Batalha complexa no sul da Síria: Interferência de Israel põe forças dos EUA sob grave risco

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27/6/2018, Elijah J Magnier, Blog

Daraa (Síria) – A batalha pelo sul da Síria é uma das mais complexas nas quais combatem o Exército Árabe Sírio e aliados, nos sete anos de guerra que o ocidente impôs ao Levante. O início da batalha e a decisão de Damasco de iniciá-la, sem dar atenção à oposição de Israel, já foram discutidos em artigos anteriores. É batalha que ninguém espera que termine rapidamente, e por isso as partes que decidem optaram por dividi-la em dois passos, e adiar a complicada segunda parte na fronteira com Israel, na dependência de “conversações tempestuosas” entre as duas superpotências, segundo fontes bem-informadas em Daraa.

O primeiro passo da batalha pelo sul foi negociada entre Rússia e EUA, e não gerou qualquer oposição de Washington. Tem a ver com a província de Suweida e as áreas leste e nordeste rurais de Daraa, com o objetivo de reabrir as fronteiras com a Jordânia.

O segundo passo permanece suspenso. Tem a ver com uma parte na fronteira com a Jordânia e outra parte na província Quneitra, na fronteira com as colinas do Golan ocupadas por Israel. Porém, detalhe a não perder de vista (e que acrescenta complicadores à questão): em momento algum e em nenhuma circunstância a Rússia concordou com evitar ataques contra o ISIS e a al-Qaeda ou contra qualquer outro grupo jihadista. São itens que jamais apareceram em qualquer acordo sobre a geografia síria, nem no norte, em Idlib, onde al-Qaeda e os jihadistas foram deixados a cargo da Turquia para serem desmantelados (ou serão alvos de ataque pela Rússia, depois da operação no sul).

Moscou está em guerra para destruir e eliminar grupos terroristas que ameaçam a segurança nacional russa, uma vez que há muitos jihadistas russos ativos na Síria. O medo de que os jihadistas espalhem-se ou retornem ao país de origem foi uma das principais razões pelas quais a Rússia optou por intervir no Levante, em setembro de 2015.

Mapa: Situação militar no sul da Síria.
Áreas libertadas pelo Exército Árabe Sírio e aliados, 26/6/2018.

Damasco e Moscou de modo algum aceitarão limitações nessas decisões relacionadas a eliminar completamente ISIS e al-Qaeda em Qunietra, com ou sem a concordância de EUA e Israel. Claro, há militantes que são ‘agentes locais’ da Arábia Saudita e dos EUA disseminados entre os jihadistas na mesma área de operação militar em que se travam os combates. Só será possível evitar que esses ‘agentes locais’ sejam atingidos, se eles se separarem dos grupos que até o Departamento de Estado dos EUA define como grupos terroristas.

Comandantes em campo em Daraa disseram que “EUA e Rússia têm acordos firmados sobre a presença da polícia militar russa nas fronteiras com a Jordânia e no sul (o primeiro passo), depois de a área ser limpa. O fim dos combates e a vitória do Exército Árabe Sírio – sobre a qual não há qualquer dúvida, com rebeldes e jihadistas em pânico, fugindo das vilas depois de apenas tentar uma fraca resistência – permitirão que a rota comercial por terra que conecta Líbano -Síria-Jordânia volte a operar com intensidade, em segurança, para transportar bens para o resto do Golfo. É substancial fonte de renda para Líbano, Síria e Jordânia, pela passagem de fronteira em Masna (entre Líbano e Síria) e Naseeb (entre Síria e Jordânia)”.

Essa primeira parte onde se trava a batalha nos dias mais recentes no sul da Síria não representa qualquer perigo imediato para Israel, ali próxima, que tenta de tudo para impedir que o Exército Árabe Sírio retome o controle de território que é sírio, e aproxime-se das colinas do Golan que Israel ocupa (ilegalmente).

Apesar de essa área onde se travam os combates hoje ser realmente irrelevante para Israel, a situação que ali se estabeleceu é ataque realmente mortal contra a autoconfiança dos jihadistas, inclusive do grupo conhecido como [frente] al-Nusra – que antes se chamava ISIS e na sequência metamorfoseou-se numa franquia da al-Qaeda na Síria até 2017 – e seus aliados, que foram pagos, treinados e armados durante muitos anos pela CIA e pelas Forças Especiais da Grã-Bretanha na Jordânia. Todos esses estão perfeitamente conscientes de que os EUA os abandonarão num piscar de olhos e os deixarão à beira da estrada tão logo seus serviços deixem de ser úteis à causa de Israel-EUA. Na verdade, os mais de 50 grupos locais (inclusive os que são financiados diretamente pela Arábia Saudita) já perderam qualquer esperança de conseguirem fazer qualquer mudança na liderança em Damasco ou de conseguirem construir governo central forte e reconstruir o exército sírio.

Mas o segundo passo – que tem a ver com os militantes do ISIS (estimados entre 1.500 e 2 mil terroristas do Jaish Khaled Bin al-waleed), de al-Nusra (agora sob nova griffe, Hayat Tahrir al-Sham) e seus aliados locais – é muito mais delicado, porque é contíguo ao Golan ocupado e fez soar os sinais de alarme de Israel.

Perto do fim do ano passado, os dois presidentes (Vladimir Putin e Donald Trump) negociaram a criação de uma zona de desescalada no sul da Síria, como meio de atender aos interesses de Israel. Era então, por sua vez, do interesse de Rússia e Damasco acalmar a maioria dos fronts e reduzir a pressão sobre o exército sírio, quando enfrentava combates em vários frontes contra ISIS, al-Qaeda e ‘agentes locais’ a serviço de turcos e norte-americanos, todos ao mesmo tempo.

Até aqui, o presidente russo conseguiu convencer o ocupante da Casa Branca a engolir um ‘sonífero’ e dividir o teatro de operações no sul da Síria em duas partes, sem considerar a desaprovação de Israel, e impondo seu próprio ritmo à guerra. Espera-se que o segundo passo seja negociado entre Putin e Trump no encontro que devem ter em meados de julho, logo depois da reunião de cúpula da OTAN em Bruxelas, desde que os jihadistas abstenham-se de atacar o exército sírio.

Ninguém tem dúvidas de que Israel tem uma política e que os EUA a implementam praticamente todo o tempo, mesmo quando não há em jogo qualquer interesse nacional dos EUA, como em Quneitra, por exemplo. A política de Israel-EUA visa a impedir que o governo de Damasco retome o controle sobre território sírio ocupado por terroristas e aliados dos terroristas. Israel de fato já declarou e confirmou repetidas vezes, que prefere ter os terroristas de ISIS e al-Qaeda junto às próprias fronteiras, e garante apoio a esses terroristas, ainda que estejam, praticamente todos, na lista de organizações terroristas dos EUA.

No que diga respeito ao Irã e ao Hezbollah libanês, embora estejam ativos nas batalha por Daraa, não têm necessidade de permanecerem fisicamente presentes em Quneitra (depois de os terroristas serem derrotados) nem nos limites das colinas ocupadas do Golan no território sírio. Já estão presentes em Beit Jin do lado libanês e têm controle direto sobre a fazenda libanesa Shebaa ocupada, ali próxima. Mesmo assim, a presença de jihadistas takfiris wahhabistas na fronteira entre Israel e Síria representa – aos olhos de Telavive –, um fator de segurança para o Exército de Israel. E Israel não quer que o estado sírio recupere aquele território e elimine dali todos os terroristas e jihadistas.

Imagem:
Armas encontradas em depósito protegido pelos terroristas, na área rural de Daraa, sul da Síria.

“Israel está brincando com fogo”, disse minha fonte em Daraa. – “Indiferente ao perigo de envolver os EUA em confrontos diretos”. “Israel bombardeou na 2ª-feira à noite área vizinha ao aeroporto de Damasco, como ‘recado’ ao governo central sírio de que ‘continua no jogo’ e pode embaralhar as cartas na Síria, atingindo qualquer ponto, sem avisar (e sem objetivo estratégico) e que, assim sendo, os interesses de Israel não podem ser desconsiderados”.

Israel está provocando o Irã e seus aliados, e não só na Síria: está fazendo o mesmo com as forças de segurança do Iraque, de modo a forçá-las a abrir fogo contra soldados dos EUA estacionados na Síria e Iraque. Semana passada, jatos sem identificação, mas que fontes no comando dizem ser israelenses, não dos EUA, bombardearam posição do comando e controle da segurança iraquiana nas fronteiras Iraque-Síria, destruindo vários prédios e matando 22 soldados e oficiais.

Na Verdade, os Unidades de Mobilização Popular (Hashd al-Sha’bi), que se uniram aos ministérios do Interior e da Defesa em 2017, responsabilizaram jatos norte-americanos pelo bombardeio (os EUA controlam o espaço aéreo sobre toda a área entre Síria e Iraque) e juraram vingança. A base de comando e controle monitora o movimento diário de militantes do ISIS para impedir que entrem no Iraque. Em resposta ao ataque de Israel, Bagdá mandou mais forças para as fronteiras, temendo alguma tentativa, de EUA e Israel, para abrir uma brecha pela qual infiltrar o ISIS para a Mesopotâmia.

Fato é que milhares de militantes do “Estado Islâmico” (ISIS) contam com total proteção pelas forças dos EUA no nordeste da Síria, nas províncias de al-Hasaka e Deir-ezzour, onde também estão forças especiais de França e Grã-Bretanha.

Imagem:
Em Ibta’ e Dael (área rural de Daraa), “cidadãos erguem a bandeira síria, chamando o Exército Árabe Sírio para a cidade, na esperança de que a libertem da ocupação por terroristas”.

Aqui não se cogita de “teoria de conspiração”: os EUA realmente dão proteção ao ISIS no nordeste, e Israel protege o ISIS e outros terroristas no sul. Os dois países empenham-se em preservar – não em erradicar – o terrorismo jihadista e impedem que o Exército Árabe Sírio volte ao controle de território sírio ocupado.

Enquanto isso, os russos avançam por um campo minado – como se combater o terror fosse objetivo exclusivamente de Moscou, Teerã, Damasco e aliados, e não interessasse a Israel e EUA.

Os EUA não querem sair da passagem ocupada de al-Tanf, na fronteira com o Iraque, como Damasco exige. Washington tampouco tem qualquer coisa contra o ISIS atacar o Exército Árabe Sírio e aliados na única passagem de fronteira transitável entre Síria e Iraque, em al-Qaem. EUA e Israel preferem ver a Síria de joelhos, sem se recuperar economicamente, e ver o ISIS promovendo a insurgência no Iraque, o que inevitavelmente desestabilizará a Mesopotâmia.

A situação está trazendo de volta os dias de insurgência e resistência contra as forças de ocupação norte-americanas, como em 2003, nos pontos em que, hoje, o Irã é mais confiante para levar seus aliados a atacarem forças dos EUA no Iraque, sobretudo quando a situação política no Iraque é instável, depois das eleições parlamentares.

Parece, mais uma vez, que os EUA nada aprendem da própria experiência. Washington está tirando as luvas, e quando políticos norte-americanos armam e usam terroristas para seu próprio benefício e de aliados dos EUA no Oriente Médio (Israel, de modo especial), a ética e a moralidade escapam pela janela. E tudo passa a ser permitido. De diferente é que, dessa vez, as forças norte-americanas e a própria segurança delas podem estar sendo expostas a grave risco na Síria e no Iraque.

Traduzido por Vila Vudu

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