Abdallah e Malak: Palestina aprisionada pela ocupação

Share Button

Coordenador do Comitê Popular de Bil’in, Abdallah Abu Rahma ouviu neste domingo (8) a acusação no Tribunal Militar de Ofer: por “atrapalhar o trabalho” de soldados israelenses na repressão de protestos, ele será preso novamente. A sentença ficou para 23 de fevereiro e, segundo a Ordem Militar 101 (1967), pode chegar a 10 anos de prisão. Ao mesmo tempo, ganha força também a denúncia: centenas de crianças palestinas passam por Cortes como essa todos os anos. 

Por Moara Crivelente*, para o Vermelho 

Campanha
Campanha contra a Ordem Militar 101 do Exército de Israel acompanha o caso de Abdallah Abu Rahma.  
Campanha contra a Ordem Militar 101 do Exército de Israel acompanha o caso de Abdallah Abu Rahma.

Em conversa pela Internet, Abdallah contou que já teve de comparecer a diversas audiências no Tribunal Militar de Israel instalado na Cisjordânia palestina. Anexa à Corte está também a Prisão Militar de Ofer, próxima a Ramallah, cidade sede do governo palestino.

No Tribunal há ainda um espaço especial para a audiência de casos que envolvem crianças, onde centenas sentam-se nos bancos dos réus todos os anos. A sala número dois da Corte foi apresentada à época do seu estabelecimento como uma política humanitária com relação à infância palestina, que ali entra vestida em uniformes prisionais marrons e, por vezes, de pés acorrentados.

Para Abdallah, que também integra o Comitê de Coordenação da Luta Popular com ações de resistência não-violenta como princípio, as sessões a que teve de comparecer são a punição por sua insistência em lutar contra a ocupação. Bil’in, como já relatado antes, tem como principal símbolo o muro de segregação que toma vastas porções de terras agricultáveis, construído pelo aparato da ocupação israelense, além das próprias colônias instaladas nas suas novas fronteiras.

Às sextas-feiras, jovens colonos escalam a colina para assistir seus soldados reprimirem os protestos com bombas de gás lacrimogênio, balas de metal revestidas de borracha e, por vezes, água skank, com um produto químico que cheira a esgoto.

Desde 2005, quando Bil’in iniciou sua luta organizada contra o roubo das suas terras por um muro de oito metros de altura e que cresce aceleradamente – o projeto, de 2002, estabelece sua extensão em 800 quilômetros – Abdallah é sistematicamente perseguido. Naquele ano, ele participou de um protesto diante da prisão militar de Ofer, o que é por ele considerado o pontapé inicial da sua perseguição, intensificada devido à atenção que atraiu à causa local. Desde então, a repercussão das práticas israelenses e sua condenação culminaram novamente nas denúncias e nas investigações sobre os crimes de guerraabrangentes da cúpula da ocupação.

Na audiência do domingo, conta o coordenador, organizações de defesa dos direitos humanos, ativistas internacionais e consulados da França, Espanha, Suécia, Finlândia, Reino Unido e representantes da União Europeia estiveram presentes para acompanhar o processo. Já há diversas campanhas internacionais sobre o caso de Abdallah e sobre as ordens militares como a de número 101, que são diretas violações da liberdade de protesto e expressão dos palestinos, dignas de estados de exceção, ou seja, de suspensão dos direitos democráticos.

De julho a setembro do ano passado, devido à escalada da repressão no contexto de uma ofensiva militar na Cisjordânia, mais de três mil palestinos foram presos, elevando a população encarcerada por Israel a 6.200 pessoas, inclusive 500 sob a categoria arbitrária de “detenção administrativa“. De acordo com a Associação de Apoio aos Prisioneiros e de Direitos Humanos “Addameer”, este é o número mais alto desde 2009.

Malak al-Khatib, uma menina de 14 anos de Beiteen (vila próxima a Ramala), também virou o rosto das crianças aprisionadas por Israel. Em 22 de janeiro ela foi sentenciada a dois meses na prisão de HaSharon e a pagar uma multa de US$ 1.500 por “atirar pedras” contra soldados e “portar uma faca”. Malak nega as acusações, mas foi detida em 31 de dezembro de 2014 e tratada de forma “dura”, sem acesso à representação legal. De acordo com organizações locais, no fim daquele ano havia 197 crianças presas por Israel. A Addameer estima que 700 crianças passem todos os anos pela detenção e o interrogatório israelense.

Campanha dos pais de Malak, que foi transferida da sua região, Ramallah (Cisjordânia) para
cumprir a sentença numa prisão em território israelense, HaSharon. Foto: Abbas Momani / AFP

O sistema legal militar israelense é amplamente considerado um componente crucial do regime de controle sobre os palestinos na Cisjordânia ocupada, sobretudo desde 1967, quando Israel avançou sobre o território à total revelia dos acordos provisórios sobre as suas fronteiras e a fronteira da Palestina. Além disso, o sistema também é uma evidência do regime de segregação, ou apartheid, uma vez que só é imposto aos palestinos, enquanto os colonos assentados ilegalmente no território disfrutam de incontáveis benefícios e de um sistema legal civil. Sua representação física é o muro, denominado pelos solidários à causa palestina “muro do apartheid”.

Em mensagem aos que acompanham seu caso, Abdallah disse: “A todos os defensores dos direitos humanos e àqueles que acreditam na justiça da causa palestina, a todos os meus amigos em nosso querido país, a todos os meus amigos que lutam contra a injustiça, a escravidão, o terrorismo e contra a ocupação, em todo o mundo: minha sentença sairá no dia 23 de fevereiro. Tudo isso porque eu quero a liberdade e a justiça, para a segurança e a paz do povo palestino. [Peço] suas orações, já que tudo o que sempre quisemos é um país libertado.”

*Moara Crivelente é cientista política e jornalista, membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz.

Share Button

Deixar um comentário

  

  

  

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.