Erdogan-presidente: renascimento do Império Otomano

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Igor Siletsky

Fonte: Voz da Rússia

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“A Turquia está renascendo das cinzas”, acredita Recep Tayyip Erdogan. O discurso patético do já ex-primeiro-ministro turco foi dedicado à sua vitória nas eleições presidenciais.

 

O novo chefe de Estado disse que pretende ser “não só o presidente de todos aqueles que votaram nele, mas também o presidente de todos os turcos”. Os analistas, entretanto, estão mais preocupados com as mudanças que a política externa de Ancara irá sofrer.

Desde 1923 até hoje, o presidente da Turquia era eleito pelo parlamento do país. Só recentemente a constituição foi alterada. E Erdogan se tornou o primeiro presidente moderno turco eleito por voto popular. Nas eleiçoes ele recebeu cerca de 52 por cento dos votos.

“Hoje é um marco na história da Turquia. Hoje nasce um novo país”, disse ele ao público depois de terem sido divulgados os resultados da votação.

Erdogan terá que formar um novo governo do país, o qual, juntamente com o presidente, deverá garantir à população o crescimento econômico a que ela já se acostumou. Em média, de 2002 a 2011, a economia da Turquia tem crescido em 5,5 por cento ao ano. Nos últimos dois anos a taxa de crescimento diminuiu ligeiramente. No entanto, foram justamente os indicadores econômicos que se tornaram o principal argumento a favor de Erdogan-presidente, acredita o analista político Stanislav Tarasov:

“O partido de Erdogan, nos anos de governo do país, realmente conseguiu um incrível sucesso econômico. A Turquia ocupou um lugar seguro entre os G20, e Erdogan, obviamente, pedalou essas conquistas econômicas. Enquanto a oposição explorou mais as histórias do recente escândalo de corrupção, discutia as nuances da política externa. Mas a grande maioria do eleitorado reagiu ao que vê no dia a dia: o país está mudando”.

O mesmo pragmatismo que norteia Erdogan no interior do país vai também determinar a política externa da Turquia sob sua administração, acredita o presidente do Instituto do Oriente Médio Evgueni Satanovsky:

“Eu não acho que Erdogan-presidente irá fazer algo diferente daquilo que fazia o Erdogan-premiê. A Turquia – até ela substituir em seu mercado o gás e o petróleo russos, e até acabar o comércio russo-turco, até for construída a usina nuclear de Akkuyu, que deve dar de 5 a 10 por cento da produção de energia na Turquia, – vai manter um esplêndido relacionamento com a Rússia. Não é por acaso que a Turquia não deixa os porta-aviões norte-americanos entrarem no mar Negro, sendo um membro da OTAN e alegando indicadores bem legítimos de tonelagem. Isso não aconteceu nem durante a guerra da Geórgia em agosto de 2008, nem durante a “crise da Crimeia”. Além disso, empresas turcas dizem que vão investir na Crimeia, e estão hoje participando em concursos”.

A política de Recep Tayyip Erdogan é frequentemente chamada de imprevisível. Mas o político simplesmente muitas vezes “joga em vários tabuleiros”, nota o conselheiro-chefe do Instituto de Estudos Estratégicos Russo Vladimir Kozin:

“Por um lado, ele entra em polêmica com Israel por este estar atacando os palestinos. Por outro lado, ele quer, da mesma forma como o Ocidente, derrubar Bashar Assad na Síria. Ele se pronuncia a favor da estabilização da situação na região e no mundo em geral, mas ao mesmo tempo mantém em seu território armas nucleares táticas norte-americanas. E recentemente colocou várias baterias de mísseis Patriot na província de Malatya. Tal é a independência de Erdogan nas relações com alguns países quando ele acredita que eles estão errados e a Turquia está certa”.

Analistas explicam tal diversidade da política externa de Erdogan por o novo presidente ser um adepto da política do chamado “neo-otomanismo”. Sua finalidade é reavivar parcialmente em forma moderna o Império Otomano, tornando a Turquia um centro de poder regional.

Durante muitos anos, uma das alavancas de influência do Ocidente sobre a política de Ancara foi a promessa de aceitar a Turquia na União Europeia. Mas já durante os anos que Erdogan foi primeiro-ministro tornou-se claro que o peixe largou o isco. Os turcos não acreditam mais na perspetiva do “paraíso europeu”, e decidiram criar o seu próprio.

A imprensa ocidental preza altamente os resultados do trabalho anterior do novo presidente. Segundo o jornal londrino The Times, milhões de pessoas foram retiradas da pobreza, novos hospitais oferecem atendimento médico gratuito. Ele domou o exército e foi o primeiro que começou a negociar com a minoria curda. Tudo isso, segundo os autores do artigo, fez da Turquia um modelo para os Estados abrangidos pela Primavera Árabe.

Com tudo isso, a Europa teme que Erdogan não hesite em expandir os poderes presidenciais e “possa se tornar um novo Putin”. E para o Ocidente “um Putin já é demais”, escreve o The Times.

Ora, Erdogan, provavelmente, continuará sendo Erdogan. O mesmo de antes: para alguns imprevisível, para outros demasiado independente. Mas certamente ele irá construir sua política à maneira do Oriente: partindo do que convier a Ancara, e não a Bruxelas ou Washington.

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