EUA: o silencioso reset 

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24/8/2020, Alastair Crooke, Strategic Culture Foundation.

Artigo muito importante, mas tradução muito difícil para não economistas e não versados em financices & banqueirices.
Nunca esquecemos que os pobres só contamos conosco e com nossa gana de não nos deixar devorar.
Então traduzimos como foi possível. AÍ VAI A PRIMEIRA TRADUÇÃO, PARA SER CORRIGIDA.
Todas as correções e comentários são bem-vindos.
(Enviem a versão corrigida também p/mandingavila64@gmail.com , para distribuirmos às nossas listas e redes).

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Começou o grande divórcio. EUA agora têm plano para expurgar as chinesas tech da internet norte-americana, criando o que o governo Trump chama de “Rede Limpa” (Clean Network). É imagem especular da iniciativa da Casa Branca já em andamento, “Via Limpa sem 5G” (5G Clean Path) para remover todos os componentes chineses de todos os sistemas ‘onde estejam’, e que agora se estende a tudo que seja tech na ‘rede’.

A China teme que uma ‘Cortina de Ferro’ financeira esteja prestes a ser desenrolada – com expulsão total da esfera do dólar. De fato, já está nascendo o controle soft sobre o capital, com Bloomberg noticiando que os EUA estão exigindo que escolas e universidades desliguem-se de empresas chinesas, “em carta distribuída essa semana, avisando que medidas mais onerosas” desabarão sobre quem mantiver empresas chinesas como acionistas”.

Pelo que já se sabe, na reunião anual em agosto, no resort de Beidaihe, a alta liderança chinesa decidiu (recomendações a serem endossadas pelo Pleno do Comitê Central do PCC, em outubro) que a China deve preparar-se para a guerra; que deve construir reservas de alimento e de energia; que deve estabelecer o sistema econômico eurasiano continental; que deve repatriar seu ouro depositado no exterior; e ampliar o sistema de compensações da própria moeda (inclusive seu Yuan digital) – e preparar-se para o completo rompimento de relações com os EUA.

Contudo, enquanto a ‘mídia’ chama a atenção para os eventos desse divórcio no campo das tech e altas esferas, outra coisa muito profunda – e bem afastada dali – já está modelando a ordem monetária global (e que praticamente nada tem a ver ou sugere qualquer ‘exclusão’ dos chineses). Está-se formando para, no longo prazo, ser mais revolucionário – e contencioso – até, que o mais espetaculoso ‘divórcio’. Nem por isso tem recebido muita atenção.

Contudo, conforme se vai tornando cada vez mais evidente que não acontecerá – não, pelo menos, tão cedo – qualquer tipo de recuperação em ‘V’, conforme a ‘casa’ nos EUA pega fogo com o coronavírus, ao longo do outono e inverno, pressagiando fechamento econômico ainda mais feroz – são fortes as chances de que essa bomba, sim, se incendiará. Antes, um pouco de contexto.

No início desse mês, Zero Hedge publicou notável entrevista com dois economistas que por muitos anos foram altos funcionários do Fed – Simon Potter (ex-diretor da “Equipe Antiquebradeira”, do Fed [ing. Fed’s Plunge Protection Team], ‘apelido’ do Grupo de Trabalho sobre Mercados Financeiros do Fed) e Julia Coronado – ambos com impacto fortíssimo sobre o pensamento no Fed.

Os dois chamaram a atenção para o caráter de ‘último recurso’ da estratégia do Fed, de estímulo e resgate (no sentido de que a economia dos EUA será ainda mais gravemente paralisada pelo Coronavírus): trata-se de ‘repassar’ dinheiro por meio digital [ing. ‘to wire’ digital money] diretamente pelos aplicativos de finanças nos smartphones dos norte-americanos – deixando de lado, ‘contornando’ e excluindo completamente o sistema bancário. “Ambos propõem que se crie uma ferramenta monetária que chamam de ‘seguro antirecessão’ [ing. ‘recession insurance bonds’ (RIBs)], que repousa sobre alguns recursos novos para pagamentos digitais, ‘repassado’ por meio digital’ instantaneamente para os norte-americanos”:


“Como Coronado explica em detalhes, o Congresso daria ao Federal Reserve uma ferramenta adicional para prover apoio — digamos, uma porcentagem do PIB (numa soma a ser dividida igualmente e distribuída) aos lares, em tempos de recessão. Esse “seguro antirrecessão” [zero-coupon securities] um ativo contingente dos lares, que, basicamente seria deixado à espera. O gatilho poderia ser reaching the zero lower bound on interest rates or, as economist Claudia Sahm has proposed, a 0.5 percentage point increase in the unemployment rate. O Fed então ativaria os papéis e depositaria os fundos digitalmente nos aplicativos das famílias.

E Potter elucida: “o Congresso demorou demais para fazer o dinheiro chegar ao povo, e é confuso demais. Carecemos de infraestrutura separada. O Fed pode comprar rapidamente os papéis sem ir ao mercado privado. Dia 15 de março, digamos que a taxa de juros seja zero; ativamos quantia X daqueles papéis, e acompanhamos a taxa de desemprego – e se subir acima daquele nível, compraremos mais. Os papéis estarão na coluna dos ativos no balanço do Fed; os dólares digitais na conta das pessoas estarão na coluna dos riscos [ing. the digital dollars in people’s accounts will be on the liability side].”

Então, dias depois, o presidente do Federal Reserve, Lael Brainard, sugeriu outra vez a iminência de uma revolução monetária: “Para ampliar a compreensão e o conhecimento sobre moedas digitais, o Federal Reserve Bank de Boston está colaborando com pesquisadores no MIT, num esforço de vários anos para construir e testar uma hipotética moeda digital orientada para ser usada pelo banco central (…). É importante compreender como as provisões já existentes na Lei do Federal Reserve relativas à emissão de moeda aplicam-se a uma Moeda Digital do Banco Central [ing. Central Bank Digital Currency, CBDC], também chamada ‘dinheiro digital fiat’, e se uma CBDC teria status legal, dependendo de como for concebida”.

Assim sendo, o que levaria o Fed a buscar “esse significativo processo político”? Ora… Claro que procura mais um ponto de apoio, prevendo novo salto na pandemia. O último resgate não foi apenas “confuso demais”: também empurrou ações e papéis para a estratosfera. E cortou qualquer laço entre os preços de ativos e alguma conexão com a métrica de valores, com fundamentos, e com qualquer análise (sem fazer grande coisa a favor dos norte-americanos comuns). O que temos agora, portanto, é um mercado focado só em narrativas, que deu as costas à realidade. É ‘evento’ que também tem implicações.

É muito evidente, é óbvia, a possibilidade de o Fed ‘imprimir’ dólares digitais, a serem enviados online para aplicativos de receber moeda digital, como novo mecanismo de estímulo – repleto de sobretons de fórmula de um ‘Davos Reset para caminhar rumo a um modelo global digital de Renda Básica Universal. Também é muito evidente, é óbvia, a tentação, para ‘políticos, de pagarem por quaisquer ideias que apareçam para ‘projetos’ que caminhem nessa direção.

Mesmo assim, ainda é só metade da ‘Revolução’ – dois outros componentes já foram descartados. Primeiro, as pessoas veem que o governo dos EUA absolutamente não pode suportar a carga da dívida sem que, simplesmente, o banco central ‘imprima’ mais dinheiro. Poucos em Wall Street verão como solução essa ideia. Acreditam que distribuir dinheiro digital diretamente mediante aplicativos gerará inflação. E inflação pode derreter a carga de dívida dos EUA, mediante a desvalorização da moeda.

Em segundo lugar, em abril, o Fed já modificou o Supplementary Leverage Ratios (SLR) para excluir os papéis do Tesouro dos EUA das exigências da relação capital-ratio. Em inglês [português] simples, significa que os bancos comerciais podem comprar qualquer quantidades de instrumentos da dívida do estado, sem ter de reservar capital em seus balanços para apoio àquelas compras. Para que possam (enquanto as taxas são positivas, ainda que só marginalmente) comprar e fazer renda nominal. Em junho, os bancos dos EUA aumentaram em 48% seus papéis do Tesouro. Efetivamente, o Fed facilita a criação de crédito; os bancos usam esse crédito para comprar papéis de Tesouro; e o governo então gasta o dinheiro.

Abracadabra. Como na festa do Chapeleiro Louco – coisas acontecem, do nada! Não apenas uma vez, mas duas: dado que o Fed também operou seu truque, ao multiplicar o valor do resgate pelo Tesouro – ao garantir crédito em base de 10:1 para o veículo de objetivo especial do Tesouro. (O Fed diz que não é gasto direto, que seria ilegal).

Então, ponhamos tudo isso em alguma espécie de lógica:

Em primeiro lugar, os EUA já começaram a trilhar o caminho rumo a uma economia estatizada (nacionalizada, com gestão centralizada gerida) – um pouco como a da China. O Tesouro e Blackrock Hedge Fund (que gerencia, em nome do Tesouro, a distribuição de resgates pelo Congresso) tomam agora as decisões de vida ou morte (econômica) para os businesses norte-americanos – dos maiores, até os menores.

Aí está um ‘grande reset’. E como a maioria das medidas temporárias, chegou para ficar. O que não soará agradável, considerado o Presidente dos EUA? Agora, o Presidente controla a emissão de ‘dinheiro’, com Tesouro e Fed já efetivamente fundidos. E o Presidente pode ‘controlar o leme’ da economia dos EUA, mantendo-o fixo no rumo de algum ‘interesse nacional’, durante sua guerra tech contra China (e Europa). Livre mercado? Deixou de existir, nos EUA!

Em segundo lugar, essa guerra financeira já está em curso. A China provavelmente usará seu próprio sistema de compensação financeira, e o Banco Central chinês já usa o yuan digital, para deixar para trás o sistema SWIFT de compensação e o EUA-dólar. De diferente, que esse processo implicará que outros sejam pagos em moeda digital não fungível que só pode recircular para pagar por produtos chineses. Ou talvez não? Como o mercado futuro de petróleo de Xangai, vendedores estrangeiros podem fazer suas vendas mediante instrumentos da dívida chinesa, ou podem pagar no mercado de ouro físico.

Mas, além de EUA e China, também Rússia, Itália, Irã e Reino Unido já planejam, dentre outros estados, a própria moeda digital do banco central [ing. Central Bank Digital Currency, CBDC]. Estamos caminhando, nesse caso – em tempos de guerra financeira aprofundada – rumo a meios de pagamento múltiplos, digitalizados não fungíveis ou quase fungíveis, como algum neonormal?

Em terceiro lugar, o mundo volta a precisar de ouro, em troca de EUA-dólares. E os corretores primários do Fed – alguns dos quais operam como bancos de metais preciosos (em barra ou em papel) [ing. bullion banks — parecem não ter como atender. Mas, com o advento do Coronavírus, o sistema financeiro dos EUA está sendo obrigado a reduzir, até territórios negativos, as taxas de juro real – o que torna o ouro mais atraente que papéis do Tesouro dos EUA em processo de desvalorização.

Tradicionalmente, o Fed sempre controlou o mercado de ouro, para evitar que o ouro faça concorrência efetiva ao – ou, mesmo, que desloque – o EUA-dólar, como instrumento monetário primordial. Mas alguém, ou alguma entidade, em algum lugar, está em disputa ativa, contra o banco central dos EUA, por esse controle. Resumindo: o processo de manipulação, tradição do Fed, está falhando. E ao menos que o Fed possa segurar o preço do ouro, e recuperar o controle, é muito provável que o mundo assista a uma espiral acelerada descendente no valor do dólar vis à vis o ouro.

Aqui finalmente chegamos ao xis do problema. Ao delinear a ‘revolução’ monetária em curso nos EUA, vê-se que há aí muita coisa que agrada ao contingente ‘Davos’ de Wall Street: a passagem do dinheiro digital, para o dinheiro digital; Bancos Centrais que emitem dinheiro digital (embora a gangue ‘Davos’ preferisse que a emissão fosse feita por autoridade global); o fim do papel-moeda; e o sistema de transparência e controle que a digitalização pode permitir. Alguns desses fatores – como a instrumentalização política de aplicativos para smartphone – ganharam impulso considerável, com o Coronavírus.

Mas o EUA-establishment está profundamente dividido. Sim, há um poderoso componente globalista, de Wall Street, que apoia Davos; mas outros no “Estado Permanente”,[1] inclusive alguns entre os neoconservadores, prefeririam morrer num lixão, a perder a hegemonia do EUA-dólar – sob as pressões indubitáveis da atual recessão econômica. Esses tendem a apoiar a reeleição de Trump.

Chegamos assim ao ponto em que se encaixam as últimas peças: os mercados norte-americanos de ativos estão nesse momento desligados de todos os fundamentos; são hoje regidos por um “não resista contra a narrativa”, e por medo existencial de estar “perdendo sua hora e sua vez”.

Em outras palavras: as altas do mercado de ações, completamente desancoradas, à deriva – às quais se agarram as esperanças de Trump para a reeleição – são altamente vulneráveis. Os humores podem mudar numa piscadela de qualquer emoção beligerante movida a adrenalina; e tudo pode desmanchar-se no ar. Para que aconteça, basta surgir outra narrativa.

E que narrativa seria essa? Ora, o ‘Oráculo’ de Omaha, Warren Buffet, apareceu essa semana com narrativa das mais inesperadas. Apesar de não ser conhecido como ‘mosca do ouro’, foi visto derrubando ações e comprando ouro e mineradoras de ouro. O que falta para disparar a venda em outubro, se o dólar continuar ladeira abaixo, e as taxas de juros, ladeira acima?

Mr. Soros sorriu?

[1] Ing. Deep State, frequentemente traduzido ao português do Brasil como “Estado Profundo”. Optamos pela tradução mais politizada, “Estado Permanente”, porque, afinal de contas, o tal “Estado” não é ruim por ser ‘profundo’: é ruim por ser permanente – eterno, inalcançável por eleições e quaisquer outras instituições democráticas (NTs, com informações de Brian Mier, em 247, Globalistas).

Traduzido por Vila Mandinga

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