Está sentindo o cheiro do que o Califa está cozinhando?

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AFP / Ahmad AL-Rubaye

AFP / Ahmad AL-Rubaye

Por Pepe EscobarRussia Today
Tradução: Vila Vudu

Semana que vem é o 13º aniversário do 11/9. E Washington voltou a bombardear… O Iraque, sim, tudo outra vez – eco sinistro do mais trágico dos desenvolvimentos do pós 11/9: Operação Choque e Pavor.

Osama bin Laden, supostamente no fundo do Mar da Arábia (como reza o ‘noticiário’ oficial), foi dado como a personificação da visão de mundo wahhabista intolerante que enlouquecera de vez. Depois seu wahhabismo casou-se com o islamismo egípcio de Sayid Qutb, personificado pelo Dr. Ayman al-Zawahiri.

Qutb, morto pelo regime egípcio no final dos anos 1960s, foi o profeta rebelde de uma jihad global entre o Islã e o ocidente. Mas seus filhos zelosos – da corrente de Osama/al-Zawahiri à corrente do Califa Ibrahim do ISIL/EI [Estado Islâmico do Iraque e Levante/Estado Islâmico] – foram muito além, a jihad deles tomando por alvo civis e até muçulmanos.

Agora, o Califa Ibrahim manobrou Washington para pô-la de volta a bombardear o Iraque – e, potencialmente, também a Síria. Obama, dando um trato no ‘Siriaque’. Mas, e mais crucialmente importante, e se Obama estiver cumprindo ordens da Al-Qaeda?

Combinaria perfeitamente com a arapuca que Osama montou cuidadosamente – ao longo dos anos – de finalmente dar jeito de expelir os EUA do Oriente Médio, via guerra de atrito constante, fazendo sangrar lentamente o Império do Caos. Eric Margolis aludiu a essa possibilidade em “Ultraje cauteloso1”.

No mínimo, os EUA e alguns aliados seletos sim andaram cumprindo ordens da Al-Qaeda – mesmo que ISIL/EI tenha-se separado da Al-Qaeda “histórica”.

A “coalizão de vontades” de Obama, para dar combate ao ISIL/EI/O Califa, inclui Grã-Bretanha, Austrália, Qatar, Arábia Saudita, Turquia, Jordânia e os Emirados Árabes Unidos. Nada menos que cinco desses sete são os que treinaram/armaram/viabilizaram as “flores do mal” de ISIL/EI que desabrocharam na Síria.

Assim sendo, não surpreende que a Rua Árabe esteja afogada em ceticismo sobre quem realmente comanda o show do ISIL/EI. Não pode ser Abu Bakr al-Baghdadi, codinome Califa Ibrahim, sozinho. Como é que o Califa, saído do nada, atravessa o deserto com deserto completamente armado, artilharia e tudo, para capturar território maior que o da Grã-Bretanha? [Sugestão de leitura do OM: Iraque: Entendendo o golpe em Mossul e suas consequências]

Entrementes, o poderoso lobby2 de Relações Públicas da Casa de Saud é absolutamente monolítico; o wahhabismo – que andou incendiando/financiando fanáticos em todo o mundo desde os primeiros dias da jihad antissoviética no Afeganistão – não deve de modo algum ser culpado pelo que O Califa anda aprontando. Mas foi a ideologia saudita que, em última instância, gerou o Califa Frankenstein e o pôs na liderança dos filhos enlouquecidos da “revolução” síria.

AFP / Ahmad AL-Rubaye

AFP / Ahmad AL-Rubaye

Mostre o dinheiro

O ISIL/EI é uma máquina formidável azeitada por todas as modalidades de extorsão, sequestros com pagamento de resgates, assaltos a bancos e roubos de joias e cobrança de ‘taxas de proteção’ por onde passem. Mas o Santo Graal é, definitivamente, contrabando de petróleo.

O Califa agora controla sete poços de petróleo e duas refinarias no norte do Iraque, mais seis campos de petróleo no nordeste da Síria – extraindo, com realismo, pelo menos 40 mil barris/dia. Vendem todo esse petróleo ao preço de de $25 a um máximo de $60 o barril. O cru brent, para comparar, está custando hoje mais de $100 na Bolsa de Valores London ICE Futures Europe.

O Califa está fazendo seus $2 milhões por dia, tudo pago em dinheiro ou trocado por bens. Ninguém sabe quem está comprando da complexa rede de distribuição dos intermediários a serviço do Estado Islâmico, mas fato é que o petróleo flui do “Siriaque” controlado pelo Califa, para Turquia e Jordânia.

Assim cheio de dinheiro, não surpreende que os exércitos do Califa estejam marchando em direção a Aleppo; estão a menos de 50 km, e podem em breve tomar algumas áreas dos subúrbios leste.

O governo Obama, enquanto isso, prefere superar-se, sancionando a Rússia. Se fossem realmente sérios quando falam contra o Califa, já estariam seguindo o dinheiro, usando inteligência local para rastrear o dinheiro e descobrir onde está (e certamente não está em banco). Não. Em vez disso, a retórica do Departamento de Estado é só sobre bombardear – mais uma ironia histórica – material norte-americano que ficou para trás, deixado lá pelo exército iraquiano; mais drones; e, eventualmente, mais “coturnos em solo”.

Os “sabidos sabidos” – para citar Donald “Rummy” Rumsfeld – no “debate” na Beltway informam que, para a CIA e o Pentágono, combater o Califa é a desculpa absolutamente perfeita para eventualmente impor ‘mudança de regime’ nos dois países, Iraque e Síria.

Washington já está ficando mudança-de-regimista em Bagdá. CIA e Pentágono estão pensando em termos de bombardeamos o Califa/Califa ataca Assad/Hezbollah se envolve/Dividir e governar cada vez mais e Mais-Caos/Bombardeamos um pouco mais/Assad cai.

O problema é que não funcionará. Washington pensava – antes de o Califa capturar Mosul – que o Califa estava sob controle. Mas o homem pensa com a própria cabeça – e muito dinheiro que ainda chove vindo de poderosos apoiadores sauditas e kwaitis, sem contar o contrabando de petróleo. O Califa sonha com envolver-se intimamente na sucessão da Casa de Saud e talvez até fazer um lance ele mesmo, pelo poder.

Sou assassino serial muito melhor que você

O Estado Islâmico é produto do sinistro Tawhid & Jihad (“Monoteísmo e Guerra Santa”) liderado pelo assassino serial jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, incinerado por um míssil norte-americano em 2006. Zarqawi jurara fidelidade a Osama em 2004, e rebatizou seu grupo como Al-Qaeda no Iraque (AQI). Depois que morreu, AQI passou a ser Estado Islâmico no Iraque (ISI).

Passaram-se anos para que seu sucessor, Ibrahim al-Badri, também conhecido como Abu Bakr al-Baghdadi, codinome Califa Ibrahim, convertesse o ISI em ISIL (acrescentando o Levante) e tentasse absorver a franquia síria da Al-Qaeda, Frente Al-Nusra.

Al-Zawahiri, por sua vez, nunca gostou nada-nada, dessas confusões. Insistia que a Frente al-Nusra era o único assunto realmente jihadista. Al-Baghdadi ouviu a maior descompostura: lutar no Iraque, não na Síria. Movimento errado, al-Baghdadi acabou por dizer a al-Zawahiri que fosse se catar.

E al-Zawahiri afinal “excomungou” o ISIL.

Assim nasceu o mito de que o ISIL/EI seria muito mais linha-duríssima que a Al-Qaeda – magnífico movimento de Relações Públicas assinado pelo Califa, para promover-se, ele mesmo e o carisma do seu grupo. Para a geração da Jihad multinacional Google, se o grande mufti do Egito, o grande mufti da Arábia Saudita e a Organização de Cooperação Islâmica (OCI) todas falam contra o ISIL/EI… é porque o que realmente importa é o ISIL/EI. E são ricos, armados até os dentes e comandam grande território. É reduzir a pó o acordo Sykes-Picot.

Assim sendo, sim, sim, o Califa está, sim, pondo em operação a arapuca de Osama – ao seu modo. Zarqawi tentou pô-la em funcionamento. E Zarqawi é o predecessor de al-Baghdadi. Mas isso é só parte da história.

O caldo, mesmo, é como o Califa legitimou agora a Guerra Global ao Terror (GGT) para durar “décadas”, nas palavras do primeiro-ministro britânico David Cameron. Os infatigáveis “altos oficiais militares norte-americanos” entraram em alerta vermelho, alertando que o ISIL/EI em breve “ameaçará” EUA e Europa. O Califa é o neo-Osama.

E isso só um ano depois de Obama – armado com sua própria linha vermelha que ele mesmo se impôs – ter estado a um passo de bombardear a Síria porque “Assad tem de sair” havia “usado gás contra seu próprio povo”. E quem conseguiu salvar Obama dessa insanidade foi ninguém menos que o presidente Vladimir Putin e o ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergei Lavrov – agora atacados na demonização vingancista pelo Império do Caos.

Hollywood não teria conseguido inventar roteiro mais forçado e mal costurado.
Do fundo das vísceras de sua morada palaciana no “Siriaque”, podem-se ouvir as gargalhadas do Califa.

Abu Bakr al-Baghdadi.(Reuters / Mídia de redes sociais)

Abu Bakr al-Baghdadi.(Reuters / Mídia de redes sociais)


Original: Can you smell what The Caliph is cooking?
1Cautious Outrage
2The Saudi lobby

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