Entrevista com o médico Bassem Naim, líder do Hamas, direto de Gaza.

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O que é o Hamas?

O Hamas é um movimento de liberação nacional com origem islâmica que foi fundado com a intenção de liberar o povo da Palestina e conseguir uma autonomia para o povo palestino. Quando vem na questão cívica do Hamas, acreditamos num estado liberal e democrático. Isso só e possível se a Palestina tiver o seu estado. É importante que as pessoas entendam que o Hamas é um movimento democrático.

O governo de Israel e as forças conservadoras do Ocidente acusam o Hamas de ser uma organização terrorista. O Hamas é uma organização terrorista?

Pra começo de conversa essa luta não é uma luta do Hamas contra o Estado de Israel, é uma luta do povo palestino contra a ocupação israelense em suas terras. O factoide do terrorismo foi criado pelo estado de Israel pra justamente ter um motivo para massacrar o povo palestino. Então, isso não tem fundamento, o povo palestino pelas leis internacionais de ocupação tem o direito de se defender dos ataques dos israelenses. O Hamas não é um movimento terrorista, essa luta é muito maior que o Hamas. O Hamas é uma parte deste combate, em que a luta de fato maior, é sim, de todo povo palestino.

A entrevista aconteceu com uma tensão grande do nosso lado porque marcamos quando ainda estavam acontecendo os ataques de Israel e você disse vamos confirmar na segunda que na terça não sei se tem energia e nem sei se vou estar vivo.

Quando marcamos a entrevista tinha foguetes sobrevoando a minha casa, a minha casa foi atacada pelo governo israelense. Tive que sair no meio da noite com a minha família, tive que dividir a minha família em três casas diferentes para ter a certeza que a família inteira não vai morrer nesses ataques israelenses.

Como é o relacionamento do Hamas com os outros países?

A pergunta é muito importante porque o Hamas é parte de um movimento maior de apoio, temos uma boa relação com quase todos os países em torno da Palestina e não só com esses países. Temos uma boa relação, e próxima, com a Turquia, o Irã e a Rússia porque são países que entendem que a luta é válida e estão justamente lutando contra uma ocupação, esse é o X da questão.
 

O Brasil assistiu estarrecido a chacina promovida pelo governo  Netanyahu, contra os palestinos no território israelense, Gaza e na Cisjordânia ocupada. Quais são os números da violência até o momento do cessar fogo?

São 360 mortos sendo 64 ou 65 crianças, mais de 40 mulheres até o momento. Precisamos ver as pessoas que ficaram feridas, são mais 2.000 que estão em hospitais, muitas delas ficarão com algum comprometimento pro resto da vida porque perderam pernas ou braços. São pessoas que ficarão com alguma deficiência física e precisarão de cuidados. Outro dado muito triste é que 1.200 pessoas perderam suas casas por causa dos ataques, são pessoas que foram jogadas para destituição. Mais de 15.000 casas foram destruídas nesse último ataque, 25 hospitais e 47 escritórios de mídia foram destruídos pelos ataques israelenses. É importante falar sobre isso porque sabemos que a mídia corporativa, inclusive a mídia corporativa brasileira sempre demoniza o lado palestino e fica do lado de Israel, enquanto isso Israel está bombardeando e destruindo o local de trabalho dos seus colegas. A infraestrutura foi destruída, muitas pessoas estão sem luz, sem esgoto e sem água. Não tem uma previsão de quando isso voltará ao normal porque foi uma destruição enorme que afeta muito a vida das pessoas. O problema não foram só alvos militares como Israel alegava que eram, eles tentaram destruir a estrutura sócio econômica do estado palestino porque fazendo isso, eles atrasam em anos até a causa deles de emancipação. Então, é muito pior, mais cruel  do que a gente consegue conceber até então.

Dr. Bassem vimos que durante os ataques de Israel a resposta com mísseis que segundo as informações de todas as mídias são mísseis disparados pelas forças do Hamas. O senhor pode relatar para nós como que foi esse movimento de defesa da Palestina feita militarmente pelo Hamas?

O Hamas em algum momento atacou o território israelense sem que houvesse um ataque anterior de Israel, ou seja, houve alguma ofensiva do Hamas contra Israel? Como que o Hamas se preparou militarmente para enfrentar Israel?

Vivemos com ataques, nunca é um ataque não provocado, somos um povo que está há mais de 73 anos vivendo sobre ocupação, com nossa renda confiscada, com a nossa terra roubada, com o povo detido e assassinado. Vivemos sob ocupação, nenhum ataque não é provocado, o povo já vive em uma situação tensa. Tudo o que acontece, tudo que o Hamas faz, tudo o que a militância faz é justamente porque os palestinos são perseguidos. Os palestinos são perseguidos não só na Palestina, não só na Faixa de Gaza, no Líbano e na Jordânia também. Israel tenta acabar com os movimentos de resistência. O povo palestino cansou de esperar um salvador vindo de outro país e resolveu tomar a luta com as próprias mãos e se defender. É por isso que conseguiu os seus próprios militantes e criaram maneiras de se defender criando artefatos explosivos caseiros dentro de suas casas, criaram o seu armamento para se defender. Não é nem uma defesa justa já que Israel tem um dos maiores exércitos do mundo e é o maior exército da região. Israel tem mais de 200 armas nucleares e não permite que a ONU vá inspecionar quais são as armas nucleares que eles tem. Israel usa de armas químicas, armas biológicas, inclusive usou de armas químicas nucleares e biológicas contra o povo palestino impunemente por isso não consideramos uma luta justa apesar de termos armamentos. Quando Israel estala os dedos tem um exército gigantesco e tem ajuda da América, os Estados Unidos é um dos maiores financiadores do exército israelense.

Como está a questão da pandemia e o combate ao COVID-19 na Faixa de Gaza com essa guerra ainda mais com a sua autoridade como ex-ministro da saúde da Palestina?

Antes de tudo é importante que as pessoas saibam que esse conflito, esses ataques de Israel afetam todas as áreas de vida (social, econômica e saúde).
Como vamos lutar contra a pandemia, se não temos hospital? Os hospitais estão sendo destruídos por Israel. Não temos equipamentos, os médicos estão cansados, pois fazem várias coisas ao mesmo tempo. A gente não tem medicação, a gente não tem infraestrutura, a gente tem uma população com 85% das pessoas desnutridas, 60% das pessoas desempregadas. A gente vive em um lugar que 97% das nossas reservas de água não são potáveis. Então, quer dizer isso tudo pra questão de saúde é muito complicado. A pandemia está horrível! Se países muito grandes tiveram problemas para lidar com a pandemia, imagina, a gente que apesar de estarmos em um território pequeno estamos na área mais populosa do mundo. Oitenta mil palestinos moram em um quilômetro quadrado da área de Gaza. É muita gente vivendo aglomerada o que para a pandemia é a pior coisa. A gente não tem como lutar contra a pandemia porque além de tudo esse escalonamento desse conflito, fez com que o mesmo hospital que está levando a pessoa que teve a sua casa bombardeada está cuidando da pessoa que teve oronavírus. Como que vamos fazer?
As doações de vacinas foram recebidas do exterior e não de Israel. Israel confiscou e roubou a vacina que a Palestina estava recebendo de outros países do mundo. É uma situação muito complicada.

O que o Brasil pode fazer para ajudar a Palestina?

O Brasil pode ajudar ao dar espaço na mídia para o Hamas, dar projeção na mídia para os palestinos, pois somos muito excluídos pela mídia tradicional. A grande mídia só mostra o lado de Israel e vende a narrativa israelense. Nunca escuta o que falamos. Existem organizações sérias que estão recebendo doações humanitárias, organizações sérias que fazem trabalho social, trabalho médico, trabalho de infraestrutura juntamente com o povo palestino

Fique muito emocionado e a Natália também, quando vimos nas suas costas o bracinho de criança acendendo a luz isso é emocionante traz esperança

Um dia estava assistindo televisão Al Jazeera e uma pessoa de Istambul (TUR) estava dando uma entrevista  e o filho dela perguntou: “Como é que essa pessoa está falando há tanto tempo com luz atrás dela? Tem país que as pessoas tem luz por 24h, existe isso no mundo?” Essa é a mentalidade que as crianças tem, elas têm uma dificuldade tremenda de buscar algo positivo e de ver o mundo com um olhar positivo porque vivem uma situação muito difícil. Nesta semana, dei uma entrevista para um canal russo explicando as implicações psicológicas nas crianças palestinas de todas essas agressões promovidas por Israel. As crianças tem problemas de memória, de concentração, não conseguem aprender na escola e tem problemas emocionais diversos. Temos que lembrar que Israel é considerado um dos “países” mais ricos do mundo, essa riqueza justamente é as custas de uma criança palestina crescer achando que não pode ter eletricidade 24h por dia em casa.

Como está o cessar fogo? Qual a expectativa do Hamas em relação à evolução do cessar fogo?

Cessar fogo significa parar de brigar, mas não significa paz. Por trás desses ataques às mesquitas, à Faixa de Gaza, existem questões profundas e que se Israel não conseguir lidar, novos conflitos por parte deles contrários a Palestina vão ocorrer nos tempos próximos. É importante que as pessoas entendam que isso que está acontecendo agora é temporário. Acredito que infelizmente novos ataques ocorrerão em um futuro próximo

Dr. Bassem, palestinos e palestinas são os novos professores de resistência e esperança. Aqui no Brasil temos palestinos e palestinas como povos originários, são os povos negros trazidos como escravos, que também são professores de resistência e esperança para nós. Estou emocionado e feliz com a entrevista e com a sua presença. Espero que o povo palestino, que os povos originários brasileiros, povos indígenas, o povo preto desse país que é maioria aqui no Brasil, que tudo que há de melhor na nação brasileira possamos realizar uma aliança muito sólida. Entrego a palavra ao senhor para deixar uma mensagem para o povo brasileiro.


Agradeço muito a presença, estou muito feliz de estar aqui e de falar com o povo brasileiro. Quero falar mais vezes com o público brasileiro, com a juventude, com a saúde, com os parlamentares e espero poder usar esse espaço para isso. Precisamos do apoio dos brasileiros para a nossa causa, precisamos da ajuda dos brasileiros na luta pela nossa sobrevivência. Não estamos atacando ninguém e não buscamos machucar ninguém. Queremos sobreviver, nós somos oprimidos e buscamos a nossa sobrevivência. A gente só quer um futuro melhor para as nossas crianças.

Entrevista realizada por Mauro Lopes e Nathália Urban

Tradução direta de Nathália Urban

Publicada pela TV 247 em 25/05/2021

 

 

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