‘Economia de Resistência’ iraniana: sonho pós-corona da maioria silenciosa no ocidente (1/2)

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Imagem: Iranianos vão às compras no mercado do Grande Bazaar na capital Teerã, dia 20/4/2020, enquanto a pandemia COVID-19 avança, aproximando-se o Ramadan, mês santificado para os muçulmanos (Foto AFP).

24/4/2020, Ramin Mazaheri, The Vineyard of the Saker e PressTV

Quer dizer então, que teve de acontecer uma pandemia plus confinamento, para que alguns no Ocidente se apercebessem de que esse liberalismo econômico clássico em escala global – i.e. a estreita hiper-especialização da divisão do trabalho de Adam Smith e a teoria da vantagem competitiva geradora de castas, de David Ricardo – torna uma nação economicamente vulnerável? Essa epifania não é nova para aqueles países cujos imperialistas forçaram a se tornarem independentes, precariamente, com a renda de uma única colheita/vaca.

Tem sido interessante assistir à televisão norte-americana, nesses dias: quase nunca se encontra abertamente discutido o impacto financeiro do Grande Confinamento das classes subalternas. O norte-americano médio está atualmente sendo violentado, isso sim, com uma torrente incessante de culto aos médicos, tecnocratas, políticos em campanha eleitora,, que não podem parar de atirar, apesar da crise; e de analistas de classe alta, que dizem aos pobres que fiquem em casa a qualquer custo – ignorando a condição financeira dos que não tem sequer $500 para alguma emergência, mesmo que esses sejam 63% dos EUA.

Já antes do corona, a TV dos EUA sempre foi e é reino ao qual absolutamente não se veem brancos pobres que falam pelo nariz, negros pobres não miseráveis, e latinos que não cantam/dançam/limpam. Povos norte-americanos originais são tão absolutamente ausentes, que é como se nem existissem.

Se tivéssemos de definir a economia do Irã em frase curta, seria: Todos são considerados, mas as necessidades das classes mais pobres vêm em primeiro lugar.

Nenhum iraniano negará que tem sido exatamente assim desde 1979, e tornou-se muito claramente visível depois do fim da Guerra da Santa Defesa (Guerra Irã-Iraque): houve redução constante das favelas e da pobreza absoluta, e aumento constante na infraestrutura, na educação, produção e diversificação. Isso explica o salto imenso que o país conseguiu dar em praticamente todos os índices econômicos desde 1989, e também explica que o Irã tenha podido mobilizar 300 mil voluntários (atenção às mentiras do The Wall Street Journal: “os “canhões d’água” eram, na verdade, “canhões de desinfecção”) para irem de porta-em-porta para informar, ajudar e impedir a disseminação do Coronavírus – há apoio, confiança, unidade, e conversa nas duas direções.

Quando o corona surgiu, muitos comentaristas ignorantes de tudo que tenha a ver com o Irã real assumiram que a doença devastaria o país atrasado, governado por estado totalitário insensível: apesar de haver 5.000 mortos, a taxa de mortalidade no Irã é inferior à de praticamente todas as nações ocidentais.

US Rep. Ilhan Omar (D-MN) (L) talks with Speaker of the House Nancy Pelosi (D-CA) during a rally with fellow Democrats before voting on H.R. 1, or the People Act, on the East Steps of the US Capitol on March 08, 2019 in Washington, DC. (AFP photo)

Imagem: Coronavírus no Irã – Número de infectados por dia caiu 53% nos últimos 18 diasIrã informa que a taxa diária de novas infecções pelo Coronavírus no país caiu mais de 50% nos últimos 18 dias.

Claro, sei que vocês dirão “o Irã mente”. – Foram doutrinados para responder desse modo a qualquer coisa que ouçam dita por qualquer iraniano. Desde as triplas (EUA, UE, ONU) sanções, a imprensa hegemônica ocidental sempre acrescenta indicadores de ‘dúvida/suspeita’ como “o Irã diz que…” a toda e qualquer manchete que venha do Irã. No começo, me incomodava muito; agora, já é notícia velha – se o governo disse que o Sol raiou hoje, a manchete dirá que “o Irã diz que o sol raiou”.

Por isso, os céticos/iranófobos permanecerão para sempre sem se deixar convencer, e eu respondo com um habeas corpus – quero ver o corpo. De fato, é exatamente o que epidemiologistas ocidentais – e sua coorte de propagandistas adoradores de tecnocratas – lutam para não oferecer: dados. Porque a verdade é que seus mais ousados prognósticos saíram-lhes menos acurados que boletim meteorológico moderno (quase sempre, porque subestimaram a influência de iniciativas de responsabilidade pessoal), e não merecem toda a confiança histérica e acrítica que receberam da mídia-empresa ocidental.

Com os iranófonos vasculhando fotos de satélite à procura de valas comuns secretas (Quantas pessoas vocês imaginam que o Irã esteja ocultando – 50 mil, 100 mil mortos? Quantas mais terão de ser silenciadas, e numa nação cheia de aparelhos pessoais para difusão de noticiais? Até a ideia de que tal coisa seja possível já é absurda…).

Ao mesmo tempo em que o ocidente aplica medidas ainda mais draconianas do que o Irã jamais aplicou (porque o serviço de saúde é pior; porque faltam voluntários, por medo das contas médicas a pagar; por causa de uma população estressada/pouco saudável/obesa; pela falta de linhas de coordenação nacional; efeito de uma aclimatação a “estados de emergência” e outros fatores), o Irã está baixando as curvas e voltando ao trabalho.

E os iranianos voltam ao trabalho, sempre em plena honestidade política: repetindo que o imperialismo norte-americano é mais mortal que o coronavírus – como disse o presidente Rouhani. Nem é preciso comparar o número de cadáveres, porque todos sabem que os mortos pelo EUA-imperialismo vêm em número incontavelmente maior. Epidemiologistas ocidentais podem sossegar.

O Irã está voltando lentamente ao trabalho: muitos estão trabalhando de casa, mulheres com filhos pequenos têm prioridade, na determinação de quem trabalha remotamente, o governo pede que todos usem de bom senso. Mas a retomada da atividade normal só veio depois de muitos dentro do governo terem usado de bom senso, para dizer que uma crise econômica de modo algum poderia ser acrescentada a uma crise de saúde pública.

Claro que, se o Irã não tivesse sido tão duramente atacado por esse bloqueio tão violentamente desumano, teríamos mais dinheiro resultante da venda de petróleo para pagar para que as pessoas ficassem em casa, como algumas outras nações. Mas o ocidente negou essa chance ao povo do Irã, assim como negou também medicamentos, justiça, paz, etc. Os governos ocidentais, de tanto que temem o coronavírus, estão exigindo que as próprias classes subalternas cometam suicídio econômico. Mas os pobres iranianos sabem que o melhor patrão, o mais amplo, o mais confiável, é o governo do Irã – e por isso sabe que as medidas que começam a ser tomadas para um retorno sensível e seguro ao trabalho é o melhor encaminhamento, agora, para o Irã e para os iranianos.

Que todos usem de bom senso. Uma recente fatwa emitida pelo Líder da Revolução Islâmica Aiatolá Said Ali Khamenei só nos relembra de o quanto o Irã revolucionário escolheu firmemente deixar-se inspirar pelo Islã. E de o quanto o Irã revolucionário NÃO é nação fundamentalista/Salafista/Wahhabista Islâmica: OK não cumprir o jejum durante o mês de Ramadan (que começa dia 23 de abril), se você realmente crê que o jejum possa causar ou agravar doença. Maravilhoso que seja o Ramadan, e dado que a ciência não sabe exatamente, 100%, como essa doença ataca, um jejum prolongado pode baixar as resistências imunológicas – o que me parece racional e aceitável.

Simplesmente, esse ano o Ramadan não será típico, infelizmente. Espero que muitos iranianos (e muçulmanos em todo o mundo) usem o senso comum, para proteger os vulneráveis e reduzir o número de infecções de segunda onda. Quem tenha vulneráveis e idosos em casa, deve lembrar que os muçulmanos têm todo um ano para recuperar dias de Ramadan diferentes do previsto e desejado.

A segunda parte explicará por que é impossível fazer reverter a globalização, como se faz necessário, num ocidente dominado pelo seu 1%; e por que a “Economia de Resistência” do Irã é a vacina perfeita contra o coronavírus e o caos econômico relacionado ao confinamento.

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga


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