Heloisa Abreu Dib Julien : O amor pela história

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Descendente de sírios, a paulistana Heloisa Abreu Dib Julien fez do resgate de suas origens e dos imigrantes sua missão profissional e de vida

Publicada na Revista Carta do Líbano, Ano 26-número 179-03/2021

 

 

A historiadora Heloisa Abreu Dib Julien, 60 anos, está à frente de um projeto de digitalização da memória dos imigrantes sírios e libaneses no Brasil, patrocinado pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira. O fascínio pela história, que a acompanha desde a infância, ganha força no resgate das vivências de seus ancestrais na Síria.

“Meus avós paternos, Zaki Dib e Afifi Anis Sarruf Dib nasceram em Homs, na Síria. Meu avô chegou ao Brasil, por volta de 1912 e minha avó em 1922. Casaram-se em 1926 e tiveram 4 filhos. Meu avô era comerciante de tecidos e armarinhos com loja na Rua 25 de Março. Na esquina da Rua 25 de Março e Avenida Senador Queiros, construiu um belo edifício de lojas no andar inferior e residências no andar superior onde, nos anos 1960, seus filhos construíram a Garagem Automática Senador, ainda hoje administrada pela família. Zaki Dib foi fundador do Club Homs e participava intensamente das atividades culturais e filantrópicas da época. Infelizmente, faleceu aos 64 anos, deixando minha avó ainda jovem e filhos com pouco mais de 18 anos”, conta Heloísa.

Ela, que sempre gostou de história das civilizações e história da arte, já sabia que prestaria vestibular para o curso de História quando estava no 2º grau, no Colégio Rio Branco. “Prestei apenas na Universidade de São Paulo e lá entrei. No início do bacharelado, eu me apaixonei por arqueologia e pretendia me especializar nessa modalidade. Entretanto, com o passar do tempo, minha atenção voltou-se para a história da arte, museologia e restauro de antiguidades”, descreve.

Sempre tive uma educação eclética e aberta para o mundo. Não poderia ser diferente, tendo um pai físico e uma mãe filósofa! Durante o curso universitário, seu pai, Claudio Zaki Dib, físico pela Universidade de São Paulo e especialista em tecnologia do ensino da física, chamou Heloisa para trabalhar em sua empresa, a Techne-Sistemas Educacionais e de Treinamento. A empresa foi pioneira no planejamento e na criação de projetos educacionais e treinamento empresarial e mídias educativas para as maiores corporações do Brasil, tais como Honda, GM, VW e Gafisa. “A convivência profissional com meu pai, durante quase 30 anos, desenvolveu meu senso de responsabilidade, organização e perfeccionismo, aprendizado inestimável para minha vida pessoal e profissional”, reconhece ela. “Em uma temporada em Paris, frequentei por mais de um ano a École du Louvre, onde retomei o contato com a história da arte e das civilizações. Essa experiência foi inestimável, pois abriu um novo mundo de descobertas!”, destaca, ao citar outro episódio fundamental em sua formação.

No período de 2006 a 2016, teve a oportunidade retomar às suas origens, realizando um trabalho voluntário no Instituto da Cultura Árabe – ICArabe, onde trabalhou na organização e coordenação de atividades culturais e no planejamento e coordenação de cursos oferecidos para público em geral, com o objetivo de divulgar cultura e história dos povos árabes. No ICArabe, ela se aproximou dos estudos sobre a imigração como coordenadora do Al-Mahjar – Centro de Memória da Imigração Árabe. “A partir de então, passei a focar meu interesse na pesquisa histórica, genealógica e iconográfica de famílias de imigrantes no Brasil”, informa.

Com o falecimento da avó Afifi, aos 96 anos, Heloisa tomou contato com os inúmeros álbuns de fotos cuidadosamente montados por seu avô. “Graças a esse trabalho de meu avô, cuidadosamente preservado, pude conhecer os primeiros familiares que chegaram ao Brasil. Foi enorme o meu entusiasmo, tanto que digitalizei mais de 1.000 fotos, localizando nomes e datas. Acabei por iniciar a pesquisa de dados históricos dos quatro ramos de minha família: Sarruf e Dib (sírio), Presta (italiano) e Abreu (brasileiro), montando árvores genealógicas e documentais”, detalha, com orgulho. “Essa pesquisa não está finalizada, pois a dificuldade de encontrar informações é enorme! Como me arrependo de não ter conversado com aqueles tios idosos que tinham tanto a contar!”, lamenta.

Arqueóloga da memória dos imigrantes

Atualmente, o foco de Heloisa está em dois projetos. Desde 2017, ela coordena a Lente Cultural, uma iniciativa informal que reúne um grupo de amigos docentes para realizar palestras e cursos sobre assuntos como história da arte, história das civilizações, patrimônio mundial da humanidade, genealogia, cinema, literatura, entre outros. Nesses eventos, procura priorizar a história do mundo árabe, suas tradições e manifestações artísticas.

Em 2018, Heloisa foi convidada pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira para coordenar o Projeto de Digitalização da Memória da Imigração Síria e Libanesa no Brasil, fruto de um acordo de cooperação com a Université du Saint Espirit de Kaslik – USEK, de Jounieh, no Líbano.

O projeto tem como objetivo imediato a preservação e divulgação da memória da imigração através da localização, catalogação e digitalização de documentos, fotografias, certidões, cartas, jornais, revistas, livros e registros históricos datados desde o final do século 19. A pesquisa para a localização desses documentos está sendo feita em acervos públicos e particulares e nas instituições sociais e beneméritas da comunidade sírio-libanesa.

Os documentos localizados e digitalizados pelo projeto devem compor o banco de dados da Biblioteca Digital Internacional da USEK, iniciativa do Centro Latino-Americano de Estudos e Culturas (CECAL) da USEK, dirigido pelo professor brasileiro Roberto Khatlab, já estando inseridos no projeto vários países, entre os quais a Argentina e o México. Quando a biblioteca for lançada, todos os dados poderão ser consultados, de forma gratuita e online, por pesquisadores e público em geral. “Este é um projeto de enorme importância para a preservação da memória da imigração! No período de julho de 2018 a março de 2020 foram digitalizadas 106.000 imagens!”, ressalta a historiadora. “Entretanto, meu sonho vai mais além, pois espero em breve organizar um portal interativo que possa receber as imagens de fotos e documentos vindos de todos os cantos do Brasil, assim como as histórias contadas por cada família! É um sonho, mas creio ser possível torná-lo realidade!”, revela.

Embora tenha como missão o resgate histórico dos imigrantes e de certa forma, de suas próprias origens, Heloisa nunca esteve no Líbano, nem em Homs, na Síria, terra de seus avós paternos. “Quando surgiu a oportunidade, logo após o início da Primavera Árabe, a situação da Síria não permitiu minha visita. Espero logo ter a oportunidade de conhecer o Líbano”, projeta.

“Meu pai sempre teve muito orgulho de suas raízes sírias! Minha mãe, Dora Presta de Abreu Dib, com ascendentes italianos e brasileiros, desenvolveu amor e respeito pela cultura ancestral, pois sua família sempre teve amigos dentro da coletividade árabe e admirava muito a cultura e tradição. Minha irmã e eu tivemos uma educação voltada para o conhecimento da história, costumes e cultura dos sírios e libaneses de forma natural”, recorda. A infância e adolescência de Heloisa foi passada no Esporte Clube Sírio e no Club Homs, onde seu pai foi diretor cultural e vice-presidente por vários anos. Ele foi fundador da FEARAB – Federação da Entidades Árabes e Vice-Presidente Cultural da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, o que manteve a família sempre atualizada quanto à situação política do mundo árabe e interessada na história da imigração. “Tenho muito orgulho de ser descendente de pessoas tão fortes e corajosas, que semearam trabalho duro e esperança e colheram prosperidade, amor e respeito nesta terra brasileira!”, celebra Heloisa.

Fonte: Carta do Líbano

www.cartadolibano.com.br

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