “EUA sozinhos”, tornando a nação mais vulnerável a ameaças emergentes (Military.com).

O artigo fala da urgência de que o novo governo Biden manifeste mais atenção às preocupações dos aliados que sinalizem desejar unir-se aos EUA para enfrentar desafios globais.

“A abordagem privilegiada pelos defensores do atual governo faz crer que outros países não teriam escolha, além de aceitar todos os desejos dos EUA e cooperar nos termos que os EUA fixem. É delírio” – diz o artigo.

Os autores também conclamam Biden para que busque áreas de cooperação com a China, principal concorrente dos EUA, reduzindo a ameaça, para evitar guerra.

Traduzido por Vila Mandinga

 

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