Por Ramez Philippe Maalouf, especial para Oriente Mídia
Há 66 anos atrás, 9 de abril de 1948, os judeus sionistas instalados na Palestina deram início ao processo de limpeza étnica e de genocídio do povo árabe palestino, por meio do massacre da aldeia de Deir Yassin, quando cerca de 254 pessoas (homens, mulheres e crianças) foram assassinadas por dois grupos terroristas sionistas: Irgun (do qual faziam parte os futuros primeiros-ministros israelenses Menachem Begin e Yitzhak Shamir) e a Gang Stern, sob ordens do Hagannah (defesa em hebraico), a maior milícia terrorista sionista em combate. O Massacre de Deir Yassin, como ficou tristemente conhecido, não foi resultado do “calor dos combates” e nem da “sede de vingança” da guerra civil entre sionistas e palestinos travada para a fundação de um Estado na Palestina, como a historiografia oficial israelense (muito bem aceita no Ocidente e até mesmo no Brasil) insiste em afirmar.
A aldeia de Deir Yassin estava localizada próxima a Jerusalém (al-Qods, em árabe), não tinha qualquer valor estratégico e sua população árabe palestina, na época da eclosão da guerra civil, em novembro de 1947, havia assinado um pacto de não agressão com a vizinha “colônia” judia de Giv’at Shaul, reconhecido pelo Hagannah. Como visto, o grupo terrorista não respeitou o pacto e ordenou a matança generalizada dos habitantes e a expulsão dos sobreviventes. Quais seriam as motivações deste massacre?
Em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovara a resolução 181 favorável a “Partilha” da Palestina entre judeus e “árabes” (os palestinos). Legitimava-se internacionalmente, desta forma, uma prática europeia, racista, portanto, liberal, contra os povos árabes submetidos ao poder do imperialismo: a balcanização. Legitimação internacional da agressão europeia à Grande Síria, já dividida territorialmente entre Líbano, Síria, Jordânia, Palestina, Iraque e Kuwait, que criou as condições geográficas para a implosão do nacionalismo árabe.
Um século antes, entre 1839 e 1843, Inglaterra, Áustria, Prússia, Rússia e a Igreja Católica (indiretamente) se uniram para barrar o expansionismo do paxá do Egito (apoiado pela França), o reformista e modernizador Mohammed Ali, que ameaçava o poder do Império Otomano, cuja fragmentação alimentaria os apetites expansionistas dos impérios europeus, algo muito desagradável para os ingleses. O líder dos egípcios era apoiado pelo também reformista e modernizador emir das Montanhas do Líbano Bachir Chehab II. Tropas e frotas anglo-austro-otomanas chegaram a bombardear intensamente Beirute, entre 11 e 14 de setembro de 1840, por terra e mar, matando milhares de pessoas. Em 1843, em consequencia da derrota egípcia, visando submeter o interior da Síria, Inglaterra, Áustria e a Igreja Católica propuseram pela primeira vez na História um programa de balcanização, ou seja, a divisão territorial em bases étnicas e/ou confessionais do Monte Líbano. Desprezando mais de oito séculos de convivência e coexistência mesclada no emirado entre árabes-sírios cristãos maronitas e druzos (uma comunidade heterodoxa do islã), foi proposta a divisão do Monte Líbano entre dois distritos sob bases religiosas, sendo o norte, dominado pelos cristãos maronitas, e o sul, pelos druzos. A separação de duas comunidades religiosas que conviviam entrelaçadas entre si há quase um milênio só poderia ocorrer por meio da força, da violência, da limpeza étnica e o genocídio destas comunidades. Isto foi a centelha para as guerras, massacres e limpeza confessional (de cristãos, druzos e muçulmanos), que sangraram a Síria histórica por duas décadas até que a invasão francesa de 1861 fez criar um território sob hegemonia cristã maronita, mas administrada por um conselho confessional, em substituição aos dois distritos confessionais no Monte Líbano. Como resultado da criação deste município, os cristãos maronitas começaram a emigrar primeiramente para o litoral sírio (Beirute, Sidon, Tiro, Trípoli) e o Egito e, posteriormente, para as Américas. Neste ínterim, os ingleses vislumbram a implantação de uma comunidade religiosa que lhes pudesse oferecer o apoio às suas ambições imperiais naquela região tão estratégica: os judeus.
A fundação de uma entidade territorial fundamentada no exclusivismo comunitário, só poderia se chocar violentamente com a resistência do pluralismo étnico e confessional no Oriente Médio. Os conflitos no Monte Líbano, entre 1840 e 1861, provaram isto. Portanto, não surpreende a feroz resistência dos árabes palestinos à “partilha” da Palestina para dar origem a um Estado exclusivamente judeu, sendo este apoiado com armas e dinheiro pelos EUA, Inglaterra, França e as antigas União Soviética (URSS) e Tchecoslováquia. Com a aprovação da resolução 181 pela ONU, em 1947, os árabes palestinos (cristãos e muçulmanos) combateram (mal armados e decapitados de suas principais lideranças e de seus melhores guerrilheiros pela brutal repressão inglesa à revolta palestina de 1936-39) as milícias sionistas, que eram mais bem treinadas, armadas e financiadas. Com uma comunidade com cerca de 600 mil pessoas implantadas na Palestina por força da Inglaterra e pelas aquisições das terras de proprietários árabes, os judeus sionistas contavam com um exército que chegou a alcançar a inacreditável cifra de 35 mil milicianos no início da guerra civil, em novembro de 1947. Quando os exércitos regulares árabes intervieram na Palestina, somavam, ao lado dos combatentes palestinos e voluntários árabes, apenas 28 mil homens armados, em maio de 1948, enquanto o contingente do exército israelense alcançava a cifra de 41 mil soldados, e no final da guerra, no inverno de 1949, chegaram aos 115 mil militares. Ainda assim, no início dos confrontos em 1947, os palestinos com seus parcos 9 mil combatentes mantiveram equilíbrio nos confrontos com os milicianos sionistas. Até meados de março de 1948, a vitória sionista não era de modo algum perceptível. Foram as intervenções da então URSS e dos EUA no conflito que mudaram os rumos da guerra civil na Palestina.
Os soviéticos enviaram armas para os sionistas, reiterando o voto favorável à balcanização da Palestina, por acreditarem que os governos árabes eram por demais “reacionários”, “feudais” e “pró-imperialistas” (na época, significava ser aliados da Inglaterra e da França), propaganda útil aos sionistas até a Guerra dos Seis Dias (1967). Para a URSS, Israel seria a “cunha anti-imperialista” no Oriente Médio. A intervenção soviética na guerra alarmou os EUA, que prontamente demandaram a suspensão da “partilha” da Palestina no Conselho de Segurança da ONU, em 19 de março de 1948. Este, por sua vez, convocou uma Assembleia para debater a proposta ianque, em 1º de abril de 1948. De imediato, David Ben-Gurion, a principal liderança sionista percebeu que os EUA poderiam não apenas encerrar a guerra, mas também impedir a balcanização da Palestina e a fundação do Estado judeu. Ele deu início ao Plano D (Dalet em hebraico, uma vez que os planos A, B e C já haviam sucedido). Este plano consistia numa conquista militar total da Palestina, no que implicaria na anexação de todos os territórios destinados aos palestinos, assim como a expulsão destes do que seria o futuro Estado judeu erguido sobre todo o país. Era a limpeza étnica e Ben-Gurion já tinha em mente o confronto com os exércitos regulares árabes. A indecisão dos EUA para com a divisão do país levantino só fez as forças sionistas se tornarem mais sistemáticas e objetivas em seus propósitos. Por isto, o Plano D, isto é, a limpeza étnica dos palestinos, era urgente para os sionistas. Afinal, o futuro Estado judeu deveria ser “100% judeu”, apartado e, sobretudo, “limpo” da multimilenar presença árabe na região. Assim sendo, a aldeia de Deir Yassin foi escolhida para ser a primeira das mais de 200 cidades, vilarejos e aldeias a terem a existência árabe-palestina erradicada pelos sionistas, segundo o historiador israelense Ilan Pappé, exilado em Londres, após sofrer ameaças de morte em Israel após publicar o livro A
Limpeza Étnica da Palestina, em 2007.
Quando os ingleses se retiraram definitivamente da Palestina, em 14 de maio de 1948, abolindo mandato sobre o país, a limpeza étnica perpetrada pelos grupos terroristas sionistas Irgun, Gang Stern e o Hagannah havia provocado, de março do mesmo ano até então, a expulsão de 250 mil a 300 mil palestinos, segundo o historiador israelense ultra-direitista-liberal Benny Morris. Cifra que alcançaria a marca de 370 mil palestinos expulsos em 1º de junho de 1948. Estes refugiados palestinos entraram maciçamente nos territórios dos países árabes vizinhos, causando incômodo aos governos autocráticos árabes, clientes do Ocidente, à exceção do governo democrático da Síria.
Foi para impedir a expulsão dos palestinos pelas milícias sionistas, que os exércitos árabes invadiram a Palestina (não atingindo os territórios destinados aos judeus pela ONU) em 15 de maio de 1948. O alvo da intervenção das tropas do Egito, Transjordânia e Líbano não era Israel, exceto para os sírios, os únicos a não serem derrotados no campo de batalha pelas forças sionistas. Talvez, este tenha sido um motivo a mais para o golpe militar patrocinado pelos EUA para derrubar o governo democrático de Chuckri al-Kuwatli, em Damasco, em março de 1949, que instalou uma ditadura militar. Ao tomar o poder em Damasco,o ditador sírio coronel Hosni Zaim, apoiado pelos EUA, expulsou para o Líbano o líder nacionalista árabe-sírio Antoun Saadeh, arqui-inimigo de Israel e do colonialismo europeu, e ainda propôs secretamente a paz ao líder sionista Ben-Gurion, ainda durante a guerra na Palestina, aceitando receber mais de 300 mil refugiados palestinos em troca do acesso às águas do Lago Tiberíades.
Outro ditador árabe a propor negociações secretas com os sionistas foi o emir da Transjordânia, Abdullah al-Hachemi, antes do início da guerra civil entre palestinos e judeus, em novembro de 1947. Neste acordo secreto e verbal, o monarca hachemita, cliente dos ingleses, aceitou a proposta sionista de aceitar a anexação da Cisjordânia em troca do reconhecimento do futuro Estado judeu. Ainda no curso da guerra, os sionistas propuseram ao Egito “ceder” a Faixa de Gaza e o Negev, territórios destinados aos palestinos pela ONU, em troca do reconhecimento de Israel. O rei Faruk, autocrata cliente da Inglaterra, aceitou a oferta sionista, mas Ben-Gurion acabou não “cedendo” o Negev. É preciso ressaltar que as negociações secretas árabe-sionistas não encerravam os combates, pois, os limites entre os Estados árabes e o futuro Estado judeu não estavam definidos, uma vez que o Estado árabe-palestino deveria desaparecer.
Tais acordos secretos entre lideranças árabes antidemocráticas e pró-Ocidente (contrárias à opinião pública árabe majoritariamente favorável aos palestinos) e sionistas acabariam selando o destino dos palestinos antes, durante e após a guerra da Palestina (1947-49), que levaria não apenas à fundação de Israel, mas o não retorno dos refugiados à sua terra natal. Isto contrariava e desafiava a resolução 194 da ONU, de 1948, que demandava o imediato regresso das populações expulsas. Desta forma, Israel consolidou-se como um Estado de maioria judaica, com uma população de 1,1 milhão de judeus e 160 mil árabes-palestinos, sobre a expulsão de mais de 900 mil palestinos de sua pátria. A campanha de limpeza étnica, iniciada com o Massacre de Deir Yassin, havia dado resultados favoráveis aos israelenses. Estabeleceu-se um padrão de conduta para a liderança sionista, racista, o uso de extrema violência contra populações árabes para provocar “choque e pavor” e a expulsão das mesmas.
Tal padrão bem-sucedido seria repetido em inúmeros massacres promovidos por Israel, como em Khan Yunis (1956), Qibyia (1956), Kafr Qasim (1956), Bahr el-Baqar (1970), os incessantes ataques ao sul do Líbano a partir de 1968 até os dias de hoje, atingindo o ponto alto com os Massacres de Sabra e Chatila (1982) e de Gaza (2008-2009), demonstrando uma espécie de “racionalização do genocídio” sem enfrentar qualquer forma de censura internacional mais veemente. Impunidade garantida a Israel com a cumplicidade de governos antidemocráticos no mundo árabe, submissos ao poder dos EUA.
Ramez Philippe Maalouf, nascido no Rio de Janeiro em 1970, bacharel e licenciado em História (UERJ – 2005), especialista em História das Relações Internacionais (UERJ – 2005) e mestre em Geografia Humana (USP – 2011) e doutorando em Geografia Humana (USP)
Isto é o que considero premissa politica exagerada de um governo que desrespeita o seu próprio povo e aos outros no sentido de manter uma visão parcial e mítica da realidade colocando em cheque o próprio israelense quanto o povo palestino massacrado como o judeu através de tempos em tempos os dois deveriam se entender mais e permitir um oriente médio mais livre das ingerências imperiais de certos grupos econômicos,este sim sabotam o interesse da maioria independente da sua etnia.