Exposição em Paris recupera 2 mil anos de presença cristã no Oriente, apesar da perseguição

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Exposição em Paris recupera 2 mil anos de presença cristã no Oriente, apesar da perseguição
Por Márcia Bechara

Será que os cristãos sempre foram perseguidos no Oriente Médio? Uma exposição no renomado Instituto do Mundo Árabe de Paris recuperou peças e depoimentos milenares para reconstituir o quebra-cabeça histórico e retraçar a presença do Cristianismo na região.

A mostra “Cristãos do Oriente – Dois Mil Anos de História” foi inaugurada no último dia 26 de setembro com as presenças do presidente francês, Emmanuel Macron, e do presidente do Líbano, Michel Aoun.

O objetivo da exposição é resgatar em profundidade a importância política, intelectual e econômica dos cristãos do Oriente na construção do mundo árabe, em tempos de paz ou de guerra com seus conterrâneos muçulmanos. Segundo a curadora da mostra, Élodie Bouffard, a exposição representa um “gesto forte”, porque “é a primeira vez que uma instituição convida seu público a descobrir o Cristianismo oriental, dos fundamentos das primeiras comunidades até sua expressão mais atual”, explica.

“São 2 mil anos de História que são apresentados durante o percurso da exposição, num processo de compreensão, histórico, civilizatório”, argumenta Bouffard. “A ideia é apresentar um testemunho da importância dos cristãos do Oriente e do papel que eles desempenharam na construção do mundo árabe como o conhecemos”, completa a especialista, que também é encarregada do acervo do Instituto do Mundo Árabe, na capital francesa.

Cristãos sempre participaram das esferas de poder no Oriente Médio

“A ideia, dentro do processo histórico, é compreender o que foi o Cristianismo oriental, como as igrejas cristãs viveram sob a dominação muçulmana, e também explicar que o tempo político não é o mesmo da sociedade”, afirma Bouffard.

“É verdade que a conquista árabe do século 7 representou uma mudança política, mas a sociedade local continua majoritariamente cristã até o século 13. Os cristãos sempre participaram das esferas de poder, do dinamismo intelectual, cultural e econômico do Oriente, principalmente no período Otomano. Eles também contribuíram expressivamente para a criação dos Estados-nação árabes”, explica a curadora.

Uma Bíblia em árabe?

Um retrato do profeta João Baptista segurando um pergaminho em árabe? São Jorge da Capadócia venerado no Egito? Ou quem sabe uma Bíblia em árabe cheia de episódios apócrifos sobre a até então desconhecida infância e juventude de Jesus Cristo?

Ao lado de obras de celebrados artistas contemporâneos de países como Líbano, Síria, Jordânia, Iraque e da Palestina, a exposição Cristãos do Oriente traz peças inéditas, muitas delas jamais vistas pelo público europeu e ocidental, um verdadeiro patrimônio vivo e testemunho milenar das questões humanas nas primeiras horas do Cristianismo.

Com recursos audiovisuais de ponta, a exposição reconstitui momentos históricos das peregrinações de Jesus pelo continente, mas também do Império Bizantino, momento em que o Cristianismo se torna religião oficial, seguido da invasão árabe do Império Otomano e mostra como as duas grandes religiões monoteístas negociaram territórios e poderes no Oriente até o século 19, quando tem início uma escalada sem precedentes de violência contra os cristãos.

Peças nunca antes vistas pelo público europeu

Um dos pontos fortes da exposição é o ineditismo do material exposto. “Tivemos a sorte de conseguir reunir peças excepcionais. Temos os afrescos sírios de Duras-Europos e os primeiros desenhos da mais velha igreja cristã conhecida do mundo, de 232 D.C. É a primeira vez que eles são mostrados na Europa. Eles estavam na Universidade de Yale e nunca tinham saído dos Estados Unidos”, destaca Bouffard.

“Mostramos também o Evangelho de Rábula do século 16, que faz parte das grandes obras de arte do Cristianismo oriental, que conseguimos com o Vaticano. Mas o que eu acho mais emocionante nesta exposição é o trabalho que fizemos com as comunidades. Conseguimos empréstimos de objetos que nunca tinham saído do Líbano, ou de Jerusalém ou do Cairo”, diz.

Segundo a curadora, a exposição recebe obras que estavam dentro de monastérios e igrejas. “Fizemos um trabalho com as comunidades locais para que eles concordassem em emprestar seus bens religiosos, para que pudéssemos apresentar um patrimônio vivo e até hoje usado como objeto da fé cristã. São obras que saem de casa pela primeira vez e que são testemunho da vivacidade e da profundidade do Cristianismo oriental hoje em dia”, finaliza.

Em tempos sangrentos de massacres no Oriente Médio, como o perpetrado pelos islâmicos radicais contra os cristãos coptas no Egito, ou a perseguição de minorias religiosas como a do povo Yazidi na fronteira entre Iraque, Turquia e Síria, nada melhor do que uma boa dose de arte e história para relembrar origens, purgar antigas feridas e começar a sonhar com a reconciliação.

A exposição “Cristãos do Oriente – Dois Mil Anos de História” fica em cartaz no Instituto do Mundo Árabe de Paris até 14 de janeiro de 2018.

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