Declaração de independência, impunidade e violência na Palestina

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A declaração de independência da Palestina está prestes a completar 26 anos. Em 15 de novembro de 1988, o líder Yasser Arafat, falecido há 10 anos, emitiu na Argélia a declaração histórica acordada no seio do Conselho Nacional Palestino. A opção pela diplomacia então anunciada semeou esperança de libertação nacional, mas quase três décadas mais tarde, a ocupação israelense e a espiral de violência que a sustenta está mais arraigada e institucionalizada

Por Moara Crivelente*, para o Vermelho    13 de novembro de 2014 – 17h35 
Daily Mail
 Soldados israelenses reprimem protesto de palestinos na cidade de Kfar Kana, no início de novembro.
 Soldados israelenses reprimem protesto de palestinos na cidade de Kfar Kana, no início de novembro.

“Por autoridade da legitimidade internacional, como cunhada nas resoluções da ONU desde 1947; implementando o direito do povo árabe-palestino à autodeterminação, independência política e soberania sobre o seu solo; o Conselho Nacional proclama, em nome de Deus e do povo árabe-palestino, o estabelecimento do Estado da Palestina em nossa terra palestina, com a Sagrada Cidade de Jerusalém como sua capital.” Assim definia a Declaração da Argélia os parâmetros essenciais para o reconhecimento do Estado da Palestina, já retalhado e assentado no que restou do lar histórico dos palestinos. Depois desta declaração, os palestinos ainda tiveram de abrir mão de muito mais.

Jerusalém é um ponto central da questão Israel-Palestina, sujeita às políticas de anexação e ocupação israelense, à expulsão gradual dos palestinos e à transformação do local sagrado para judeus e muçulmanos em alvo de demandas extremistas, como a destruição da importante mesquita de Al-Aqsa (terceiro local mais importante para o Islã) para a reconstrução de um Templo Judeu. Entretanto, mesmo palco de frequentes episódios de confronto e ocupação, Jerusalém é mantida persistentemente fora das “agendas de negociação” por Israel, que a reivindica como sua capital “indivisível”.

A reunião entre o secretário de Estado dos EUA John Kerry e o presidente palestino Mahmoud Abbas, nesta quinta-feira (13), na Jordânia, é outra tentativa do aliado do sionismo de acalmar ânimos. Kerry vende-se como “mediador”, mas sua ação resulta sempre na impunidade israelense. A espiral de violência instigada pelos discursos extremistas de Israel e pelo aparato midiático é outra vez atribuída aos palestinos, mas as políticas que sustentam a ocupação estão cada vez mais expostas.

Abbas e Kerry discutem como atenuar os confrontos em Jerusalém Oriental e, sobretudo, na esplanada das mesquitas, onde fica Al-Aqsa, mantida sob a tutela do reino hashemita da Jordânia. A violência no local tem incluído novamente a restrição arbitrária ao acesso para orações e a repressão muitas vezes fatal das forças israelenses contra os palestinos revoltados com a situação.

Na quarta-feira (12), o governo de Benjamin Netanyahu aprovou planos para a construção de 200 novas casas para israelenses em plena Jerusalém Oriental, palestina. A porção é, segundo consenso internacional, definida como capital palestina, mas a constante construção de colônias dentro da cidade e ao redor é estratégica para inviabilizar a contiguidade entre o local e o restante da Cisjordânia palestina.

Kerry criticou o anúncio israelense, mas durante o último período de negociações inócuas que o secretário ensaiou mediar, entre julho de 2013 e abril de 2014, o governo sionista de Netanyahu, composto por pesados núcleos representantes dos colonos, anunciou a construção de 14 mil novas casas nas colônias ilegais em território palestino. Da mesma forma, as medidas foram timidamente classificadas de “contraproducentes” pelos EUA.

O embaixador palestino Riyad Mansour escreveu ao Conselho de Segurança da ONU no mesmo dia exigindo intervenção internacional a respeito das tensões em torno de Al-Aqsa, dias depois de o ministro da Economia israelense e porta-voz dos grupos extremistas no governo, Naftali Bennet, ter sugerido uma operação militar contra os palestinos de Jerusalém, fazendo referência às repressões brutais do governo israelense contra os levantes populares do início da década de 2000, a Segunda Intifada.

Responsabilizar Israel pela ocupação

Em artigo para a rede de análises políticas sobre a Palestina, Al-Shabaka, Nadia Hijab e Diana Buttu lembram de instrumentos jurídicos já à disposição para a investida legal dos palestinos contra a liderança israelense. Um exemplo é o parecer emitido pelo Tribunal Internacional de Justiça ainda em 2004 sobre as consequências legais da construção do muro de segregação, chamado pelos israelenses de “barreira de segurança”, que corta a Cisjordânia em mais de 700 quilômetros com um muro de oito metros de altura. No parecer, o TIJ reconhece a ilegalidade da construção e enfatiza os “regimes associados” a ela, como os postos de controle militar, portões de controle do acesso, permissões especiais e outras formas de restrição do movimento dos palestinos na Cisjordânia e para fora dela.

Além disso, o documento reafirma uma posição já adotada antes pela ONU, que se refere aos territórios palestinos da Cisjordânia, da Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental como “territórios ocupados”. A definição é calculadamente rechaçada por Israel, entretanto, devido às consequências jurídicas derivadas do Direito Internacional Humanitário – sobretudo a 4ª Convenção de Genebra. O muro, porém, é apenas um exemplo do regime de segregação, sob o qual os palestinos vivem num estado de sítio e os colonos israelenses beneficiam-se de um regime civil de vantagens descomunais.

Pelos crimes de guerra cometidos novamente em Gaza em julho e agosto deste ano a liderança israelense deve ouvir conclusões do Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2015, mas já se prepara para desconstruí-las. Outro relatório de mesmo teor, com 500 páginas de pareceres sobre os crimes perpetrados na ofensiva Chumbo Fundido (dezembro de 2008 / janeiro de 2009) foi rapidamente engavetado devido ao peso da propaganda israelense e a negligência das instâncias internacionais, ou sua politização.

No último mês, a condição da ocupação militar foi novamente extrapolada pelos episódios de violência escalada em todo o Estado ocupado da Palestina – termo empregado pelas autoridades nos documentos oficiais palestinos – após os mais de 50 dias de bombardeios devastadores na Faixa de Gaza e durante umaofensiva militar já em curso na Cisjordânia.

A violência em Jerusalém Oriental é deliberadamente apresentada como uma questão religiosa devido à sua importância cultural e histórica. Em toda a Cisjordânia, demolições de lares, detenções arbitárias – cerca de sete mil palestinos são prisioneiros de Israel – e a fatalidade das repressões, além da violência dos colonos nos territórios palestinos, são as novas constantes dos noticiários recheados de “racionalizações” sobre a atuação israelense contra uma suposta “ameaça terrorista” com contornos de “fanatismo”, em que apenas as ações palestinas são valoradas.

A instrumentalização da religião para mobilizar o apoio extremista que o aparato israelense de ocupação tem logrado mobilizar é estratégica, como já se argumentou em diversas ocasiões. Uma questão política, de colonização imperialista, ocupação e genocídio é assim simplificada e resumida para mantê-la sob a aparência de uma condição intratável, sem solução, enquanto o regime de ocupação militar também é expandido sob o pretexto da “preocupação securitária”. Neste ponto, é desnecessário dizer que se trata apenas e somente da segurança de Israel, uma vez que a segurança dos palestinos, em todas as suas representações, é inexistente.

*Moara Crivelente é cientista política e jornalista, membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz.

 

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