Entrevista com o patriarca de Antioquia, Grégoire III Laham Nós somos a Igreja do Islã

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O Islã é o nosso ambiente, o contexto em que vivemos e com o qual somos historicamente solidários. Vivemos há 1400 anos no meio deles. Compreendemos o Islã por dentro. Quando ouço um versículo do Alcorão, não é uma coisa estranha para mim. É uma expressão da civilização a que pertenço

Entrevista com o patriarca de Antioquia, Grégoire III Laham

Por Gianni Valente

Gregório III Laham – Wikipédia, a enciclopédia livre

Grégoire III Laham, patriarca dos greco-melquitas de Antioquia

Grégoire III Laham, patriarca dos greco-melquitas de Antioquia desde novembro de 2000, não está certamente desprovido da enérgica impetuosidade que representa o traço distintivo de muitos patriarcas e bispos da Igreja a que pertence. A mesma já mostrada por seu predecessor, Máximos IV Saigh, que incendiava o Concílio Vaticano II com seus discursos contra a “papolatria” em nome da “causa oriental” dentro da Igreja Católica. Os discursos de Grégoire III no Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia, sobretudo durante a sessão de discussão livre, também não passaram despercebidos.

Seu discurso no Sínodo foi insólito. O senhor falou em nome da “Igreja dos árabes”.

GRÉGOIRE III LAHAM: O bispo melquita Edelby, que participou do Concílio Vaticano II como protagonista, repetia sempre: nós somos árabes, não muçulmanos; orientais, não ortodoxos; católicos, não latinos. Eu acrescento: nós somos a Igreja do Islã.

É a mesma expressão que o senhor usou em seu discurso. Queria escandalizar alguém?

GRÉGOIRE III: O Islã é o nosso ambiente, o contexto em que vivemos e com o qual somos historicamente solidários. Vivemos há1400 anos no meio deles. Compreendemos o Islã por dentro. Quando ouço um versículo do Alcorão, não é uma coisa estranha para mim. É uma expressão da civilização a que pertenço.

Por que falou disso no Sínodo sobre a Eucaristia?

GRÉGOIRE III: A meu ver, depois de 11 de setembro, há um complô para eliminar todas as minorias cristãs do mundo árabe.

Por qual motivo?

GRÉGOIRE III: A nossa simples existência derruba as equações segundo as quais os árabes só podem ser muçulmanos, e os cristãos só podem ser ocidentais.

E a quem isso incomodaria?

GRÉGOIRE III: Se os caldeus, os assírios, os ortodoxos e os católicos latinos forem embora, se o Oriente Médio for limpo de todos os cristãos árabes, ficarão, um de frente para o outro, um mundo árabe muçulmano e um mundo ocidental chamado cristão. Será mais fácil desencadear o conflito e justificá-lo usando a religião. Por isso, escrevi em julho uma carta a todos os governantes árabes, para explicar o quanto é importante que essa pequena presença, 15 milhões de árabes cristãos espalhados no meio de 260 milhões de muçulmanos, não seja varrida.

Mas os ataques e as vexações contra os cristãos vêm dos integristas islâmicos.

GRÉGOIRE III: A guerra no Iraque e a situação na Terra Santa são golpes mortais para os cristãos no Oriente Médio. Querendo ou não, acabamos etiquetados como a quinta-coluna do Ocidente. Mas a força do fundamentalismo está na fraqueza do chamado Ocidente cristão. O fundamentalismo é uma doença que se desencadeia e se afirma diante do vazio da modernidade ocidental, que usa o cristianismo só como cobertura ideológica. Se o Islã tivesse realmente diante de si uma cristandade real, acolhedora, límpida, forte, capaz de testemunho, se o Ocidente fosse realmente animado pela força espiritual cristã, a relação com o Islã seria uma inte-ração, um diálogo, uma convivência leal.

Enfim, na sua opinião o Islã não é o novo império do mal.

GRÉGOIRE III: Em tudo o que está acontecendo no Oriente Médio, a partir do Iraque, muitas coisas continuam obscuras. Estão em jogo forças que trabalham para nos lançar todos no apocalipse. O papa Bento XVI agiu bem quando, em Colônia, disse que os cristãos e os muçulmanos devem se unir diante desses grupos desenfreados que idealizam e programam o terrorismo para envenenar as nossas relações.

Voltemos ao Sínodo. Quando o cardeal Scola disse que o celibato sacerdotal tem um fundamento teológico, o se­nhor teve de retrucar.

GRÉGOIRE III: O celibato sacerdotal tem um valor espiritual extraordinário, que ninguém põe em dúvida. Expressa uma doação perfeita ao Senhor e deu frutos formidáveis tanto no Oriente quanto no Ocidente. Eu diria mais: também não me convence o discurso de quem pede a abolição dele tomando como pretexto a carência de sacerdotes. No Oriente, com os sacerdotes casados, sofremos também da mesma penúria de clero. Dito isto, continuo a considerar que o celibato eclesiástico é uma questão de disciplina e não de dogma.

Mas, na sua opinião, a hipótese de ordenar homens casados ao sacerdócio deve ser levada em consideração também na Igreja latina?

GRÉGOIRE III: A meu ver, é preciso aproveitar todo o tempo possível para avaliar os prós e os contras. Mas a questão não pode ser deixada de lado a priori. E deve ser examinada como uma possibilidade nova de serviço dentro da Igreja, evitando medir a figura do sacerdote casado com o parâmetro do sacerdote celibatário, e sem trazer para a discussão a escassez de vocações. No Oriente, essa prática deu frutos. É preciso ver se convém propô-la novamente hoje no Ocidente.

O cardeal Husar propôs dedicar o próximo Sínodo às Igrejas orientais católicas. O senhor concorda?

GRÉGOIRE III: Seria uma boa oportunidade para enfrentar de uma perspectiva nova muitos temas importantes, como a comunhão das crianças, ou o próprio primado. E para verificar se as nossas tradições podem representar uma riqueza de soluções também para a Igreja latina.

Por exemplo?

GRÉGOIRE III: Por exemplo, também no Ocidente alguns gostariam que, na escolha dos bispos, as Igrejas locais fossem mais envolvidas. Poderíamos verificar se existem elementos em nossas práticas tradicionais que podem se adaptar à estrutura sociocultural da Igreja latina.

Mas, justamente a respeito das nomeações dos bispos, registra-se um certo mal-estar nas Igrejas orientais.

GRÉGOIRE III: Durante 154 anos elegemos nossos bispos sem interferências de Roma, ainda que ninguém nunca tivesse negado a Roma o direito de interferir, e, a nós, o direito de recorrer a Roma. Roma, simplesmente, não interferia de facto. Durante todo esse tempo, elegemos bons bispos. Não entendo por que agora não podemos fazê-lo.

E quando foi que mudou tudo isso?

GRÉGOIRE III: A prática mudou desde o Vaticano II. Isso é realmente estranho. É estranho que, depois do Vaticano II, em vez de existir mais liberdade para as Igrejas orientais, tenham-se restringido os espaços.

O senhor, uma vez, disse: “Com todo o respeito pelo ministério petrino, o ministério patriarcal é igual a ele”.

GRÉGOIRE III: Realmente, eu digo sempre: sou cum Petro mas não sub Petro. Se fosse sub Petro, seria submisso, e não poderia ter uma verdadeira comunhão, franca, sincera, forte e livre com o Papa. Quando você abraça um amigo, não está “sob”. Você o abraça ficando na mesma altura, senão não seria um verdadeiro abraço. Unita manent, as coisas unidas permanecem.

Mas isso significa que o laço com a Igreja de Roma está um pouco apertado para vocês?

GRÉGOIRE III: Que nada! O papado, a partir de João XXIII, é a autoridade mais aberta do mundo. Não existe em nenhuma outra Igreja uma abertura e uma prática tão democráticas como na Igreja de Roma. Mas, além disso, há também aqueles que querem aparecer como os supercatólicos, e que insistem sempre e somente no sub Petro e sub Roma. Assim, a meu ver, contradizem o sentido verídico do próprio papado, o seu ministério de confirmar os irmãos na fé. Nós sofremos pela comunhão com Roma. Durante 150 anos, celebramos a missa nas catacumbas, em Damasco, pois estávamos proibidos de fazê-lo em razão da nossa comunhão com o bispo de Roma. Somos mais romanos que os romanos! Por isso queremos nos valer dessa comunhão como de uma riqueza, um dom, uma ajuda para a nossa fé. Como diz São João, a nossa fé é a nossa única vitória.

Revista mensal. Diretor: Giulio Andreotti

Extraído do número 10 – 2005

 

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