EUA retira-se do Levante: Hora de todos reconsiderarem o próximo movimento

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21/12/2018, Elijah J Magnier Blog

O repentino comunicado da retirada iminente das forças dos EUA, do noroeste da Síria, está sendo amplamente criticado pelos especialistas norte-americanos, analistas de centros de pesquisas e muitas vozes do establishment norte-americano. Dizem que a decisão do presidente Donald Trump pode criar um vácuo que será rapidamente preenchido por alguma milícia ligada ao Irã ou pela Turquia.

Mas o maior medo dos críticos de Trump em Washington é que o território sírio ocupado pelas forças norte-americanas seja devolvido ao controle das forças do governo sírio. Outro argumento sem fundamento, que se ouve vindo de muitos desses entusiastas da ocupação é que as áreas atualmente ocupadas pelos EUA poderiam cair em mãos dos grupos terroristas ‘Estado Islâmico’ (ISIS) ou Al Qaeda; esses últimos operam atualmente nas áreas ocupadas pela Turquia na Síria, na cidade de Idlib, no norte. Se for preocupação verdadeira, como os críticos de Trump explicariam o fracasso dos EUA, que nunca dão conta de eliminar os grupos do ISIS que não arredaram pé dos setores ao longo do Eufrates na província de al-Hasaka ao longo dos dois anos de ocupação norte-americana no nordeste de Síria?

Por fim, finalmente, os críticos de Trump inevitavelmente misturam todos os argumentos acima, com a fobia preferida nos EUA. Agora dizem que a Rússia e, claro, o Irã seriam os únicos países que se beneficiarão desse movimento imprudente dos EUA.

Verdade é que a presença de exércitos norte-americanos na província síria de al-Hasaka e na passagem de al-Tanf, na fronteira Iraque-Síria é pesada carga para o governo dos EUA, e extremamente perigosa, no longo prazo. Escafeder-se do atoleiro sírio fortalecerá moral e estrategicamente a posição dos EUA na região.

Ao tempo em que espertamente o presidente Trump colhe o pretexto de uma ‘vitória’ sobre o ISIS como evidência de que sua missão estaria ‘cumprida’ e como via de escape rápido para fora da Síria, observadores regionais sabem que quem realmente derrotou o ISIS foram o governo sírio, com Rússia, Irã e outros aliados. E, isso, em toda a geografia síria.

Em fevereiro de 2018, quando as forças sírias tentaram cruzar o rio Eufrates para caçar o ISIS, os norte-americanos os atacaram e destruíram muitos comboios, o que provocou a morte de centenas de sírios e instrutores russos que – esses sim, lutavam para aniquilar o ISIS.

Outra vez, em julho de 2018, quando as forças sírias e seus aliados tentaram caçar o ISIS na estepe síria, o ISIS transferiu-se para área de 55 km protegida pelo fogo norte-americano ao redor da passagem de al-Tanf. Outra vez, os norte-americanos e britânicos destruíram vários veículo militares do exército sírio e seus aliados. A mensagem não poderia ser mais clara: com ou sem presença ativa de terroristas do ISIS, essa é área protegida pelos EUA.

Imagem: Fronteira Síria-Iraque – Quartel das milícias xiitas iraquianas atacado dia 18/6/2018 (antes e depois do ataque, 24/6/2018)

Quando a Turquia atacou Afrin em janeiro de 2018, as forças norte-americanas não apoiaram o YPG e o PKK nas províncias curdas do norte, mas, isso sim, os abandonaram à própria sorte, forçando-os a unir-se aos milhões de refugiados deslocados internos pela guerra que a Síria não escolheu e foi-lhe imposta. Os curdos opuseram-se a que o exército sírio combatesse contra a invasão turca, mesmo que a intransigência tenha-lhes custado a vida, riquezas e propriedades. Os curdos sírios seguiram o mesmo caminho que seus irmãos no Iraque, confiantes que os EUA defenderiam a causa curda. Não entenderam que o establishment dos EUA não é instituição de caridade; que os EUA têm interesses próprios pelos quais combatem, e que não combatem por curdos nem pelo bem-estar dos povos do Oriente Médio em geral.

E o establishment norte-americano não parou aí: em agosto de 2018 advertiu Rússia e Damasco para que não atacassem os bastiões terroristas em Idlib, sob o fantástico pretexto de que o governo da Síria poderia usar armas químicas! Os EUA claramente garantiram proteção moral aos milhares de terroristas jihadistas, inclusive à al-Qaeda, com base em Idlib.

A retirada dos EUA eliminaria a proteção que os EUA deram e ainda dão aos terroristas jihadistas, cuja sobrevivência passaria a depender da capacidade da Turquia para impedir que violem o acordo temporal sobre Idlib entre Rússia, Irã e Turquia.

O establishment norte-americano nunca levou a sério a luta contra o ISIS e a al-Qaeda. Quando Obama estava no poder, limitou-se a contemplar os avanços do ISIS que se fortalecia no Iraque entre 2014-15, consciente de que logo se expandiria até a Síria. Uma profundíssima preocupação com o meio ambiente levou o bom Obama a nunca atacar milhares de caminhões, pelos quais os terroristas do ISIS contrabandeavam petróleo. A mesma preocupação com o meio ambiente garantiu mais de 1 bilhão de dólares mensais para o grupo terrorista, dentre outras fontes de renda. Tudo, porque Obama tinha sincero interesse em não contaminar o meio ambiente na Síria e no Iraque.

Quando Trump chegou ao poder, prometeu retirar-se da Síria. Mas os promotores belicistas de seu círculo íntimo convenceram-no a lá permanecer por muito mais tempo. Ofereceu então apoio militar à Força Aérea de Israel, quando permitiu que os aviões de Netanyahu pousassem em al-Hasaka, convertida em base para que Israel atacasse bases próximas do exército sírio; a base iraniana T4; e, em junho de 2018, a base de comando e controle das forças se segurança do Iraque de Al Hashd al-Shaabi, ao largo da fronteira Iraque-Síria.

Bagdá protestou contra a presença norte-americana e decidiu, já no governo do novo primeiro-ministro Adel Abdel Mahdi, enviar o grosso das forças da base de Hashd al-Shaabi para as fronteiras, para limitar os movimentos de EUA-ISIS na área.

No sudeste da Síria, os EUA ficaram cercados por forças iraquianas e sírias decididas a impedir que os terroristas ISIS-EUA cruzassem fosse o Eufrates, fossem as fronteiras entre Iraque e Síria. Além disso, os EUA também abastecem, a custo muito alto e sem o correspondente benefício, as dezenas de milhares de refugiados sírios no campo de refugiados de al-Rukban.

Apesar do que dizem ingenuamente alguns, para os quais a retirada dos EUA permitiria que as forças de Teerã e aliados se transferissem para Al Hasaka para ‘preencher o vácuo”, a verdade é que a República Islâmica do Irã transportou milhares de toneladas de mísseis, armas, alimentos, medicamentos e toda a infraestrutura básica necessária para a sobrevivência do establishment sírio, durante anos, sem jamais precisar de al-Hasaka, onde hoje estão os EUA. Claro que a retirada dos EUA é vitória para o Irã, porque a retirada ajuda o principal aliado de Teerã, Bashar al-Assad, a recuperar o controle de quase 1/3 da Síria, com seus recursos de petróleo e gás, e evita que a Turquia ocupe mais território no norte.

O movimento dos EUA, de sair da Síria, beneficia sobretudo a própria Síria e os sírios. Beneficiará a Rússia e as perspectivas de paz para o mundo, porque reduz significativamente a possibilidade de conflito entre as duas superpotências, cujas forças operam hoje perigosamente próximas, uma da outra. Já aconteceram contatos fatais entre EUA e Rússia no Levante, até hoje milagrosamente sem consequências.

O Irã verá com alegria os EUA saírem da Síria. A retirada dos EUA apaziguará a preocupação dos turcos quanto às forças do YPG que colaboram com o PKK nas fronteiras; e reduzirá a probabilidade de que a Turquia amplie a ocupação de Afrin e Idlib. O Iraque também se beneficiará, por já não ter de comprometer tantas forças para vigiar os EUA, obrigado a limitar os movimentos das forças dos EUA e o risco de qualquer possível choque contra elas.

O governo belicista de Israel pode lamentar perder o acesso aos aeroportos dos EUA no território sírio ocupado. Em qualquer caso, não faltará a Israel o apoio dos EUA e aliados no Oriente Médio, para servir como plataformas para os objetivos e propósitos de Israel no Oriente Médio.

Tudo isso acima pressupõe uma retirada séria dos EUA, da Síria. A retirada pode demorar de 60 a 100 dias, como anunciado, mas pode levar mais tempo. Em qualquer caso, esse intervalo possibilitará que todas as partes repensem a respectiva estratégia. Estimulará os curdos para que voltem a Damasco e reatem negociações sem condições com o governo. Dará tempo à Turquia para pensar seu próximo movimento; e permitirá à Síria planificar a reconquista do resto de seu território ocupado em 2019. Se Damasco e Moscou decidirem que podem lidar com Idlib e al-Hasaka sem a ajuda de seus aliados, espera-se que Irã possa começar a retirar da Síria milhares de homens, sem que por isso se rompam os elos que unem Irã e Síria.

Se Trump não se retirar, pode-se crer que tenha operado para desviar a atenção e fazer esquecer o assassinato de Khashoggi. Com isso, deu aos curdos muito material para reflexão sobre o que esperar dos EUA, no futuro.

Traduzido por Vila Mandinga

 

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