Discurso de Deng Xiaoping,* chefe da Delegação da República Popular da China, à VI Sessão Extraordinária da Assembleia Geral da ONU sobre matérias primas e desenvolvimento, dia 10/4/1974

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De: Deng Xiaoping Internet Archive (marxists.org) 2003 [aqui traduzido]

Contexto, relacionado ao Brasil e aos EUA, naquela assembleia:

O MRE do Brasil era Antonio Francisco Azeredo da Silveira (15/3/74 a 15/3/79), gov. do general Ernesto Geisel, que estabeleceu relações diplomáticas com a República Popular da China.

Na gestão de Azeredo da Silveira, Brasil pronunciou-se pela primeira vez a favor da retirada de Israel dos territórios árabes ocupados e do reconhecimento dos direitos dos palestinos, tendo a delegação brasileira à VII Sessão Especial da Assembleia Geral da ONU, votado uma moção que afirmava ser o sionismo uma “política racista”. Tomando a mesma postura em relação ao regime do apartheid da África do Sul.

Ainda em relação à política anticolonialista e antirracista, BR apoiou a independência do Zimbábue e a independência da Namíbia.

Azeredo da Silveira assinou em Bonn, o Acordo nuclear Brasil-Alemanha, que previa a construção e a instalação de oito centrais nucleares, de uma usina de enriquecimento de urânio e de empresas para fabricação e reprocessamento de combustível atômico e prospecção de minérios.

Naquele momento, nos EUA, desde o final de 1973, o “caso Watergate” ia dando cabo do governo Nixon. O presidente afinal renunciou dia 9/8/1974, poucos meses depois dessa Assembleia Geral da ONU [NTs, com informações de Wikipédia].

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Sr. Presidente,

A sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre problemas de matérias primas e desenvolvimento foi convocada, com sucesso, por propostas do presidente Houari Boumediene do Conselho da Revolução da República Popular Democrática da Argélia e com o apoio da grande maioria dos países do mundo. É a primeira vez nos 29 anos desde que a ONU foi fundada, que se realiza uma sessão especialmente para discutir a importante questão de países se oporem à exploração e ao saque imperialista, e de promover efetiva mudanças nas relações econômicas internacionais.

Isso reflete profundas mudanças acontecidas na situação internacional.

O governo chinês oferece calorosas congratulações à convocação dessa sessão e espera que traga contribuição positiva ao fortalecimento da unidade dos países em desenvolvimento, salvaguardando seus direitos econômicos nacionais e promovendo a luta de todos os povos contra o imperialismo e particularmente contra o hegemonismo.

No momento presente, a situação internacional é mais favorável aos países em desenvolvimento e aos povos do mundo. Mais e mais a velha ordem baseada no colonialismo, imperialismo e hegemonismo está sendo minada e sacudida desde as bases. As relações internacionais estão mudando drasticamente. Todo o mundo está em turbulência e agitação. A situação é de “grande desordem sob o céu”, como os chineses dizemos. Essa “desordem” é uma manifestação da agudização de todas as contradições básicas no mundo contemporâneo. Está acelerando a desintegração e declínio das forças reacionárias decadentes e estimulando o despertar e o crescimento de novas forças emergentes do povo.

Nessa situação de “grande desordem sob o céu”, todas as forças políticas no mundo passaram por divisão e realinhamento drásticos ao longo de demorados tribunais de força e luta. Grande número de países asiáticos, africanos e latino-americanos alcançaram a independência, um depois do outro, e estão desempenhando papel ainda maior nos assuntos internacionais. Como resultado da emergência do social-imperialismo, o campo socialista que existia por algum tempo depois da 2ª Guerra Mundial já não existe. Pela lei do desenvolvimento desigual do capitalismo, o bloco imperialista ocidental, também, está em desintegração.

A julgar pelas mudanças nas relações internacionais, o mundo hoje realmente consiste de três partes, ou três mundos, que são ao mesmo tempo interconectados e em contradição uns com outros. EUA e União Soviética fazem o Primeiro Mundo. Países em desenvolvimento na Ásia, África, América Latina e outras regiões são o Terceiro Mundo. Países desenvolvidos entre os dois outros são o Segundo Mundo.

As duas superpotências, EUA e União Soviética, em vão almejam à hegemonia mundial. Cada uma a seu modo tenta pôr sob seu controle os países em desenvolvimento de Ásia, África e América Latina e, ao mesmo tempo, intimidar os países desenvolvidos que não têm a mesma força.

As duas superpotências são os maiores exploradores e opressores internacionais de hoje. São a fonte de uma nova guerra mundial. Ambas têm grande número de armas nucleares. Prosseguem numa muito contestada corrida armamentista, têm forças massivas alocadas em outros países e bases militares por todos os lados, ameaçando a independência e a segurança de todas as nações. Ambas continuam a submeter outros países ao controle delas, para subversão, interferência ou agressão. As duas potências exploram economicamente outros países, saqueando a riqueza deles e apossando-se de seus recursos. Ao intimidar outros, a superpotência que se apresenta como socialista é especialmente perversa. Já despachou forças armadas para ocupar sua “aliada” Tchecoslováquia e instigou a guerra para desmembrar o Paquistão. Não honra a própria palavra; é pérfida; é autorreferente e inescrupulosa.

O caso dos países desenvolvidos que estão entre as superpotências e os países em desenvolvimento [o ‘Segundo Mundo’] é complicado. Alguns deles ainda mantêm relações colonialistas de uma forma ou outra com países do Terceiro Mundo; um país como Portugal mantém inclusive o mais bárbaro domínio colonial. E é preciso pôr fim a esse estado de coisas. Ao mesmo tempo, todos esses países desenvolvidos são, em graus diferentes, controlados, ameaçados ou intimidados ou por uma ou pela outra superpotência. Alguns deles já efetivamente reduzidos por uma superpotência à posição de dependentes, sob a marca de sua dita “família”. Em vários graus, todos esses países têm o desejo de se livrar do escravizamento pela superpotência ou de controlar e salvaguardar a própria independência nacional e a integridade da respectiva soberania.

Os numerosos países em desenvolvimento há muito tempo padecem a opressão e a exploração colonialista e imperialista. Ganharam a independência política, mas todos aqueles países ainda têm pela frente a tarefa histórica de varrer para fora o que resta das forças do colonialismo, desenvolver as respectivas economias nacionais e consolidar cada um sua independência nacional. Esses países cobrem vastos territórios, abrigam grande população e abundantes recursos naturais. Tendo sofrido a mais dura opressão, esses países têm o mais forte desejo de resistir contra a opressão e de buscar a liberdade e o desenvolvimento.

Na luta pela libertação nacional e pela independência, demonstraram vasto poder e continuamente alcançaram vitórias esplêndidas. Constituem uma força revolucionariamente motivada que impulsiona a roda da história mundial e são a principal força que combate o colonialismo, o imperialismo e particularmente as superpotências.

Dado que as duas superpotências disputam a hegemonia mundial, a contradição entre elas é irreconciliável: ou uma das superpotência impõe-se sobre a outra, ou será engolida. O compromisso entre elas, e a colusão, podem ser apenas parciais, temporários e relativos, mas a disputa é abrangente, permanente e absoluta. Na análise final, as chamadas “redução equilibrada de forças” e “limitação de armas estratégicas” não passam de conversa oca, uma vez que não há nem “equilíbrio” nem há modo possível de impor-lhes qualquer “limitação”. Podem até chegar a alguns acordos, mas acordos entre superpotências são só fachada e burla. Bem feitas as contas, visam a disputa ainda mais ampla e mais feroz. A disputa entre as superpotências cobrem todo o planeta.

Estrategicamente, a Europa é o foco da disputa entre aquelas duas superpotências, e ali estão em confronto constante e tenso. Estão intensificando a rivalidade no Oriente Médio, no Mediterrâneo, no Golfo Persa, no Oceano Índico e no Pacífico. Todos os dias falam sobre desarmamento, mas a verdade é que só cuidam de expandir os respectivos armamentos. Todos os dias, falam de “détente” mas, de fato, trata-se de criar tensão. Onde se oponham, ali eclodem tumultos.

Enquanto existirem imperialismo e social-imperialismo, com certeza não haverá tranquilidade no mundo, muito menos alguma “paz duradoura”. Ou lutarão uma contra a outra, ou os povos se levantarão em revolução. É como disse o presidente Mao Tsetung: Ainda há perigo de uma nova guerra mundial, e todos os povos do mundo devem estar preparados. Mas a principal tendência hoje no mundo é a revolução.

As duas superpotências criaram a própria antítese. Atuando como o grande que intimida o pequeno, o forte predomina sobre o fraco, e o rico oprime o pobre, despertaram forte resistência no Terceiro Mundo e entre o povo de todo o mundo. Povos de Ásia, África e América Latina têm alcançado novas vitórias nas suas lutas contra o colonialismo, o imperialismo e particularmente contra o hegemonismo. Os povos indochineses continuam a pressionar adiante as suas lutas contra a agressão imperialista dos EUA e a favor da liberação nacional.

Na 4ª guerra do Oriente Médio, o povo de países árabes e da Palestina quebrou o controle das duas superpotências e o estado de “nem guerra nem paz” e impôs derrota tremenda aos agressores israelenses. As lutas do povo contra o imperialismo, o colonialismo e a discriminação racista aprofundam-se e prosseguem.

A República da Guiné-Bissau nasceu gloriosa, entre as chamas da luta armada. Lutas armadas e movimentos de massa levados adiante pelos povos de Moçambique, Angola, Zimbábue, Namíbia e Azania contra o poder colonial português e racismo branco na África do Sul e Rodésia do Sul começam a se levantar com vigor. A luta para defender direitos ao mar iniciados por países latino-americanos cresceu até se converter em luta mundial contra a hegemonia das duas superpotências sobre o mar.

A 10ª Assembleia de Chefes de Estado e Governo da Organização da Unidade Africana, a 4ª Conferência de Cúpula de Países Não Alinhados, a Conferência de Cúpula Árabe e a Conferência de Cúpula Islâmica manifestaram sucessivamente forte condenação do imperialismo, do colonialismo, do neocolonialismo, do hegemonismo, do sionismo e do racismo, demonstrando a firme vontade e a firme determinação para reforçar a unidades entre os próprios países em desenvolvimento e o apoio mútuo na luta contra os odiados inimigos de todos. As lutas de países e povos asiáticos, africanos e latino-americanos, avançando onda após onda, expuseram a fraqueza essencial do imperialismo e particularmente das superpotências, que são fortes para fora, mas fracos para dentro, e impuseram pesados golpes à feroz ambição daquelas superpotências, de dominar o mundo.

O hegemonismo e a política de poder das duas superpotências também despertaram forte insatisfação entre os países desenvolvidos do Segundo Mundo. As lutas desses países contra o controle, a interferência, a intimidação, a exploração pelas superpotências, e as decorrentes crises econômicas, crescem diariamente. Essas lutas também têm impacto significativo sobre o desenvolvimento da situação internacional.

Fatos inumeráveis mostram que são absolutamente sem qualquer fundamento todas as avaliações que superestimam a força das duas superpotências hegemônicas e subestimam a força dos povos.

Mas não se trata de uma ou de outra das superpotências ser realmente poderosa. Realmente poderosos são o Terceiro Mundo e o povo de todos os países unidos, que ousem lutar e ousem vencer.

Dado que vários países e povos do Terceiro Mundo são capazes de alcançar a própria independência política mediante a luta, esses países e povos certamente serão capazes de, tudo isso considerado, levar adiante, mediante a luta, profunda mudança nas relações econômicas internacionais. Essas relações econômicas internacionais são hoje baseadas na desigualdade, no controle e na exploração; e a mudança criará as condições essenciais para o desenvolvimento independente das respectivas economias nacionais, ao fortalecer a unidade entre os países e tornando-os aliados entre eles e com outros países sujeitos à intimidação pelas superpotências e com todos os povos do mundo, inclusive com o povo dos EUA e da União Soviética.

Sr. Presidente,

A essência dos problemas das matérias primas e do desenvolvimento é a luta dos países em desenvolvimento para defender a soberania dos próprios estados, desenvolver cada um sua economia nacional e combater o imperialismo, e particularmente o saque e o controle de países do Terceiro Mundo contra o colonialismo, o imperialismo e o hegemonismo.

Como todos sabemos, nos séculos recentes o colonialismo e o imperialismo inescrupulosamente escravizaram e saquearam o povo da Ásia, da África e da América Latina.

Ao explorar a força de trabalho barato dos povos locais e respectivos ricos recursos naturais, e ao impor uma economia desequilibrada e de produto único, aquelas superpotências extorquem superlucros, ao comprar a preço vil produtos minerais e agrícolas, baixam os preços dos bens industriais que os países tenham para vender, estrangulam indústrias nacionais e forçam políticas cambiais desiguais. A riqueza dos países desenvolvidos e a miséria dos países em desenvolvimento são o resultado da política de saque colonialista e imperialista.

Em muitos países asiáticos, africanos e latino-americanos que alcançaram a independência política, as linhas vitais de suprimento continuam a ser controladas pelo colonialismo e pelo imperialismo em diferentes graus, e a velha estrutura econômica fundamentalmente não mudou.

Os imperialistas, e particularmente as superpotências, adotaram métodos neocolonialistas para continuar e intensificar a exploração e o saque dos países em desenvolvimento. Exportam capitais para os países em desenvolvimento e ali constroem um “estado dentro do estado”, servindo-se de organizações internacionais monopolistas travestidas de “empresas transnacionais”, para levar adiante o mesmo velho saque econômico e a velha interferência política de sempre.

Aproveitando-se da vantagem que lhes garante a posição de monopólio nos mercados internacionais, os imperialistas e particularmente as superpotências arrancam lucros fabulosos, graças a aumentos no preço de exportação dos próprios produtos e forçando a queda do preços das matérias primas vendidas pelos países em desenvolvimento. Mais que isso, com o aprofundamento das crises políticas e econômicas do capitalismo e a agudização dos mecanismos de saque aplicados contra os países em desenvolvimento, os imperialistas exportam para os países em desenvolvimento as próprias crises econômicas e monetárias.

Deve-se destacar que a superpotência que se apresenta como país socialista não é menos bem-sucedida no saque neocolonialista. Sob o que se conhece como suposta “cooperação econômica” e “divisão internacional do trabalho”, a superpotência suposta socialista usa medidas refinadas para extorquir superlucros da própria “família”. Ao lucrar do trabalho de outros, aquela superpotência avançou de forma quase inacreditável para quem já conhecia a ação de outros países imperialistas. As “empresas conjuntas” que comanda em alguns países, disfarçadas como “ajuda” e “apoio” são essencialmente cópias das “corporações transnacionais”. A prática corriqueira nesse caso é impor altos preços a equipamento superado e armas de segunda classe, e trocar esses ‘produtos’ por matéria prima estratégica e produtos agrícolas dos países em desenvolvimento. Vendendo enormes quantidades de armas e munição, a superpotência socialista tornou-se mercadora internacional de morte e destruição. Frequentemente se aproveita das dificuldades dos outros países para exigir pagamento de dívidas. Na recente guerra do Oriente Médio, a superpotência suposta socialista comprou petróleo árabe a preço baixo, com grande quantidade de moeda estrangeira acumulada na venda de munição imprestável, e depois vendeu o mesmo petróleo a altos preços, o que gerou lucros monstruosos num piscar de olhos.

Mas aquela superpotência prega a teoria da “soberania limitada”, alega que os recursos de países em desenvolvimento são propriedade internacional; dizem até que “a soberania sobre recursos naturais depende em grande extensão da capacidade da indústria dos países em desenvolvimento para utilizar aqueles recursos”. Só falácias imperialistas, sem tirar nem pôr. Até mais visíveis que a chamada “interdependência” da propaganda da outra superpotência, a qual realmente significa manter preservada o relacionamento de exploração. Um país socialista que mereça o próprio nome tem de seguir o princípio do internacionalismo, tem de garantir apoio efetivo e assistência aos países oprimidos e ajudá-los a desenvolver as respectivas economias nacionais. Pois essa superpotência está fazendo exatamente o oposto. Mais uma prova de que se trata de socialismo nas palavras e de imperialismo nos atos.

O saque e a exploração por colonialismo, imperialismo e particularmente as superpotências fazem os países pobres mais pobres, e os ricos, mais ricos, ampliando o fosso que separa os dois. O imperialismo é o maior obstáculo à libertação dos países em desenvolvimento e ao progresso deles. É inteiramente correto e próprio para os países em desenvolvimento pôr fim ao monopólio e ao saque econômico imperialista, varrer para longe esses obstáculos e tomar todas as medidas necessárias para proteger os próprios recursos econômicos e outros direitos e interesses.

Os feitos do imperialismo e particularmente das superpotências, não podem de modo algum dificultar o avanço triunfante, pela estrada da libertação econômica, dos países em desenvolvimento. Na recente guerra do Oriente Médio [árabes contra Israel], os países árabes, unidos como um, usaram o petróleo como arma, com a qual acertaram forte golpe contra o sionismo e seus apoiadores. Fizeram bem, e também corretamente. Foi ação pioneira, empreendida por países em desenvolvimento em sua luta contra o imperialismo. Aumentou muito o espírito de luta do povo e murchou a arrogância do imperialismo. Rompeu o monopólio econômico internacional mantido há muito tempo pelo imperialismo, e mostrou claramente a força de países em desenvolvimento que se unam para lutar. Se os monopólios imperialistas podem unir-se em gangues para manipular à sua vontade os mercados, com grave prejuízo de interesses vitais dos países em desenvolvimento, por que os países em desenvolvimento não poderiam unir-se para quebrar o monopólio imperialista e assim defender seus próprios direitos e interesses econômicos? A batalha do petróleo ampliou a visão do povo. O que foi feito na batalha do petróleo deve e pode ser feito no caso de outras matérias primas.

Deve-se destacar sempre mais que a significação da luta dos países em desenvolvimento para defender os próprios recursos naturais de modo algum estaria limitada ao campo econômico. Para conseguir expandir suas armas e preparativos para guerra e disputar a hegemonia, as superpotências estão limitadas a saquear com rapacidade os recursos do Terceiro Mundo. É essencialmente necessário que os países em desenvolvimento controlem e protejam os próprios recursos, não só para a consolidação da independência política desses países e para desenvolverem as respectivas economias nacionais, mas também para combater a expansão armada das superpotências e seus preparativos para a guerra, e para impedir que as superpotências iniciem guerras de agressão.

Sr. Presidente,

Reafirmamos que salvaguardar a independência política é o primeiro pré-requisito para que um país do Terceiro Mundo possa desenvolver a própria economia. Ao alcançar a independência política, o povo de um país só completou o primeiro passo, e ainda precisa continuar a avançar para consolidar aquela independência, porque ainda há forças do colonialismo ativas dentro do país, e ainda há perigo de subversão e agressão pelo imperialismo e o hegemonismo. Consolidar a independência política é necessariamente um processo de repetidas lutas. Em última análise, independência política e independência econômica são inseparáveis. Sem independência política, é impossível alcançar a independência econômica; sem independência econômica, a independência de qualquer país é incompleta e instável.

Países em desenvolvimento têm grande potencial para desenvolver com independência a própria economia. Enquanto um país mantém esforços empenhados à luz de suas próprias e específicas características e condições e avança ao longo da estrada da independência e da autossuficiência, é plenamente possível que alcance gradualmente alto nível de desenvolvimento jamais antes alcançado por gerações anteriores na modernização da própria indústria e da própria agricultura. As ideias de pessimismo e desamparo disseminadas pelo imperialismo em conexão com a questão do desenvolvimento de países em desenvolvimento são infundadas e têm sido disseminadas por outros motivos.

Com a palavra autossuficiência queremos dizer que um país deve sobretudo confiar na força e na sabedoria do próprio povo, controlar as próprias linhas econômicas de sustento, lutar duramente para aumentar a produção de alimentos e desenvolver a própria economia nacional passo a passo e de modo planejado. A política de independência e autossuficiência de modo algum significa que deva ser divorciada das reais condições de um país; ao contrário, exige que se distinga entre diferentes circunstâncias, e que cada país trabalhe a própria via para praticar a autossuficiência à luz de suas específicas condições.

No presente estágio, um país em desenvolvimento que quer desenvolver a própria economia nacional deve em primeiro lugar ter pleno controle sobre os próprios recursos naturais e gradualmente afastar o capital estrangeiro. Em muitos países em desenvolvimento, a produção de matérias primas responde por proporção considerável da economia nacional. Se a produção, o uso, a venda, a estocagem, o transporte de matérias primas estiverem em mãos nacionais locais e for possível vendê-las a preços razoáveis, em relações comerciais de equivalência, em troca por maior quantidade de bens necessários ao crescimento da produção industrial e agrícola nacional local, os países em desenvolvimento terão meios para resolver, passo a passo, as dificuldades que enfrentam, e pavimentar o caminho para emergir em menos tempo, da pobreza e do atraso.

Autossuficiência de modo algum significa “fechamento” e rejeição de toda a ajuda externa. Sempre consideramos benéfico e necessário para o desenvolvimento da economia nacional, que os países possam manter intercâmbios econômicos e técnicos baseados no respeito pela soberania uns dos outros, na igualdade de meios e no interesse por benefícios mútuos, e a troca de bens necessários para suprir deficiências uns dos outros.

Aqui queremos enfatizar a importância especial da cooperação econômica entre os países em desenvolvimento.

Países do Terceiro Mundo muito compartilharam no passado, e têm hoje as tarefas comum de se oporem ao colonialismo, ao neocolonialismo e ao hegemonismo das grandes potências, desenvolvendo as respectivas economias nacionais e construindo seus respectivos países.

Temos todas as razões para nos unir mais firmemente, e nenhuma razão para nos distanciar uns de outros. Os imperialistas, particularmente as superpotências, estão tirando vantagem de diferenças temporárias entre nós, países em desenvolvimento, para semear a discórdia e quebrar nossa unidade, e assim continuar a nos manipular, controlar e saquear.

Temos de manter vigilância incansável. Diferenças entre países em desenvolvimento podem muito bem ser resolvidas e devem ser resolvidas, mediante consultas entre as partes envolvidas. É motivo de alegria para nós que, na questão do petróleo, os países em desenvolvimento envolvidos estão empenhados em esforços ativos para encontrar meios apropriados para chegar a solução razoável.

Nós, países em desenvolvimento, devemos não só nos apoiar politicamente uns os outros, mas também nos ajudar economicamente. Nossa cooperação é cooperação baseada em justiça e igualdade, e tem pela frente amplas possibilidades.

Sr. Presidente,

Os países do Terceiro Mundo demandam fortemente que sejam alteradas as atuais relações econômicas internacionais extremamente injustas, e já apresentaram várias propostas racionais de reforma. O governo e o povo chinês endossam calorosamente e firmemente apoiam todas as propostas justas apresentadas por países do Terceiro Mundo.

Afirmamos que nas relações políticas e econômicas os países devem basear-se nos Cinco Princípios – de respeito mútuo à soberania e à integridade territorial nacionais; de não agressão mútua; de não interferência nos assuntos internos uns dos outros; de busca de justiça e mútuo benefício; e de coexistência pacífica. Nos opomos a que se estabeleçam qualquer modalidade de hegemonia e de esferas de influência por qualquer país em qualquer ponto do mundo, que violem esses princípios.

Afirmamos que os assuntos de cada país devem ser geridos pelo povo daquele país. O povo dos países em desenvolvimento tem o direito de escolher e decidir sobre os próprios sistemas sociais e econômicos.

Apoiamos a soberania permanente dos países em desenvolvimento sobre os próprios recursos naturais e sobre o modo como os usem.

Apoiamos as ações dos países em desenvolvimento para atrair e pôr todos os capitais estrangeiros, e particularmente as “corporações transnacionais”, sob seu controle e gestão, até, e incluindo, a nacionalização.

Apoiamos a posição dos países em desenvolvimento de desenvolver a economia nacional mediante “autoconfiança/autossuficiência individual e coletiva” [ing. “individual and collective self-reliance (NTs)].

Afirmamos que todos os países, grandes e pequenos, ricos e pobres, devem ser iguais, e que os assuntos econômicos internacionais devem ser geridos conjuntamente por todos os países do mundo, sem ser monopolizados por uma superpotência, ou por ambas.

Apoiamos o pleno direito dos países em desenvolvimento, nos quais vive a grande maioria da população mundial, de participar de todos os processos de tomada de decisões sobre comércio internacional – monetárias, de embarque e transporte e outros assuntos.

Afirmamos que o comércio internacional deve basear-se nos princípios de justiça, igualdade, mútuo benefício e a troca de bens necessários.

Apoiamos a demanda urgente dos países em desenvolvimento, para melhorar as condições de compra e venda de suas matérias primas, produtos primários e bens manufaturados e semimanufaturados, para expandir os respectivos mercados e gerar preços justos e favoráveis.

Apoiamos os países em desenvolvimento no processo de estabelecer várias organizações de países exportadores de matérias primas para uma luta unida contra o colonialismo, o imperialismo e o hegemonismo.

Afirmamos que a ajuda econômica a países em desenvolvimento deve respeitar estritamente a soberania dos países recipiendários, e não deve ser acompanhada de exigências políticas ou militares, nem se admite a extorsão de quaisquer privilégios especiais ou de lucros excessivos.

Empréstimos aos países em desenvolvimento devem ser isentos de juros, ou só impor juros baixos, e devem incluir períodos de carência para pagamento do principal e juros, ou mesmo a redução e até o cancelamento das dívidas, em caso de necessidade. Nos opomos à exploração usurária ou à chantagem contra países em desenvolvimento, sob o pretexto de oferecer ajuda.

Afirmamos que a transferência de tecnologia para países em desenvolvimento deve ser prática, eficiente, econômica e feita conforme o uso. Especialistas e demais pessoal enviado aos países recipiendários da ajuda têm obrigação de transferir ao povo local, conscienciosamente, o know-how técnico; e devem respeitar as leis e os costumes do país, caso a caso. Não devem fazer exigências especiais nem requisitar amenidades, muito menos se admite que se envolvam em atividades ilegais.

Sr. Presidente,

A China é país socialista e, também, é país em desenvolvimento. A China pertence ao Terceiro Mundo. Seguindo lógica e consistentemente os ensinamentos do Presidente Mao, o governo e o povo chineses apoiam firmemente todos os povos oprimidos e todas as nações oprimidas em sua luta para alcançar ou para defender a independência nacional, para desenvolver a economia nacional e para se opor ao colonialismo, ao imperialismo e ao hegemonismo. Esse é nosso dever internacionalista vinculante.

A China não é superpotência, e jamais buscará sê-lo.

O que é uma superpotência?

Superpotência é país imperialista que, por toda parte onde age submete outros países à agressão imperial, à interferência, ao controle, à subversão ou ao saque, e anseia por alcançar a hegemonia mundial. Se acontece de o capitalismo ser restaurado em algum grande país socialista, esse país inevitavelmente se converterá em superpotência.

A Grande Revolução Cultural Proletária, que avançou na China em anos recentes, e a campanha de crítica contra Lin Piao e Confúcio que se vê hoje ativada em toda a China, visam, os dois movimentos, a impedir a restauração capitalista e a garantir que a China socialista jamais mudará de cor e se manterá sempre em pé, lado a lado com povos oprimidos e com nações oprimidas.

Se algum dia a China mudar de cor e converter-se em superpotência, se também a China se puser como tirana do mundo, e por toda parte submeter outros, por provocação e intimidação, se a China converter-se em nação agressora e exploradora, que o povo do mundo a identifique como agente social-imperialista, que ela seja exposta, que o povo do mundo lhe faça oposição e junte-se ao povo chinês para derrubar qualquer China opressora.

Sr. Presidente,

A história desenvolve-se em luta, e o mundo avança cercado de turbulências.

Os imperialistas e as superpotências em particular, estão naufragados em dificuldades e estão em declínio. Países querem independência, nações querem libertação e o povo quer revolução – eis a marcha irresistível da história.

Estamos convencidos de que, desde que os povos e países do Terceiro Mundo reforcem a própria unidade, que se aliem a todas as forças com as quais se possam aliar e que persistam numa luta longa, alcançarão sem dúvida muitas novas vitórias.

* Líder da República Popular da China, de 1978 [ano das reformas] até se aposentar, em 1992.

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

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