19/8/2015, Vijay Prashad*, al-Araby, Londres
“Israel está investindo muito na chance de apelar ao crescente movimento pentecostal no Brasil, que inclui grupo significativo de cristãos sionistas. Enviar para lá, como seu embaixador, Dani Dayan, ex-líder do Conselho de Comunidades Judias da Judeia e Samaria, e propagandista incansável da colonização ilegal de territórios palestinos, é ato que atropela Brasília, com Israel buscando contato com grupo específico da população, sem mediação diplomática.”
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Israel vê a ONU como território hostil. Por isso manda embaixadores militantes da anexação, cuja resposta-padrão a qualquer crítica é a acusação de ‘antissemitismo’ – diz Vijay Prashad.
O governo de Israel não aprecia a ONU. Cartaz frequente nas ocupações de colonos ilegais é “UNwelcome” [ONU não é bem-vinda].
Para Israel, a ONU é território hostil. Seus embaixadores comportam-se lá como se estivessem em guerra contra o mundo. Ron Prosor, o ex-embaixador, sempre agrediu os altos funcionários da ONU que não concordassem com ele, chamando-os de “antissemitas”.
Agora, Israel enviou novo embaixador à ONU. Danny Danon é cópia de Prosor – ambos são agressivos e farsantes. Danon é embaixador dos colonos ilegais, furioso propagandista da “Grande Israel”.
Em coluna publicada no New York Times em 2011, Danon escreveu que o governo de Israel “deve anexar as comunidades de judeus da Cisjordânia –, ou, como Israel prefere, ao se referir ao nosso território histórico, Judéia e Samaria.”
Para Danon, a solução de dois estados é perfeitamente absurda – a ele só interessa a total anexação de terras palestinas. Danon escreveu que os primeiros sionistas agiram sem dar qualquer atenção à lei e à opinião internacional, e que “as tempestades diplomáticas rapidamente amainaram, e a comunidade internacional passou para outras questões”.
O desprezo pela lei internacional e pela ONU é a essência do que, em Israel, se conhece como “danonismo”.
Danon deu trabalho ao primeiro-ministro de Israel Binyamin Netanyahu – ao disputar contra ele a liderança do partido Likud – e, apesar de Netanyahu já o ter nomeado para três altos cargos, continua a provocá-lo. É possível que Netanyahu o tenha mandado para New York, para afastá-lo de Israel.
Os laços entre Danon e os cristão sionistas nos EUA indicam que ele provavelmente continuará a ignorar o establishment e fortalecerá laços com seus amigos Glenn Beck, Mike Huckabee e Sarah Palin. A verdadeira base de gente como Danon são os cristão sionistas e os colonos israelenses ocupantes.
Danon não é o único emissário internacional das colônias ilegais. Dani Dayan, ex-líder do Conselho de Comunidades Judias da Judeia e Samaria, está nomeado para a embaixada de Israel no Brasil.
O Brasil tem sido crítico consistente da política de ocupação de Israel, e em 2014, quando dos bombardeios de Telavive contra Gaza, o embaixador brasileiro foi chamado a Brasília para consultas.
Israel está investindo muito na chance de apelar ao crescente movimento pentecostal no Brasil, que inclui grupo significativo de cristãos sionistas. Enviar para lá, como seu embaixador, um propagandista incansável da colonização ilegal de territórios palestinos, é ato que atropela Brasília, com Israel buscando contato com grupo específico da população, sem qualquer mediação diplomática.
O presente de despedida de Prosor
Prosor, ex-embaixador de Israel, deixou um presente de despedida à ONU. Dias 5 de março e 7 de abril, ele enviou cartas violentas ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em que condena Rima Khalaf, ex-ministra do gabinete jordaniano, e secretária-executiva da Comissão Social e Econômica da ONU para o Oriente Próximo.
A Comissão chefiada por Khalaf divulgara poderoso relatório, Arab Integration, que critica firmemente o rumo do desenvolvimento em todo o Oriente Médio e Norte da África. Numa seção, o relatório chama de racista a ambição de Israel de ser “Estado Judeu”.
Prosor escreveu que havia “muito mais ficção que fatos” no relatório de Khalaf, que alega que “Israel está revivendo o conceito de ‘estado étnico’ e de pureza religiosa’.”
Os fatos confirmam a versão da equipe de Khalaf. Projetos de leis apresentados por Yariv Levin, do Likud, e Ayelet Shaked, do Partido Lar Judeu, exigem que Israel se autodenomine “Estado Judeu”. Israel, argumentam esses políticos, tem de ser bem clara sobre o seu caráter de governo de apartheid. Esses dois políticos são hoje ministros – Shaked é ministro da Justiça e Levin, do Turismo.
Para Prosor, o relatório de Khalaf representava “o epítome do antissemitismo de hoje”. Acusou a secretária Khalaf de “demonizar Israel”.
O gabinete do secretário-geral da ONU rejeitou os protestos de Prosor. E Khalaf foi nomeada para novo mandato no cargo. Farhan Haq, do gabinete de Ban Ki-moon, disse-me que “O secretário-geral continua a apoiar Rima Khalaf e tem plena confiança no trabalho dela.”
Nesse mês de julho, em New York, Khalaf levantou a questão de Israel e das violações da lei internacional.
Os jornais publicaram declarações de Khalaf em que ela dizia que a resposta israelense às flotilhas humanitárias que tentam romper o bloqueio contra Gaza, “é equivalente aos sequestros violentos que piratas praticam no mar, na terra e no ar, e que o mundo nunca deixou de considerar como atos de terrorismo”.
Khalaf disse também que “Na Palestina, a indiferença internacional não permitiu apenas que a ocupação israelense continuasse por meio século, mas também deixou que a instabilidade de espalhasse por toda a região. Essa indiferença erodiu qualquer fé na justiça global e empurrou algumas pessoas a que tomassem a justiça nas próprias mãos.”
Prosor respondeu a esse discurso com a velha conversa de sempre. Para ele, os comentários de Khalaf seriam, disse ele, “pronunciamentos (…) contaminados pelo antissemitismo”.
Prosor fez contato com Carman Lapointe, subsecretário-geral para Supervisão Interna dos Serviços da ONU e exigiu abertura de investigação formal contra Khalaf. Perguntado sobre a investigação, Lapointe disse que não discute essas questões com pessoas de fora da ONU.
A atitude de Israel, de desrespeito a lei internacional e à ONU, só pode ser mantida pela carte blanche que os EUA lhe garantem. Apesar das diferenças de que fala a mídia entre o presidente Obama dos EUA e Netanyahu em torno do acordo com o Irã, os EUA jamais sequer ameaçaram Israel de exigir-lhe explicações por suas violações da lei internacional.
Os EUA não têm nem a vontade nem a decência para agir assim. Afinal, se os EUA levassem a sério a lei internacional, eles próprios teriam de se autoexigir explicações dos próprios atos criminosos contra o Iraque. *****
* Vijay Prashad é colunista de Frontline e pesquisador sênior do Instituto Issam Fares de Políticas Públicas e Assuntos Internacionais da American University de Beirute. Seu livro mais recente é The Poorer Nations: A Possible History of the Global South (Verso, 2014 brochura).