Bravo (miserável) mundo novo normal

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© Yves Herman
25/8/2015, Pepe Escobar, RT
Tradução Vila Vudu

E qual a verdadeira história por trás da 2ª-feira Negra (seguida de uma 3ª-feira Azul)?

As ações no Índice Xangai/Xenzhen [CSI 300] subiram estonteantes 150% nos 12 meses antes de meados de junho. Pequenos investidores – quase 80% do mercado – acreditaram que a festa duraria para sempre, e em muitos casos endividaram-se pesadamente para participar da bonanza do “enriquecer é glorioso”.[1]

Tinha de haver uma correção. Aquelas ações – que alcançavam um pico em sete anos – estavam obviamente sobrevalorizadas. Combine isso com uma montanha de dados que mostram, essencialmente, uma desaceleração econômica, e o resultado era previsível: as ações do índice Xangai e Xenzhen perderam tudo o que ganharam até aqui em 2015 – e organizou-se venda global massiva. Até conhecidos bilionários perderam, é, bilhões, num piscar de olhos.

Bem-vindos ao novo normal da China; ou ao nosso bravo (miserável) mundo novo normal.

A crise da desordem neoliberal

A dura correção nas ações do índice Xangai/Xenxém é parte do fim de um ciclo. Adeus à China que confiava em taxas de investimento de 45% do PIB. E adeus à China da sede incontrolada por mercadorias.

O problema é que o ajuste no modelo econômico da China está diretamente ligado ao coma persistente da desordem neoliberal, que aí está desde 2007/2008.

Ninguém precisa ser Paul Krugman, para saber que o novo normal é comércio global anêmico; crise severa em quase todos os mercados emergentes; absoluta estagnação cum recessão na Europa; e a China “fábrica do mundo” vendendo menos para o resto do mundo.

Enquanto isso, o dólar norte-americano hiper valorizado estrangula as exportações dos EUA: declínio de 3% só no primeiro semestre. Importações também caíram 2,2%; e isso se soma à corrosão estrutural do declinante poder de compra da classe média.

Para onde quer que se olhe, toda a paisagem estrutural grita a crise da desordem neoliberal. E a máquina chinesa do turbocapitalismo enfrenta dificuldade (relativa) que claramente revela como o cassino financeiro global não encontra apoio dinâmico em nenhum outro lugar.

Mais de $5 trilhões em papel moeda foram varridos para fora desde que Pequim desvalorizou (modestamente) o yuan, dia 11 de agosto – o que disparou a venda global.

Agora, o Fed pode adiar o aumento da taxa de juros pela primeira vez em quase uma década, até o final de 2015. Mas nem assim alguém se atreve a prever cenário promissor de crescimento, considerando um dólar norte-americano ultra forte, um yuan relativamente desvalorizado e queda persistente nos preços do petróleo.

Nada de implosão, nada de pânico

Ao contrário do que o ocidente delira/prevê, a China não está implodindo. Credit Suisse distribuiu análise muito equilibrada. Aqui, os pontos principais.

“China ainda tem muito saudável superávit em conta corrente, sua conta capital permanece em parte fechada e suas maiores instituições financeiras são em grande medida propriedade do estado. Esses fatores combinados garantem à autoridade monetária carta branca para criar liquidez no sistema se quiserem fazê-lo.”

O que acontecerá é que “o crescimento estrutural da China continuará a desacelerar nos próximos poucos anos.”

Não haverá qualquer “pouso turbulento disparado por aperto de crédito e o regime de sistema financeiro/taxa de juros  pode ser mantido relativamente estável.”

Esperar que o crescimento dos retornos/ganhos das empresas chinesas “oscile de volta ao nível de alguns anos passados não é realista.” Mas, crucialmente, “nada justifica o medo de que se repita a crise financeira asiática de 1997 ou alguma crise financeira global como a de 2008.”

Feitas todas as contas, o Credit Suisse recomenda…nada de pânico: “Investidores [devem] focar mais as ações China/Hong Kong que têm fortes microfundamentos e são menos suscetíveis ao crescimento econômico chinês, mas foram arrastadas para baixo por causa da recente fragilidade do mercado.”

Buraco negro no “Buraco do Jackson” [Jackson Hole, Wyoming]

Assim sendo, do ponto de vista de Pequim está tudo sob (relativo) controle.

Mais uma vez: em termos globais, essa recente bolha no cassino não se compara, nem de longe, à crise financeira asiática de 1997/1998. Em vez disso, é, isso sim, mais um claro sinal da fragilidade global em tempo integral, recorrente, que anda sendo tratada como alguma nova normalidade, combinada com a recusa absoluta, de Wall Street, a qualquer regulação financeira forte.

A bola está agora no campo do Fed: o que fazer do tsunami de moeda estrangeira que empurra o EUA-dólar para cima, e torna a indústria norte-americana totalmente não competitiva.

A era dos bancos centrais imprimindo dinheiro eletrônica num ‘alívio quantitativo’ grátis para todos – dinheiro barato fazendo aumentar a “volatilidade do mercado” – pode não ter acabado, ainda. Vejamos o que acontece nessa 5a-feira, quando um simpósio de banqueiros de bancos centrais em Jackson Hole [Buraco do Jackson], Wyoming, estará pesquisando sobre o que fazer da “volatilidade do mercado”.

Bancos centrais adoram empurrar para cima os preços das ações, para beneficiar os 0,0001%. Portanto, se esperam mais delírios aí pela frente. Mas podem confiar que tudo que era sólido desmancha-se no ar.[2] Inclusive o sonho neoliberal. 

Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.



[1] 19/7/2007, “The era of prosperity is upon us”, Patrick Whiteley, China Daily:

“Quando Deng Xiaoping enunciou sua famosa lição “Enriquecer é glorioso” (ing. To get rich is glorious) (…), o ocidente ficou boquiaberto.

Em 1986, uma equipe do programa norte-americano 60 Minutes voou a Pequim para entrevistar o líder chinês de 82 anos. A entrevista, conduzida pelo veterano repórter Mike Wallace, foi fascinante.
Wallace: “Enriquecer é glorioso”. Essa declaração, feita ao povo por dirigentes chineses surpreende muita gente no mundo capitalista. O que tem isso a ver com comunismo?

Deng: Nos termos do marxismo, a sociedade comunista baseia-se na abundância material. Só onde haja abundância material, pode-se aplicar o princípio da sociedade comunista – “de cada um, conforme a capacidade; para cada um conforme a necessidade”. O socialismo é o primeiro estágio do comunismo. Evidentemente, cobre um longo período histórico.

A principal tarefa, no estágio socialista, é desenvolver as forças produtivas, manter crescente a riqueza material da sociedade, aprimorar sempre a vida do povo e criar condições materiais para o advento de uma sociedade comunista. Não pode haver comunismo com pauperismo, ou socialismo com pauperismo.

Por isso, enriquecer não é pecado. Contudo, o que “enriquecer” significa para nós não é o mesmo que significa para você. A riqueza, numa sociedade socialista pertence ao povo. Enriquecer, numa sociedade socialista significa prosperidade para todo o povo. Os princípios do socialismo são: primeiro, desenvolver a produção; segundo, desenvolver a prosperidade comum. Admitimos que alguns e algumas regiões tornem-se prósperas antes, para assim alcançarmos mais depressa a prosperidade comum. Por isso nossa política não levará à polarização, à situação na qual os ricos ficam cada vez mais ricos, e os pobres,cada vez mais pobres” [NTs].

[2] “Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas” (Karl Marx e F. Engels, Manifesto do Partido Comunista, 1948) [NTs].

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