Em algumas mídias, o criminoso virou Santo 4

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Por Babel Hajjar.

Hoje pela manhã, assisti  sobre a morte de Sharon num jornal da Rede Globo, e li algumas matérias. Para um árabe-descendente, ou mesmo para qualquer pessoa familiarizada com a causa palestina, o discurso normalizador propagado por alguns veículos é aviltante. No G1 , a chamada da matéria está assim: “Israelenses prestaram neste domingo (12) uma última homenagem a seu ex-primeiro-ministro Ariel Sharon, um dos fundadores do Estado de Israel, que inspirou ao mesmo tempo admiração e rejeição em todo o mundo. A morte dele, no sábado (11), aos 85 anos, ocorreu após ter passado oito anos em coma em um hospital, e provocou reações emotivas no país”.

Gostaria de chamar a atenção para algumas das formas utilizadas pelos meios de comunicação acerca do assunto Sharon e a sua relação com as “partes envolvidas”, “lados do conflito” ou, sendo menos normalizador, com  a notória situação de desigualdade entre palestinos e israelenses e o jugo de toda uma população não cidadã palestina pelo Estado de Israel,

Um dos “fundadores de Israel”: Se no G1 se enfatiza o fato de Ariel ser um fundador, no R7 (Record) Sharon é apresentado como “PAI FUNDADOR” (!!!).

Fiz uma busca inicial, não localizei seu nome em nenhuma lista de “fundadores” encontrada. Mas encontrei em vários sites o termo “Father of the Setlle Movement (Pai do Movimento de Assentamentos)”, como é relatado neste link .

“O Plano de Assentamentos de Sharon em Samaria e Judéia visa manter o importante e elevado terreno estratégico, que tem vista para a planície costeira, em mãos israelenses . Ele aspira a misturar os árabes da Cisjordânia e os colonos judeus de uma forma que não seria possível separá-los no futuro por uma fronteira. Para atingir seu objetivo efeito, Sharon e (Menahen) Begin adotam os Colonos, um movimento ideológico religioso que acredita que os territórios que Israel ocupou a partir de 1967 , a Cisjordânia , Gaza e Jerusalém Oriental , pertencem à terra bíblica de Israel. Nos vinte anos seguintes, Sharon teve várias pastas ministeriais e usou a todas para patrocinar mais de uma centena de assentamentos ao longo da Cisjordânia e de Gaza, uma casa para cerca de 200.000 cidadãos israelitas. Daniela Weiss, Prefeita de um assentamento na Cisjordânia, diz: ‘Ariel Sharon pode definitivamente ser considerado historicamente como o “Papai do movimento de assentamentos”. Eu uso o termo “papai” porque ele nos acompanhou, levando-nos pela mão de um morro para o outro’.”

Os assentamentos de colonos judeus na Cisjordânia são uma das grandes reivindicações da causa palestina como um todo. A construção desses bairros de luxo de judeus ultraortodoxos envolve a destruição de casas e plantações palestinas, o controle sobre sua água, e o aumento de seu cerceamento de liberdade, com a divisão e isolamento de vilas pelos assentamentos ou pelo “muro da vergonha”, uma grande barreira de concreto que funciona como muralha em torno de Israel. Ser “Pai Fundador” de uma coisa dessas é, ao meu ver, um demérito.

A ideia de “equilíbrio” e de “igualdade”, entre supostas opiniões públicas, de “que inspirou ao mesmo tempo admiração e rejeição”… ou seja, tanto “admiração” quanto “rejeição”, em bases equânimes, o que faz parecer mera questão de escolha ou opinião, sem a devida atenção para as leis e tratados internacionais, ou mesmo a observação moral a qualquer código de conduta minimamente respeitados pelo mundo ocidental. As inesquecíveis e inescrupulosas chacinas, em 1982, dos vilarejos palestinos de Sabra e Chatila, no Líbano, pelas milícias cristãs Libanesas treinadas e apoiadas por Sharon, figuram entre os mais sujos crimes de guerra cometidos contra a humanidade, e foi fato amplamente testemunhados pela comunidade internacional (o jornalista Robert Fisk estava no Líbano, bem como o médico holandês Ben Alofs, cujo relato pode ser lido neste link. Não dá para a Mídia nos dizer que uma pessoa dessas foi amada e odiada em proporções iguais, sem que pareça estar tentando defender o indefensável.

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Capa da “Times” de 1982, denunciando o terror de Sabra e Chatila.

“Oito anos em coma”/”reações emotivas”: A matéria do G1, assim como a do R7, associam a ideia de 8 anos de coma/sofrimento, com a redenção, o perdão final, das “reações emotivas”. Ambas as matérias exaltam características como “valentia”, “grandeza”, “importância”, minimizando os crimes de guerra, mas paradoxalmente sem deixar de destacar a truculência e brutalidade , como se fossem meras características constituintes da personalidade de Sharon. Porém, ao se destacar as conquistas de um herói judeu em prol de Israel, a mídia toma partido da ideia de legalidade das ações criminosas de Israel perante os palestinos e a comunidade internacional.

Se vamos perdoar Ariel Sharon, devemos compará-lo a Eichmann que, com sua eficiência burocrata, enviou um sem-número de judeus aos campos de concentração nazistas, simplesmente por estar “cumprindo ordens” em prol de um projeto de governo, e teria sido aclamado como Herói na sua morte, se o projeto nazista fosse bem sucedido. A diferença entre Adolf Eichmann e Ariel Sharon, é que o último não cumpria ordens, mas as fazia serem cumpridas.

 

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4 thoughts on “Em algumas mídias, o criminoso virou Santo

  1. Responder Nathaniel Braia jan 15,2014 9:30

    Caro Babel

    A história e a vida devem, pelo menos, servir para ensinar às pessoas quem são amigos e quem são os inimigos.
    Estou lendo agora, presente de meu amigo Sergio Cruz, lá do jornal Hora do Povo, o livro Jango – A vida e a morte no Exílio. Seu autor, Juremir Machado da Silva, é um jornalista bem mais honesto que a média, mas ainda assim tem esse desvio de trilhar pela superficialidade e de – num esforço para demonstrar imparcialidade, impossível nos tempos de guerra, atirar para vários lados ao mesmo tempo.
    Este perfil, permite ao Juremir mostrar, através de seu livro, duas questões que podem interessar a esta discussão que você levanta nesta matéria:
    1 – A necessidade do imperialismo norte-americano – que não arrefeceu com o fim da chamada Guerra Fria, aliás se exacerbou por que ele se sentiu mais livre para espalhar suas asas – de intervir e ditar normas e comandos nos países que tenciona submeter (que são todos os demais, incluindo seu próprio povo) é uma presença doentia. As conversas de Lincoln Gordon (embaixador dos EUA) com aquele que é considerado um dos melhores presidentes que aquele Estado já pôde colocar no seu comando, John Kennedy (ô língua chata; pra quê dois nn?), com o qual os trusts da guerra não conseguiram conviver e assassinaram, são de arrepiar:
    Gordon a Kennedy: “O fundamental é organizar as forças políticas e militares para reduzir o poder e, em caso extremo, afastá-lo”.
    Kennedy a Gordon: “Quanto vamos colocar nisso?”
    Aí vem a Operação Brother Sam, de tão triste memória.
    Aí vem o golpe e a ditadura.
    A ditadura, formal, sem eleições acabou. Mas a subreptícia, insidiosa, da mídia não só continua mas ganhou força, inclusive com fartos anúncios e encomendas do atual governo.
    Vejam alguns exemplos do que esta mídia disse quando começavam os dias de chumbo:
    O Globo: “ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos” e ainda, “em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada” e mais ainda: “a Revolução Democrática antecedeu em um mês a Revolução Comunista”.
    Isso, para não falar do que se sabe hoje sobre a Folha de São Paulo que, como diz Juremir, “graças aos bons serviços aos ditadores, não sofreria censura nem perseguições, mas emprestaria de boa vontade suas Chevrolet Veraneio, de entrega de jornais, para transportar torturados ou aqueles que viriam a sê-lo”.
    Ora, chafurdar na lama da mentira e da ignomínia é o que essa mídia é especializada em fazer. Aliás, não foi assim que eles se criaram, como sabujos do que já houve de pior em termos de poder em nosso país?
    Então, esse louvor escroto (desculpem os mais sensíveis, mas não encontro outro termo para qualificar esse tipo de rastejamento) a um nazista declarado e atuante durante décadas, não é nada mais do que mais um círculo que eles atravessam – ao estilo dos idealizados por Dante – rumo ao mais desprezível, onde regurgitam os traidores e assassinos.
    Vamos observando e denunciando, como você bem fez na matéria acima, cumprindo o nosso papel, deixemos que se exponham. Já derrubamos a ditadura que eles ajudaram a implantar e a cevar, logo logo estaremos avançando rumo a governos mais claramente definidos e construtores da soberania que nosso país merece e muito mais rica, em termos de solidariedade, aos povos que, como nós lutam por um lugar ao vasto sol que – quando as barreiras forem suprimidas – emite raios capazes de iluminar o caminho de todos.

    Nathaniel Braia

  2. Responder Chauke Stephan Filho jan 16,2014 18:57

    Ariel Sharon, o flagelo do diabo, finalmente voltou para o inferno.

  3. Responder Claudio Daniel jan 17,2014 16:10

    Excelente matéria, sobretudo o último parágrafo, parabéns, Babel!

    Há braços,

    Claudio

    P.S.: exatamente: Eichmann “cumpria ordens”, Sharon fazia o que bem entendia, nem essa desculpa poderia apresentar em um tribunal, caso fosse julgado (o que merecia).

  4. Responder Carlos Tebecherani Haddad jan 20,2014 1:10

    Ariel Sharon morreu depois de oito anos em coma.
    Pois bem.
    Quem tem alguma noção, mínima que seja, do poder e importância do Primeiro Ministro em um país como Israel, sabe perfeitamente bem que o principal mandatário daquele país NUNCA ficaria sem guarda-costas, nem sem uma forma de SOCORRO e RESGATE, como um automóvel oficial ou, ainda, um helicóptero, para levá-lo da sua casa de campo para a capital, em caso de uma ocorrência grave.
    Ariel Sharon, portanto, deveria ter sido levado por helicóptero para ser atendido em hospital de Tel Aviv, mas teve que ser levado, por 250 km, da sua casa de campo para a capital PELOS SEUS FILHOS, únicos presentes na ocasião, na sua casa de campo.
    Ariel Sharon NÃO sofreu derrame cerebral algum, mas foi vítima de TIRO NA CABEÇA, dado por um fanático sionista, por conta de vingança resultante de ter o primeiro ministro DESATIVADO assentamentos em Ghaza, com a demolição de casas e até de sinagogas.
    Ariel Sharon não desativou esses assentamentos por ser bonzinho, ou por motivos humanitários, mas para TRANSFERI-LOS para a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. E para salvar os habitantes de ataques da própria aviação israelense, que semanalmente distribui centenas de toneladas de bombas sobre Ghaza.
    Portanto, a notícia correta deveria ser que Ariel Sharon morreu após 8 anos de coma por ter sido atingido por um tiro na cabeça, dado por um fanático judeu.
    Quem acreditaria que ele poderia ficar sem guarda-costas, como REALMENTE estava?
    Ou que o Primeiro Ministro de Israel não conta com transporte rápido, para levá-lo de um lugar par o outro do paíes, notadamente quando em estado de necessidade de resgate e ajuda?
    Essa imprensa ! …

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