Brexplosão antiglobalização

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Yoon Young- kwan,* La Onda Digital, n. 776, 4-11-/7/2016,  Montevidéu, Uruguai
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

O populismo, o nacionalismo e a xenofobia contribuíram para a vitória da campanha “Sai” [ing. Exit] no recente referendo do Reino Unido sobre a permanência na União Europeia. Mas essas forças flutuam na superfície de mudança radical muito mais importante: um giro fundamental, no plano mundial, na relação entre Estado e mercado.

Desde o nascimento do capitalismo moderno, esses dois marcos da atividade humana estiveram, de modo geral, em campos opostos. O mercado tende a expandir-se geograficamente, com os atores perseguindo ganhos econômicos, e o Estado quer manter tudo e todos em ordem dentro do território que controla. Um comerciante pode ver oportunidades de mercado em país estrangeiro, mas, se quiser usufruir delas, terá de enfrentar o Estado – logo de início, no plano mais simples, o cidadão terá de enfrentar as autoridades da imigração do país.

Como reconciliar a tensão entre mercado e Estado é a principal preocupação da economia política hoje, como foi também para Adam Smith no século 18, para Friedrich List e Karl Marx no século 19 e para John Maynard Keynes e Friedrich von Hayek no seu extenso debate sobre o tema em meados do século 20.

Consideremos dois extremos hipotéticos na relação Estado-mercado. No primeiro (1), o Estado é mercado global sem fissuras, no qual os indivíduos podem maximizar os benefícios materiais sem nenhuma intervenção do Estado. O problema com esse cenário é que não é possível viver num país deixado vulnerável a todas as consequências negativas da globalização sem limites, como a desvalorização da moeda, a exploração irrefreada do trabalho e não cumprimento das leis da propriedade intelectual e outras.

No outro extremo (2) tem-se um mundo inteiramente integrado de Estados autárquicos isolados, no qual os indivíduos estão protegidos das forças econômicas externas, e o Estado tem plena autonomia nas questões domésticas. Neste cenário, desaparecem todos os benefícios econômicos conhecidos da divisão global do trabalho.

Entre esses dois extremos está hoje grande parte do mundo tal como é, caracterizada por projetos de integração regional como a União Europeia, o Mercosul, a União Europeia Eurasiana [orig. “o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (ALCA)”; trecho aqui modificado (NTs)].

Podemos identificar oscilações importantes durante a história do capitalismo nos últimos séculos, na direção do mercado e na direção do Estado. Por exemplo, o movimento de oposição às Leis do Milho no Reino Unido em 1846 favoreceu um mercado livre no comércio internacional e uma globalização acelerada até o início da 1ª Guerra Mundial.

Depois da 1ª Guerra Mundial, o pêndulo voltou a oscilar na direção do Estado. O capital financeiro no Ocidente estava politicamente debilitado, e uma classe trabalhadora mobilizada aproveitou a oportunidade para exigir empregos e programas de assistência social que iam na direção oposta à lógica e às regras de um mercado globalizado. Nas vésperas da 2ª Guerra Mundial, sobreveio crescente protecionismo mediante políticas isolacionistas – como quando a Grã-Bretanha abandonou o padrão-ouro em 1931, em resposta a uma forte demanda pela libra. A revista The Economist declarou naquele 21 de setembro, “o fim definitivo de uma época no desenvolvimento financeiro e econômico do mundo”.

Depois de aprovada a saída da Grã-Bretanha da União Europeia (UE), o Brexit, a mesma revista advertia: “Grã-Bretanha navega numa tormenta, sem ninguém ao timão.”.

A conferência de Bretton Woods em 1944 marcou outra nova oscilação na direção do mercado, mas daquela vez admitindo certo grau da autonomia nacional. Até finais dos anos 1960, um equilíbrio harmonioso entre abertura internacional e autonomia nacional deu lugar a uma prosperidade generalizada.

Mas a turbulência recomeçou nos anos 1970,quando o crescimento lento e os altos preços da “estagflação” assim como uma crise global de energia fizeram o pêndulo oscilar na direção de mercados totalmente liberalizados – a mudança do mundo keynesiano para o mundo hayekiano, ajudada por Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos EUA.

Com o quê chegamos ao presente. A crise econômica de 2008, e a impossibilidade de a economia global recuperar-se plenamente dela, puseram fim ao projeto iniciado por Thatcher e Reagan.

Como no período posterior à 1ª Guerra Mundial, os trabalhadores começaram a pensar que a globalização os havia deixado para trás, e que os líderes, embora eleitos, favoreciam os financistas e as grandes empresas, à custa do trabalho. No caso do Brexit, a campanha “Sair” votou por mais autonomia nacional, apesar do claro custo material.

Uma versão norte-americana do Brexit talvez não esteja muito distante, se o próximo presidente dos EUA abandona o Acordo da Parceria Trans-Pacífico de Comércio e Investimento com 11 países da costa do Pacífico assinado em fevereiro desse ano. Num momento em que as negociações comerciais em plano global estão quase mortas, a parceria TPP (da sigla em inglês) deveria ser tomada como estratégia razoável para impulsionar o comércio multilateral. Apesar disso, os dois candidatos à presidência dos EUA dizem que se opõem a ele; e estão propondo o que seria um equivalente de um “EUA-exit” [orig. “Amexit“], com os EUA ‘retirando-se’ do sistema de comércio global.

Estamos em território intermediário, desconhecido. A insatisfação social e política seguirá crescendo em todo o mundo, até que voltemos a colocar a relação estado-mercado num ponto de equilíbrio saudável. Problema, aí, é que ninguém sabe como fazê-lo mais bem feito.

Alguns propõem rearmonizar os mercados internacionais com alguma autonomia nacional, como aconteceu em Bretton Woods. Mas a ordem econômica internacional do pós-guerra foi criada para a era de pré-globalização, e ninguém conseguirá meter o gênio outra vez dentro da garrafa. O Brexit marca o começo do fim da última era de globalização. Ninguém pode saber o que virá depois. Mas, sim, podemos ter certeza de que não será o porto derradeiro.*****



* Yoon Young- kwan foi ministro de Asuntos Exteriores de la República da Coreia (Coreia do Sul). É professor emérito de Relações Internacionais da Universidade Nacional de Seul.

Fonte http://www.laondadigital.uy/archivos/14490


Entreouvido na Vila Vudu:

Valha o que valer, é reflexão muuuuuuuuuuuuuuuuuito mais estimulante que o besteirol ‘jornalístico’ de ‘colunistas’ e ‘especialistas’ da mídia-empresa brasileira mal informada, mal formada, preconceituosa e, em todos os casos, conservadora atrasista e/ou metida a ‘ética’ – e/ou do meirelles-serrismo  (Tesconjuro!). Sigue la lucha.

 

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