Entre o êxodo e a perda de vidas

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Por Luciana Garcia.

Historicamente, é muito difícil no Ocidente obter informações precisas sobre a região que abarca o Afeganistão e o Paquistão. Há muito pouco tempo, as únicas imagens ocidentais sobre o Afeganistão pertenciam ao filme “Rambo”, produzido pela indústria de Hollywood, produção cinematográfica que revelava tão somente as imagens fotográficas do Afeganistão projetado em um estúdio, a película jamais havia sido filmada naquela região. Isso ocorre porque o Afeganistão particularmente é um país sem imagens por vária razões, uma delas sem dúvidas é o fato das mulheres afegãs não possuírem um rosto. Assim, uma nação em que a metade de sua população não possam serem vistos, é um povo sem imagem. Outra razão é referente ao fato de o Afeganistão não exercer um papel positivo no mundo globalizado, não existe um produto específico que é produzido no Afeganistão e, principalmente não há avanços científicos.

Para não dizer que não há definitivamente um produto específico, produzido no Afeganistão, o país é responsável pela produção de 50% dos narcóticos consumidos no mundo. Toda essa produção, muito surpreendentemente possui justificativa religiosa utilizado de modo pragmático pelos detentores do poder nessa localidade. Para eles, é válido e necessário enviar uma quantidade máxima de venenos mortais aos que eles consideram como sendo os inimigos do islã na Europa e no continente americano.

Muito tragicamente, no decorrer dos últimos 20 anos (desde à ocupação soviética), cerca de 2,5 milhões de afegãos perderam suas vidas, por diversos fatores, quais sejam, em decorrência dos freqüentes assaltos militares, da fome e pela falta de cuidados médicos adequados em seus poucos hospitais disponíveis na região. O Afeganistão é o país de maior êxodo da atualidade, estima-se que maior parte dos refugiados afegãos, encontram-se nos países vizinhos como o Irã e o Paquistão, e representam 6,3 milhões de pessoas, ou seja, o número total de refugiados e de pessoas mortas equivale ao total de toda a população da Palestina.

A grande quantidade de imigrantes afegãos no Paquistão e no Irã, é motivo de muita preocupação para ambos os países. Muito embora acarretam inúmeros prejuízos, o Paquistão em especial, fundou algumas escolas de treinamento para os mujahedins (Talebans), com a ajuda financeira proveniente de alguns países árabes, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, as quais vem atraindo muitos adeptos. São nesses locais que a comunidade sunita paquistanesa encontra alimento e um abrigo seguro, em meio há uma realidade de muita miséria e pouca oferta de emprego.

O quadro atual dessa triste realidade sob o domínio taleban, é a presença de 10 milhões de mulheres debaixo de uma burca, analfabetas e em situação de miséria e opressão. Um quadro muito  diferente quando comparamos a conjuntura em 70 anos atrás, durante o período em que Amanullah Khan governou o Afeganistão (em 1919) influenciado por um programa de reformas ao estilo europeu,  após uma longa viagem pelo velho continente. Logo ao regressar, ordenou um plano de mudanças culturais, a qual incluía um projeto tendente à influenciar as mulheres à retiram o véu de maneira progressiva, os homens à trocarem suas roupas, típicas afegãs por ternos à moda ocidental e, ainda decretou publicamente a proibição da prática da poligamia no país.

Ao analisar mais atentamente o caso das mulheres hoje,  a situação torna-se muito mais trágica. A sociedade afegã é absolutamente patriarcal e os direito das mulheres são menos importantes, quando comparado aos direitos de qualquer outra tribo desconhecida, o que torna a proibição do voto feminino um componente não tão grave.

Desde o advento dos tabebans, as escolas de meninas foram fechadas, o que contribuiu para que muitas ocupassem as ruas. Mesmo nessa situação de calamidade, é reparado que as mulheres afegãs não perderam a vaidade feminina, nas calçadas das maiores cidades, é possível deparar-se com mulheres pintando as unhas das mãos por debaixo da burca. Isso ocorre frequentemente para que não sejam esquecidas pelos seus maridos, em meio à uma conjuntura em que a poligamia é bastante comum, capaz de transformar muitos lares em verdadeiros haréns.

A situação é ainda mais crítica, ao levarmos em consideração que, atualmente não existem mulheres médicas no Afeganistão, de modo que, se alguma mulher precisar consultar um médico, ela é obrigada a levar como acompanhante o filho, marido e o pai. Isso ocorre porque a conversa com o médico é feita somente através de uma figura masculina. Muito semelhante aos casamentos no Afeganistão, nessa caso é o pai ou o irmão da noiva que diz o “sim”.

Muito além de todos esses fatores, sob o ponto de vista geográfico, o Afeganistão possui uma área de 70.000 quilômetros quadrados, cujos 75% desse território são ocupados por montanhas. O que torna a natureza inóspita e impede o desenvolvimento do comércio, a difícil travessia nesse território, dificulta sobretudo as chamadas intervenções internacionais no país. De acordo com o cineasta Mohsen Makhmalbak (cineasta iraniano, produtor dos premiados filmes, O Ciclista e Caminho para Kandahar), “tente imaginar um soldado que tenha que constantemente de subir e descer montanhas. Suponhamos que conquistasse todo o Afeganistão. Teria de reconquistar constantemente os picos para prover seu exército com suprimentos”.

2.     Talebans – quem são?

Conforme havia sido mencionado anteriormente, logo após a retirada soviética, insurgiu uma intensa guerra civil, o que gerou, por sua vez, problemas graves de insegurança por todo o Afeganistão. Por isso, a solução imediata encontrada pelos talebans foi a estratégia do desarmamento da sociedade civil, então iludida com a imagem dos “mensageiros da paz”. Assim, logo após decretada prática de desarmamento, foi outorgada a punição severa no cometimento de crimes como roubos e furtos, para esses casos foi estabelecido a amputação das mãos, de modo a tornar a sociedade traumatizada e refém dos talebans. Por outro lado, os problemas enfrentados na região não se resumiam à roubos, sequestros e furtos, havia no entanto muitos casos de assédio contra as mulheres. Com relação a isso, foi institucionalizada a pena por apedrejamento.

Todas essas medidas conduziram à uma realidade marcada por muitas tragédias. Assim, de acordo com os relatórios das Nações Unidas, um milhão de afegãos deverão morrer de fome nos próximos meses. Isso porque a população já não tem mais forças e nem armas para lutar e, o medo das punições impedem que cometam furtos e roubos de alimentos. E, muito tragicamente sob o ponto de vista político, os talebans são um grupo protegido oficialmente pelo governo do Paquistão.

Desde o início das ofensivas norte-americanas contra o terrorismo (2001), muito contrariamente do que era previsto, foi acarretado uma importante expansão dos grupos extremistas na região do Afeganistão e Paquistão, além do grupo Taleban. As táticas utilizadas por todos esses grupos incluem explosivos sofisticados, homens-bombas e carros-bombas. Ao mesmo tempo em que se predominam  conflitos entre os inimigos internos muçulmanos.

É constatado que os diversos milicianos (de diversas correntes) possuem altas quantias de dinheiro e acesso à equipamentos tecnológicos. De acordo com o Pakistan Institute for Peace Studies, existem em torno de 2.148 terroristas no Paquistão, o que denota um crescimento dramático de 746% dos ataques, com um saldo de 2.267 pessoas mortas e 4.500 feridos, até o ano de 2009. E, não bastando todos os prejuízos, não é de modo algum exagero constatar um crescente processo de “Islamisation agenda” no Paquistão. Isso porque a Suprema Corte do Paquistão declarou a sharia como lei suprema e, capaz de contribuir para uma maior influência da religião nas áreas da educação, economia e do sistema legal.

O processo de adesão popular a agenda fundamentalista desses grupos é facilitado, muito devidamente à um articulado projeto assistencialista então desempenhado nessa região. O Taleban e os demais grupos costumam disponibilizar o serviço de ambulância para a população paquistanesa, a construção de várias escolas e ajuda financeira para as famílias afetadas pelas calamidades naturais, na incidência de terremotos e enchentes. A influência desses grupo na vida social, permite constatar uma perigosa tendência de transcendência ao sectarismo.

Diante disso, o Paquistão passou a ser considerado um local extremamente inseguro também para as comunidades muçulmanas xiitas e para as demais minorias existentes como os cristãos e budistas. Em algumas regiões, sobretudo são reveladas ações reveladoras de um verdadeiro processo de limpeza étnica.

3.     Malala – oportunismo e subversão

Nos últimos dias, a mídia internacional recebeu a notícia do trágico atentado contra Malala Yousufzai, adolescente de 14 anos de idade. O tiro partiu de um dos integrantes do grupo taleban, pelo fato da menina manter atividades políticas em prol do direito à educação das mulheres. Qualquer atentado à vida humana é absolutamente deplorável, no entanto a história de Malala tem sido demasiadamente explorada como propaganda, tendente à omitir os acordos do governo paquistanês com o governo norte-americano.

Logo após o incidente contra a ativista, Laura Bush pronunciou-se publicamente nos Estados Unidos contra o que ela considera como sendo “regimes totalitários daquela região”. Ainda, nesse mesmo sentido, em um recente concerto da cantora Madonna em Los Angeles, era possível deparar-se com o nome de Malala registrado em suas costas. Em ambos os casos, é possível constatar o quanto esta questão, em particular, elevou o status de Malala, que passou de uma adolescente militante paquistanesa para uma espécie de heroína dos direitos das mulheres.

Toda essa atenção gerada, suprimiu uma outra realidade, muito além das atividades exercidas por um grupo fundamentalista. As relações políticas existente entre os Estados Unidos e o Paquistão, sobretudo com relação aos acordos de cooperação e opressão,  as mesmas questões que Malala criticava frequentemente em seu blog. Assim, de acordo com o site Afghans for Peace, em 2010 o governo de Washington enviou mais de 7 bilhões de dólares para o Paquistão, desse montante, cerca de 2,5 bilhões foram destinados para fins militares em um país conhecido internacionalmente por seu governo criminoso (não respeitador dos direitos humanos da população civil) e com altos índices de corrupção. De modo que, não é de forma alguma surpreendente constatar que o regime paquistanês utilize essa mesma ajuda financeira para manter um Estado policial, brutal, perseguidor das minorias étnicas e religiosas e que realiza (de modo extrajudicial) extermínios aos seus opositores de maneira indiscriminada. O território considerado mais perigoso seria justamente a região pela qual Malala residia.

O apoio internacional à Malala esconde por sua vez,  todos os prejuízos causados  pelos ataques perpetrados pelos Drones (aviões não tripulados) que, há princípio tinham a tarefa de eliminar os militantes do grupo terrorista da Al Qaeda e do Taleban, sem arriscar vidas norte-americanas. Ocorre que as vidas paquistanesas em grande parte dos ataques tem sido atingidas demasiadamente, o que tem causado uma paralisação das atividades e da rotina no Paquistão. Muitos médicos tem se negado à atenderem nas zonas de ataques, a população civil tem medo de ir aos supermercados próximos a essas regiões e as crianças frequentemente se recusam à irem as escolas. A vida, nos espaços públicos no Paquistão já não é mais a mesma, agora a população é obrigada a conviver em uma realidade de violência e incertezas.

Fonte: Revista Geografia

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