15/1/2022, Finian Cunningham, Strategic Culture Foundation
“Desde o suposto fim da Guerra Fria em 1991, o ‘currículo’ belicista da OTAN é como uma mancha de sangue que se alastra pelo mapa, numa sucessão de nações destruídas. Haver funcionários da OTAN que ainda pretendam ostentar credenciais de pacifismo, depois de 20 anos de destruição do Afeganistão, é exemplo chocante de dissonância de cognição.”
Autoridades dos EUA e da OTAN insistem em que a Rússia não teria direito de exigir que a Ucrânia seja impedida de integrar a aliança militar. Que a exigência não teria sentido algum.
Mesmo assim, a Rússia insiste em que é “imperativo absoluto”, que a Ucrânia e outras repúblicas que compuseram a União de Repúblicas Soviéticas, como a Geórgia, não sejam admitidas como membros da OTAN. E Moscou deseja que se assine um tratado que formalize essa exclusão.
Rápida reflexão sobre a realidade mostra que há um precedente para a posição de Moscou. As conversações entre autoridades dos EUA, da OTAN e da Rússia, essa semana, estão sendo conduzidas em Genebra e Viena, cidades de dois estados europeus, Suíça e Áustria, obrigados a se manter neutros e fora de qualquer aliança militar.
Esse status de país não alinhado é disposição das respectivas constituições, da Suíça e da Áustria. Mas parte da neutralidade é efeito também de um consenso internacional baseado na posição geopolítica sensível dos dois países, depois de guerras travadas na Europa.
Não é portanto sem precedentes que a Rússia demande garantia legal de que Ucrânia, Geórgia ou outros estados vizinhos sejam mantidos fora do bloco militar da OTAN.
Contudo, se se considera o modo como autoridades dos EUA e da OTAN apresentam as coisas, até parece que as demandas dos russos seriam algum ultimatum inadmissível que violaria a soberania ou a liberdade de alguém. Wendy Sherman, vice-secretária de Estado dos EUA, que se reuniu com seu contraparte russo Sergei Ryabkov em Genebra na 2ª-feira, disse que as demandas de Moscou seriam “inadmissíveis”.
“Não admitiremos que seja quem for feche a política de porta aberta da OTAN, que foi sempre central para a Aliança. Não rejeitaremos a cooperação bilateral com estados soberanos que desejem trabalhar com os EUA” – Sherman disse aos repórteres, depois da reunião de sete horas que teve com Ryabkov.
Declarações igualmente arrogantes vieram do secretário-geral da OTAN Jens Stoltenberg, para quem seria prerrogativa da aliança incluir qualquer nação ao grupo de seus, hoje, 30 estados-membros. Mais da metade desses estados-membros foram incluídos depois do fim da Guerra Fria.
Essas ideias supostas ‘superiores’ são inapelavelmente simplórias ou são ignorantes do ponto de vista histórico. Funcionários dos EUA ou do Leste Europeu erram quanto ao suposto objetivo “pacífico” da OTAN. Parecem ignorar o modo como a aliança foi criada em 1949, como oposição militar à União Soviética e para projetação de poder imperial dos EUA.
Desde o suposto fim da Guerra Fria em 1991, o ‘currículo’ belicista da OTAN é como uma mancha de sangue que se alastra pelo mapa, numa sucessão de nações destruídas. Haver funcionários da OTAN que ainda pretendam ostentar credenciais de pacifismo, depois de 20 anos de destruição do Afeganistão, é exemplo chocante de dissonância de cognição.
A Ucrânia é caso clássico de por que é necessário deter a expansão da OTAN. Uma mudança de regime em Kiev, em 2014, empoderou uma gangue de neonazistas, cujo ódio à Rússia não tem limites. Permitir que esse regime passe a integrar a OTAN equivale a permitir encostar uma adaga na jugular dos russos.
Por que e como Moscou poderia crer em declarações pacíficas, se Washington e OTAN já forneceram mais de $2,5 bilhões em armamento letal à Kiev, ao longo dos oito últimos anos? E o governo Biden planeja aumentar o apoio militar, até mesmo com ampliação da ajuda às forças armadas da Ucrânia, para induzir uma guerra civil naquele país, junto à fronteira russa.
Os tumultuosos eventos no Cazaquistão mostram também o quanto a mudança de regime pode ser fomentada por forças exteriores, em país que partilhe fronteiras com a Rússia. A tentativa de desestabilizar o Cazaquistão parece ter falhado. Mas quem garante que não seja diferente no futuro, como no caso do regime russofóbico pervertido que se instalou na Ucrânia, com a ajuda da CIA, em 2014?
A Rússia acerta ao insistir em que haja uma zona neutra de países não membros da OTAN junto às próprias fronteiras. Não se trata de se intrometer em questões de soberania de outros países, nem de implantar alguma “esfera de influência”. Trata-se de respeitar interesses vitais de segurança nacional. O status de países ‘não OTAN’, de Áustria e Suíça são precedentes óbvios e importantes.
Chega a ser desconcertante que funcionários dos EUA e da OTAN apresentem-se de modo tão arrogante. A falta de consciência histórica que evidenciam, e o não reconhecimento da legitimidade das preocupações dos russos também dão lugar a preocupações graves.
Quase inacreditável o cinismo manifesto dos chamados “principais diplomatas” dos EUA. O secretário de Estado Antony Blinken e sua vice-secretária Wendy Sherman chegaram a sugerir que a diplomacia de Moscou não seria séria. ‘Argumentaram’ que a Rússia desejaria fracassar, de modo a ‘poder’ executar seu ‘plano de invasão’ contra a Ucrânia. Isso, apesar de Moscou ter oferecido repetidas vezes garantias de que não tem intenção de atacar seja quem for, ou ter dito que haver tropas em solo russo não é questão de ‘desescalada’.
É virtualmente impossível dialogar com o pensamento tão fortemente distorcido que se vê nas autoridades dos EUA e da OTAN. A diplomacia norte-americana, parece ter afinal morrido, ter sucumbido à arrogância, à russofobia mais irracional e ter mergulhado em impressionante negação da realidade mais básica.
Moscou insiste, como demanda absoluta, de se ponha fim ao expansionismo da OTAN. Washington insiste em rejeitar tudo que interesse aos russos. O fracasso da diplomacia vai-se convertendo em abismo perigoso.
Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga