Irã mantém financiamentos a aliados regionais, apesar de estar sob duras sanções econômicas

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20/2/2020, Elijah J Magnier Blog (aqui retraduzido da versão em espanhol, tradução sem valor comercial, para finalidades acadêmicas)

Alguns iranianos questionam as decisões de armar e financiar os muitos aliados do Irã no Oriente Médio, ao mesmo tempo em que o país sofre a forma mais severa de sanções, mais violenta que nunca, da campanha de “pressão máxima”. Os aliados do Irã estão distribuídos pelo Afeganistão, Iêmen, Iraque, Síria, Líbano e Palestina. A principal causa desse apoio é a atitude agressiva dos EUA contra o povo e o estado iranianos, ou há outros fatores? O que leva o Irã a financiar e fortalecer esses aliados, com os mais modernos e avançados equipamentos de guerra, de modo a que todos sempre estejam dispostos a lutar e morrer na luta contra os EUA, cada um em seu próprio território?

Desde a vitória da “Revolução Islâmica” em 1979, sob a liderança do Imã Khomeini, o Irã viveu sob sanções pesadas, as quais sempre se aprofundaram a cada novo presidente que chegasse à Casa Branca. Em 1979, o Irã não tinha aliados e estava rodeado de inimigos. Seus vizinhos na região somaram-se ao apoio que o ocidente deu à guerra de Saddam Hussein contra a República Islâmica.

A guerra dos EUA contra o Irã teve origem na derrubada de seu subordinado, o Xá Pahlevi. Adiante se revelou o modo como a CIA levara Pahlevi ao poder, num golpe de estado organizado contra o primeiro-ministro Mohammed Mossadeq, em 1953, para manter o petróleo iraniano sob controle de britânicos e norte-americanos. A democracia jamais foi objetivo real: devem-se entender as guerras provocadas pelo Ocidente como motivadas por interesses políticos e pela ambição de dominar. Mas o Ocidente sempre apela a discursos aparentemente pró-liberdade e pró-democracia, para tentar justificar seus esforços autoritários e antidemocráticos.

Em 1979, os EUA criaram uma armadilha para arrastar os soviéticos, como invasores, para dentro do Afeganistão, apoiando os mujahedin dos quais nasceu a Al-Qaeda. Esse resultado catastrófico e fenômenos destrutivos similares foram rapidamente naturalizados, descritos como se fossem “consequências involuntárias”, para assim ‘racionalizar’ os custos dessas intervenções selvagens, contra a vida de outros povos e nos assuntos mundiais. Apesar disso, em 2001 os EUA caíram exatamente no mesmo pântano, e invadiram o Afeganistão com dezenas de milhares de soldados. O plano dos EUA era bloquear o caminho para um possível retorno dos russos à Eurásia; enfraquecer os russos; cercar o Irã com uma cadeia de elementos hostis; e intimidar todos os países preocupados com essas ações para forçar a submissão, especialmente os estados ricos em petróleo, e com isso impedir qualquer possível aliança com Rússia e China. Esse continua a ser o objetivo dos EUA no Oriente Médio. Líderes poderosos e respectivos governos nunca souberam usar eficientemente a história como guia, aparentemente porque se veem como superiores e incólumes às lições do passado.

O Irã viu-se sem aliados, naquele momento. Com o consentimento dos estados do Golfo Persa, especialmente da Arábia Saudita, Israel invadiu o Líbano em 1982 para desalojar e subjugar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) liderada por Yasser Arafat, que rechaçara a iniciativa de paz do rei Fahd. Não obstante, as “consequências inesperadas” da invasão e ocupação, por Israel, de uma capital árabe (Beirute) deram ao Irã excelente oportunidade para responder aos pedidos de um grupo de libaneses que buscavam ajuda para enfrentar o agressor israelense. O imã Khomeini respondeu aos libaneses que o visitavam (e que descreveram o horror e os assassinatos cometidos pela máquina de guerra israelense): “al-jeir fima waqaa” (“o que aconteceu é uma bênção”). Só muitos anos depois aqueles visitantes entenderam o significado do que Khomeini lhes dissera.

O Irã encontrou nos xiitas libaneses solo fértil para plantar a semente de sua ideologia. A base já fora preparada em 1978. Islamistas libaneses, seguidores de Said Mohamed Baqer al-Sadr, já estavam sendo treinados em vários campos palestinos, inclusive no campo de treinamento de Zabadani (Síria), e haviam abraçado a causa palestina. Quando o imã Khomeini chegou ao poder, Said Mohamed Baqer al-Sadr orientou seus seguidores no Iraque e no Líbano para que declarassem lealdade ao imã Khomeini e que “se fundissem com ele, como ele se fundiu com o Islã” (o que significa “adotem o imã Khomeini como seu Imã e seu Marya Taqlid). O Irã conseguiu estabelecer grande compatibilidade ideológica com os xiitas libaneses, que historicamente haviam sido considerados cidadãos de segunda classe no próprio país. Seus territórios ao sul eram dados como descartáveis, e os líderes, elite e governo libaneses os deram a Israel.

A constituição iraniana estipula que o governo apoiará qualquer grupo que sofra por ação de opressores. Essa perspectiva abriu lugar perfeito para os xiitas libaneses oprimidos.

O Corpo de Guardas Revolucionários Iranianos (ing. IRGC) instalou-se no Líbano e enviou armamentos através da Síria para fortalecer a resistência islâmica, que passou a ser conhecida como Hezbollah, e a combater as forças ocupantes em seu país. Tornou-se então estabelecer uma relação estratégica com o presidente sírio, porque a maioria dos itens chegavam pela Síria.

A relação sírio-iraniana passou por muitos altos e baixos. Alcançou o ponto mais nos últimos anos do governo do presidente Hafez al-Assad, quando seu filho Bashar trabalhou como responsável por essas relações com o Líbano e em especial com o Hezbollah.

Os destinos de Líbano, Síria e Irã interconectaram-se. O presidente Bashar al-Assad lutou para manter seu país fora do conflito, quando os EUA invadiram e ocuparam o Iraque em 2003. O cerco em torno do Irã apertou ainda mais, e as forças dos EUA ocuparam o território do Iraque, vizinho do Irã. Para o regime iraquiano, livrar-se de Saddam Hussein foi uma bênção – ainda que Saddam estivesse tão enfraquecido que já não representava qualquer perigo para o Irã. O embargo imposto ao Iraque pelos EUA debilitara gravemente o país, que não tinha amigos nos países do Golfo depois que o Iraque invadiu o Kuwait e bombardeou a Arábia Saudita.

Os EUA evitaram que o Irã avançasse no apoio à resistência iraquiana para derrubar Saddam Hussein, e estabeleceram-se, os próprios EUA, no controle sobre Bagdá.

Alvos seguintes dos EUA foram então a Síria e o Líbano. O secretário de estado Colin Powell ameaçou o presidente Assad, de que era o próximo na lista de presidentes a ser derrubados, se insistisse em apoiar o Hamas e o Hezbollah. Os EUA declararam-se potência ocupante, e o direito do Iraque, de se defender, foi reconhecido em Resoluções da ONU. Assad, como Irã e Arábia Saudita, apoiaram a insurgência contra as forças ocupantes. Os sauditas rechaçaram qualquer governo dominado por xiitas no Iraque. O Irã era, mesmo, o próximo a ser atacado, na lista dos EUA. Para o Irã era menos danoso e menos caro combater os EUA em solo iraquiano, que em solo iraniano. Fortalecer os aliados iraquianos era, portanto, componente inafastável da segurança nacional do Irã e uma importante linha de defesa do país.

Em 2006, o governo Bush impôs a Olmert, pouco preparado primeiro-ministro israelense, a tarefa de destruir o Hezbollah. Foi oportunidade para entrar na Síria e cortar a linha de fornecimento de armamento iraniano. Ao eliminar aquele potente aliando dos iranianos no Líbano, os EUA e sócios prepararam-se para fechar ainda mais o cerco em torno do Irã. O Hezbollah era um obstáculo, no projeto israelense-EUA de trazer os líderes árabes à mesa de negociação, pondo fim à causa palestina e a seus defensores, ao mesmo tempo em que enfraquecia o Irã, no que os EUA supunham que fosse prelúdio à derrubada do governo do Irã.

Quando Israel bombardeou e invadiu o Líbano em 2006, com o objetivo de derrotar o Hezbollah, o presidente Assad abriu seus arsenais e ofereceu dezenas de mísseis antitanques, capazes de mudar as regras do jogo, além de tudo mais de que o Hezbollah precisasse para revidar, independentemente da superioridade da Força Aérea de Israel. Assad converteu-se em parceiro essencial na grande vitória do Hezbollah sobre Israel, no Líbano. Uma eventual derrota do Hezbollah teria tido consequências devastadoras para Síria e Irã. Foi necessário unir destinos e alianças da frente Líbano-Síria-Iraque-Irã, para garantir a sobrevivência de cada um desses países.

Em 2011, o mundo declarou guerra à Síria. O presidente Assad demorou dois anos para dar-se conta de que o plano era tanto regional como internacional, concebido para criar caos no Levante e ali gerar um estado falhado, dominado por milícias terroristas. Os mesmos mercenários e terroristas ideológicos que haviam sido plantados no Afeganistão expandiram-se e passaram a fornecer o que os EUA acreditaram que seria ferramenta perfeita para destruir o Irã e aliados do Irã.

Serviços de inteligência regionais e mundiais infiltraram-se entre os terroristas e jihadistas, e rapidamente compreenderam suas fraquezas e debilidades. Estavam, afinal, bem preparados para combater a ideologia iraniana e seus aliados. O jihadismo dos fanáticos wahabitas parecia ser o câncer perfeito para destruir o Irã em várias frentes.

Os jihadistas cresciam no Iraque e se expandiam na Síria sob os olhos dos EUA, como revelaram até fontes de dentro da inteligência dos EUA. O Levante era o mais perfeito e desejado lugar antigo onde o terrorismo poderia crescer e multiplicar-se. Foi quando o presidente Assad pediu ajuda aos seus aliados.

As forças iranianas do IRGC chegaram a Damasco e começou o caminho para libertar a Síria. A Síria, como o Iraque, oferecia linha de defesa vital para o Irã. Foi como outra plataforma de onde combater – em solo não iraniano – um inimigo que estava a ponto de migrar para o Irã (o que teria feito se a Síria tivesse sido derrotada). Uma oportunidade que o Irã não podia perder, dada a importância estratégica da Síria.

A Rússia demorou até setembro de 2015 para despertar e intervir na arena do Oriente Médio, particularmente na Síria.

Todos esses anos, os EUA planejaram e atuaram com o único objetivo de deixar a Síria sem espaço para construir alianças, preparando-se para derrotar o Irã e os aliados do Irã, o “Eixo da Resistência”, para então implantarem a hegemonia dos EUA no Oriente Médio.

Todos os países do Golfo sucumbiram ao poder dos EUA, e hoje ali estão as maiores bases militares norte-americanas da região. Os EUA deslocaram dezenas de milhares de soldados para essas bases e graças a elas os norte-americanos mantêm ali poder de fogo superior a qualquer país do mundo. Mesmo assim o Levante (Síria e Líbano) permanecem imunes aos esforços dos EUA, tentando alcançar dominação total.

Sem outros aliados, todos os esforços militares dos EUA concentrar-se-iam sobre o Irã. Os EUA teriam saltado de sanções a ataques militares, sem temer consequências. Hoje, na verdade, os EUA são obrigados a considerar o fato inquestionável de que, se o Irã for atacado, os aliados do Irã, na Palestina, no Líbano, na Síria e no Iraque desencadearão um inferno para os próprios EUA e para os aliados dos EUA no Oriente Médio.

40 anos de apoio que o Irã distribuiu na região, ergueram uma barreira de proteção em torno do país, na qual todos os aliados partilham, com o Irã, um mesmo destino.

Não há aliados, em qualquer país do mundo, que possam contar mais firmemente com o sacrifício de sua gente, nem com defesa mais bem preparada, de motivos ideológicos e objetivos comuns. O Irã não está investindo nos parceiros: está investindo na própria segurança e bem-estar. E o Irã está preparado para oferecer os mesmos sacrifícios que seus aliados oferecem ao apoiá-lo quando precisem.

Muitos iraquianos e libaneses combateram na guerra entre Iraque e Irã. Milhares de iranianos, iraquianos e libaneses do Hezbollah (dentre outros aliados) perderam a vida na Síria protegendo o bem-estar dos sírios aliados e impedindo que o país caísse em mãos de terroristas.

Muitos iranianos e libaneses morreram no Iraque apoiando os iraquianos na guerra contra os terroristas do ‘Estado Islâmico’. Iranianos e libaneses do Hezbollah combatem hoje no Iêmen, apoiando o povo contra os massacres genocidas liderados pela Arábia Saudita. Irã e o Hezbollah libanês assumiram os riscos de apoiar os palestinos na luta para libertar seu território, ter seu próprio estado e o direito de retornar. Nenhum aliado dos EUA em nenhum ponto do mundo está disposto a oferecer solidariedade comparável. O Irã construiu alianças profundas, em todos os pontos onde os EUA não encontraram qualquer apoio.

O Irã atacou diretamente a base militar norte-americana de Ein al-Assad, logo depois do assassinato do major-general Qassem Soleimani. Nenhum outro país do mundo atreveu-se a atacar diretamente os EUA e infligir-lhes mais de cem baixas nos seus efetivos, ao mesmo tempo em que continuava a desafiar a hegemonia norte-americana. O Irã nem precisou pedir aos aliados, que atuassem em sua defesa. Os EUA sonham com um Irã sem mísseis, sem drones armados, e sem acesso a inteligência de guerra. Mas os programas foram mantidos e demonstraram ser cruciais para proteger o país e impedir que se torne vulnerável.

Se o Irã não tivesse os aliados que hoje tem, e os mísseis que fabricou, os EUA teriam revidado sem pensar duas vezes.

A guerra está longe de terminar. O Irã e seus aliados permanecem ativos no centro da luta. E EUA e Israel tampouco estão sentados para ver o que acontece. A solidariedade entre Irã e seus aliados é necessária, e hoje é mais necessária que nunca. A pergunta sobre quanto do orçamento anual o Irã está gastando com seus sócios e parceiros não é relevante, ainda que iranianos possam queixar-se e até discordar dos benefícios dessa solidariedade.

Mas o espírito de sacrifício que une os aliados na luta contra os EUA, para proteção mútua em torno do Irã, no Oriente Médio, não pode limitar-se a considerações monetárias. Não tem preço.

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

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