A tolerância como alternativa para enfraquecer o discurso de ódio e o terrorismo

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Por: Abderrahman Belhaddad¹

Ao compararmos a realidade europeia com a brasileira devemos considerar, tanto o aspecto sociocultural como o tipo da laicidade adotado em cada caso. Pois enquanto as relações sociais nos países europeus caracterizam-se, geralmente, por existir um ambiente de desconfiança entre o Estado e as minorias religiosas e raciais e entre essas e a sociedade laica, no Brasil estas relações são seladas por um espirito de convivência amigável e pacifica e pelo reconhecimento mutuo. A cultura brasileira pelas características próprias fez com que muçulmanos daqui, inclusive árabes assimilarem os princípios e os valores culturais brasileiros, levando-os a identificar-se com aqueles valores que, enquanto laicos ou religiosos predominantes, não machucam os sentimentos religiosos da minoria nem descriminam uma destas em beneficio das demais…

Levando isso em consideração, devemos considerar e respeitar o processo histórico de cada país europeu e saber que a evolução da laicidade seguiu caminhos distintos em cada um daqueles países e que isso influencia até hoje as politicas sociais adotadas no continente europeu. Esta realidade pode ser estendida a países de outras partes do mundo, inclusive Brasil e os E.U.A.

Se fosse para analisar o aspecto sociocultural, os atentados de 11 de setembro em 2001 não deveriam acontecer num terreno, cuja cultura assimila, tolera e convive com as demais e com todas as religiões, tanto que os Estados Unidos da América adotam uma politica que antes dos atentados, encorajava muito a imigração de milhares de pessoas de todas as partes do mundo e não dificultavam a entrada de turistas, inclusive árabes e muçulmanos. Em contrapartida, se fosse para verificar a politica externa europeia, inclusive a francesa o ataque terrorista ao “Charlie Hebdo” no inicio deste mês não teria motivos para ocorrer na França. E além do mais, a politica externa deste país foi contraria a invasão Norte Americana ao Iraque em 2003. Deve-se ressaltar, também, aqui que o ataque terrorista na França ocorreu um mês depois de o Parlamento Europeu apoiar em principio o reconhecimento do Estado Palestino. Conclui-se com isso que quando a politica externa serviu como elemento motivador para criar terra fértil à radicalização religiosa e como pretexto para os terroristas islâmicos atacarem os Estados Unidos, na Europa o aspecto sociocultural neste caso foi o elemento motivador que fortaleceu o discurso do ódio religioso.

Quem acompanhou as transformações sócio-políticas nos países árabes nos últimos vinte anos, percebeu que algo pior que o ataque terrorista que matou chargistas e jornalistas na França poderia acorrer a qualquer momento. Pois as relações sociais nos países árabes começaram a possuir características diferentes e isso se coincidiu com a invasão do Kuwait e o inicio de um engajamento árabe com os problemas políticos que atingiu todos os setores e todas as classes. Pois em 1991 um nacionalista laico como o ditador Saddam Hussein, ao sentir ameaçado pela coalizão liderada pelos Estados Unidos, levantou a bandeira da religião e passou a utilizar expressões religiosas para exortar árabes muçulmanos a alistarem-se às tropas iraquianas naquela época. Se for certo dizer que o ditador iraquiano Saddam percebeu que os povos árabes tendiam a voltar a sua identidade, apegando-se a religião islâmica, deve-se levar em consideração que o embargo econômico ao Iraque apressou a volta árabe à identidade e o refugio a religião para encontrar nela explicações às injustiças sofridas pelo povo palestino e com ele todos os povos árabes. Isso porque estes povos desde a criação do Estado de Israel até os nossos dias sentem chacoteados por uma injustiça histórica que foi imposta pelas potencias contra o povo palestino.

De fato o apoio norte americano incondicional ao Estado de Israel em detrimento dos direitos e interesses do povo palestino e o embargo econômico de treze anos ao Iraque, seguido pela invasão norte americano a este país em 2003 e sem a anuência da O.N.U., alimentou o terrorismo e preparou um terreno fértil para a radicalização religioso-politica no mundo árabe e, posteriormente serviu como pretexto para os radicais islâmicos manipulassem e recrutassem jovens muçulmanos, entre eles árabes.

Na esfera europeia e com exceção dos atentados de Março de 2004 em Madri, os ataques, os atentados e as manifestações violentas organizadas por muçulmanos europeus e imigrantes do Norte da Africa radicados nos países daquele continente foram alimentados por um espirito de intolerância cultivado por ambas as partes.

Se tivermos como elemento essencial na radicalização religiosa a dificuldade de os muçulmanos da Europa integrarem-se às suas sociedades, as marcas do período colonial e as péssimas lembranças da dominação francesa por muitos anos de países como Argélia, Marrocos e Tunísia todo isso alimentou o espirito de intolerância e de desconfiança. Entretanto, as primeiras imigrações de magrebinos (do Norte da África) para a Europa até meado dos anos oitenta do século passado foram caracterizas pela integração da grande maioria deles. Porem, foi a partir dos anos noventa do século passado que o discurso religioso islâmico começou a ganhar força, espaço e certa legitimidade política e os islâmicos multiplicaram-se em células secretas e criaram associações, atuando legal ou ilegalmente nos países árabes. Naquele momento, os governantes árabes, que em tempos passados utilizavam os radicais islâmicos para barrar a expansão do marxismo, depararam-se com uma nova realidade e perceberam que os islâmicos se fortaleceram e tornaram-se, relativamente, populares e infiltraram-se em setores sensíveis e estratégicos em alguns casos.

Naquele momento, o discurso islâmico começou a exercer sua pressão e a praticar uma espécie de terrorismo simbólico sobre as sociedades árabes e de vez enquanto praticava atos terroristas contra jornalistas, políticos e intelectuais árabes modernistas contrários ao processo de islamização politica das sociedades árabe- muçulmanas.

Em alguns países europeus a mesma estratégia dos islâmicos foi utilizada e o cenário citado foi reproduzido com características um pouco diferentes. Entretanto, imigrantes magrebinos islâmicos reprendidos e perseguidos nos seus países de origem, começaram a recrutar membros naquele continente e espalharam suas ideologias nas mesquitas e exerceram o mesmo terrorismo simbólico contra muçulmanos europeus pacíficos que se integraram nas suas sociedades e nunca tinham sentido algum tipo de conflito entre sua fé religiosa e os valores da sociedade laica. Estes islâmicos aproveitaram o clima de liberdade na Europa e utilizavam muçulmanos europeus e levaram-nos a lançar uma campanha de ódio religioso contra indivíduos, partidos e governantes de seus próprios países.

Os momentos de controvérsia sobre determinados temas como o véu e direitos das minorias foram utilizados de uma forma, exagerada, tendenciosa e manipulada pelos radicais islâmicos para acender a fogueira do ódio contra setores da sociedade europeia que defendem a laicidade e a liberdade de expressão.

Quando acompanhamos a evolução do islamismo politico desde seu surgimento com a fundação da “Irmandade muçulmana” no Egito em 1928, concluímos que a grande massa das sociedades árabes não se simpatiza com as ideias e o pensamento de islâmicos. Percebe-se, também que classes e setores daquelas sociedades possuem uma interpretação tolerante e modernista da religião islâmica bem como seguem estilo de vida que tende a ser mais liberal. O principal texto religiosos no Islã possui uma imença multiplicidade de significados e não se pode atribuir a ele o discurso do ódio pregado pelos extremistas, isso porque há grandes diferenças ideológicas entre movimentos islâmicos, sejam eles radicais ou os considerados moderados e o discurso empregado por estes difere muito daquele adotado por modernistas muçulmanos. Ao longo da história árabe-islâmica, a multiplicidade de significados em Alcorão (Al-qurán) produziu denominações e doutrinas religiosas islâmicas distintas. Sendo assim, tanto os muçulmanos como a sua religião foram e são metidos, forçadamente, em conflitos inexplicáveis e com ligações econômico-politicas externas obscuras para defender objetivos alheios, não declarados e tendenciosos.

___¹Professor Mestre de Língua árabe e respectiva literatura na UFRJ.

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