EUA estão sem aliados para fazer guerra à China

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Conflito EUA X China vive pior fase, segundo economistas — o que esperar? | Exame

14/10/2020, Moon of Alabama

EUA querem fazer frente à importância mundial crescente da China, no campo econômico e no campo político.

O governo Obama tentou um movimento de “pivô para a Ásia”, construindo um zona econômica de baixas tarifas mediante a Parceria Trans-Pacífico, PTP (ing.  Trans Pacific Partnership (TPP). Pensava em excluir a China. O governo Trump rejeitou a PTP e retirou-se dela. Lançou guerra econômica contra a China aumentando tarifas sobre produtos chineses, proibindo fornecimento de itens de alta tecnologia a fabricantes chineses e negando a empresas chinesas o acesso ao mercado norte-americano.

Tentou também construir uma coalizão militar que que o ajudaria a ameaçar a China. Ressuscitou o Diálogo Quadrilateral de Segurança de 2007-8 e rebatizou-o como “Quad de Consultas EUA-Austrália-Índia-Japão. A meta era converter o “Quad” numa OTAN asiática sob comando dos EUA:

O diplomata n. 2 na hierarquia do Departamento de Estado disse na 2ª-feira que Washington visava a “formalizar” crescentes laços estratégicos com Índia, Japão e Austrália num fórum conhecido como “o Quad” —, movimento que especialistas dizem que seria implicitamente projetado para conter a China na região do Indo-Pacífico.

“É fato que a região do Indo-Pacífico carece atualmente de estruturas multilaterais. Não contam com nada das dimensões da OTAN ou da União Europeia (UE)” – disse o vice-secretário de Estado dos EUA Stephen Biegun, em seminário online organizado durante a reunião anual do Fórum Parceria Estratégica EUA-Índia.

“Há certamente um convite, a certa altura, para que se formalize uma estrutura desse tipo” – acrescentou.

Mas o que se viu é que nem Austrália nem Japão nem Índia tem qualquer interesse em endurecer em relação à China. Todos veem a China como importante parceiro comercial. Sabem que pagarão muito caro por qualquer conflito com a China.

Dia 6 de outubro, o secretário de Estado Mike Pompeo voou para Tóquio para se reunir com os demais ministros de Relações Exteriores do Quad. Rapidamente descobriu que ninguém o acompanharia naquela sua conversa de agitador militante.

Em reunião com ministros de Relações Exteriores de Japão, Índia e Austrália em Tóquio, o secretário de Estado Mike Pompeo conclamou-os a reforçar aquele quarteto de democracias, para resistir contra uma China cada vez mais assertiva.



Se, como pareceu, Pompeo tentava conseguir que outros membros do Quad tomassem as dores dos EUA num confronto com a China, nada conseguiu, e suas ideias colidiram frontalmente com as do anfitrião.

Pompeo atacou furiosamente o Partido Comunista Chinês, na fala aos mais altos diplomatas dos quatro países, sentados para conversações.

“Como parceiros nesse Quad, é hoje ainda mais crítico do que nunca antes, que colaboremos para proteger nossos povos e nossos parceiros contra a exploração, a corrupção e a coerção que o PCC exerce” – disse ele.

Mesmo assim, o principal porta-voz do governo do Japão, Katsunobu Kato, insistiu, na 3ª-feira, em reunião com a imprensa: “Essa reunião do Quad não está discutindo qualquer país em especial.”

Austrália e Índia também cuidaram atentamente de nada dizer que pudesse ofender a China.

A iniciativa de Pompeo fracassou. O ex-embaixador da Índia, M. K. Bhadrakumar explica por que o Quad não decolará:

É impossível derrotar a China, dado que – diferente da URSS – é parte da mesma sociedade global da qual participam os EUA. Vejam o quanto é ampla a gama de campos de batalha nos quais EUA e China confrontam-se: governança global, geoeconomia, comércio, investimento, finanças, moedas em uso, gestão da cadeia de suprimentos, padrões e sistemas de tecnologia, cooperação científica, a lista é longa. É fácil ver o vasto alcance global da China. Nada disso acontecia na URSS.

Mais importante, a China não tem qualquer ideologia messiânica a exportar. Prefere oferecer um modelo que resulta do próprio desempenho. Nada a ver com instigar ‘mudança de regime’ em outros países e, na verdade, convive muito bem com outras democracias.

Os EUA criaram a Associação de Nações do Sudeste da Ásia, ANSA (ing. ASEAN, composta de Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura e Tailândia, desde 1967; Brunei, a partir de 1984; Vietnã desde 1985; Mianmar e Laos a partir de 1997 e Camboja desde 1999), mas hoje nenhum ‘parceiro’ asiático para segurança interessa-se por escolher entre EUA e China. A ANSA não pode ser ‘reorientada’ para se converter em coalizão contra a China. Nenhum desses países, ainda que haja questões no Mar do Sul da China, tem interesse em se associar ao tumulto naval que os EUA tentam criar contra a China.

A China tem recursos, também dinheiro, mas não só, a oferecer aos parceiros, e o orçamento dos EUA vive em déficit crônico; até operações oficiais de rotina tem agora de ser financiadas com mais e mais dívida. Os EUA, hoje, têm de ‘inventar’ os recursos de que carece para manter a própria infraestrutura humana e física em níveis competitivos na relação com China e com outras grandes potências econômicas.

Por que, afinal de contas, a Índia precisaria deixar-se envolver nesse negócio sombrio, cujo clímax é inevitável?

A China não precisa combater guerras que já está vencendo.

Os EUA também tentaram incitar seus aliados europeus na OTAN, a se posicionar contra a China:

O secretário-geral da OTAN Jens Stoltenberg alertou no sábado, que a crescente influência da China criou “mudança fundamental no equilíbrio global de poder”, a qual não pode ser subestimada.

Em entrevista ao jornal alemão Welt am Sonntag, o funcionário norueguês lembra que Pequim tem o segundo maior orçamento para a Defesa em todo o mundo, menor apenas que o dos EUA, e continua investindo pesadamente em armamento nuclear e mísseis de longo alcance, que podem alcançar a Europa.

“Uma coisa é certa: a China aproxima-se cada vez mais da Europa” – disse ele. – “Os aliados na OTAN devem encarar juntos esse desafio.”

A iniciativa dos EUA fracassará na Europa tão rapidamente quanto o Quad fracassou na Ásia e pelas mesmas razões. A China não representa qualquer perigo ideológico ou militar para a Europa. É um gigante econômico e todas as relações com a China têm de ser cuidadosamente conduzidas. Esses cuidados incluem respeito e conversação, não agitação e barulheira de sabres.

A China já ultrapassou os EUA como principal parceiro comercial da União Europeia:

Nos primeiros sete meses de 2020, a China ultrapassou os EUA e tornou-se o maior parceiro comercial da União Europeia – disse Eurostat, organização que centraliza os serviços de estatística da UE.

As exportações da China para a UE cresceram 4,9% ano a ano, no período de janeiro a julho – informa Eurostat.

Segundo o Serviço Federal de Estatísticas da Alemanha, maior economia da UE, a China – que desde 2016 já era o maior parceiro econômico da Alemanha –, ultrapassou os EUA pela primeira vez no segundo trimestre desse ano, e tornou-se o maior mercado de exportações alemãs; as exportações alemãs para a China, voltaram em julho praticamente ao nível do ano passado.

É hora de os EUA olharem-se num espelho e acordarem para a realidade. São país terrivelmente endividado, com forças armadas tão descabidamente caras como descabidamente não efetivas. Ao longo das décadas recentes, o papel econômico dos EUA no mundo declinou continuadamente. Posições sempre duramente militantes e a atitude de ‘me obedeça ou morre’ acabaram por afastar todos os aliados e possíveis aliados. Sem aliados, os EUA não têm qualquer chance de derrotar a China em qualquer conflito possível.

Ainda resta aos EUA a possibilidade de competir honestamente com a China. Para isso ainda terão de aprender humildade e de construir política industrial forte e força de trabalho bem remunerada e competitiva.

Nada disso aparece hoje à vista, não importa para que lado se olhe.

Traduzido por Vila Mandinga

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