A OTAN anexará a Ucrânia?

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Por Pepe EscobarRussia Today. Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu.

Quem acredite que Washington esteja profundamente apaixonada por “democracia” na Ucrânia deve fazer uma visitinha a eBay, único local onde se viram as armas de destruição em massa de Saddam Hussein, e onde elas continuam à venda, à espera da melhor proposta.

Ou prestar mais atenção às negativas-que-nada-negam do governo Obama, que jura todos os dias que não está guerreando “guerra à distância” nem Guerra FriaRedux na Ucrânia.

Em resumo: a política de Washington para a Ucrânia sempre foi anti-Moscou. Implica mudança de regime sempre que necessária. Dado que a União Europeia (UE), em termos geopolíticos, não passa de apêndice da OTAN, trata-se sempre, de fato, de a OTAN estender suas fronteiras até a Ucrânia. E anexar, pelo menos, a Ucrânia Ocidental – que já seria valioso prêmio de consolação.

É jogo puramente militar-cêntrico – a lógica de todo o mecanismo é, de fato, decidida em Washington, não em Bruxelas. Trata-se da expansão da OTAN, não de alguma “democracia”.

Quando Victoria Nuland, a funcionária neoconservadora do Departamento de Estado, vivia recentemente seus 15 segundos de fama, o que ela realmente disse foi “Nós somos a OTAN. Foda-se a União Europeia”. Não surpreende que tenha havido reunião urgente dos ministros de Defesa dos países da OTAN, em Bruxelas, na 5ª-feira (19/2/2014), exclusivamente sobre a Ucrânia.

Ninguém lerá jamais lerá sobre isso em nenhum veículo da imprensa-empresa nos EUA – e, aliás, tampouco na universidade dos EUA. O professor Francis Boyle, de Harvard, falando a Voice of Russia, ou Stephen Cohen, de Princeton, em artigo recente para The Nation, são luminosas exceções.

Mas qualquer analista informado sabe que o “cérebro” por trás dessa “política”, desde os anos 1970s, é Zbigniew “Grande Tabuleiro de Xadrez” Brzezinski. Dr. Zbig foi orientador do presidente Barack Obama dos EUA na Universidade de Columbia e é o Talleyrand da máquina de política externa do governo Obama.

Pode talvez ter amolecido um nada, recentemente, argumentando que, embora os EUA devam permanecer como poder supremo em toda a Eurásia, Rússia e Turquia devem ser seduzidas pelo Ocidente. Mas não significa que a russofobia histórica de Zbig tenha algum dia diminuído.

A “santa” Yulia voltou!

Agora que estamos (outra vez) com o pé na estrada para mudança de regime na Ucrânia, nem parece tão mau negócio por módicos US $5 bilhões – quantia revelada pela própria Nuland, a neoliberal. Compare-se com outras aventuras externas do continuum Bush-Obama, do Afeganistão e Iraque à Síria. Mas há grandes turbulências à frente.

“Progressistas’”de “progressismo” muito discutível, além de gente obcecadamente da direita mais radical e a rapaziada da geração Google no oeste da Ucrânia e em Kiev parecem cultivar a noção de que o país, submetido a “mudança de regime”, será aceito como membro da União Europeia, com o que a rapaziada obterá passaportes europeus e bons empregos na Europa, como fizeram os encanadores poloneses e os gerentes de restaurantes romenos.

Bem, não é bem assim. Se pelo menos pudessem pegar um EasyJet e ver com seus próprios olhos o que está acontecendo no mercado de trabalho no sul da Europa ou em Londres, para falar só dela, hoje aterrorizado ante uma horda de leste-europeus que ocupam empregos ingleses.

Quanto aos ultranacionalistas e declarados neofascistas – absoluta e totalmente anti-União Europeia – a única coisa que têm na cabeça é livrar-se do abraço do urso russo. Mas… e daí em diante?

Quanto ao ardor “democrático” do Ocidente, é muito fácil esquecer que os fascistas do oeste da Ucrânia lutaram ao lado de Hitler contra a União Soviética. Os descendentes daqueles fascistas estiveram no comando da furiosa violência da semana passada. E o Setor Direita (Pravy Sektor) continua a insistir que manterá o “protesto”. Nesse sentido, talvez não sejam os fantoches preferidos de Washington; são, apenas momentaneamente, panacas úteis.

Quanto à ex-primeira-ministra Yulia Tymoshenko – já elevada no Ocidente ao púlpito de neo Madre Teresa loura – ela chamou os manifestantes da PraçaMaidan (Independência), de “libertadores”. O mais provável é que eles se libertem dela bem rapidamente – quando a altamente corrupta “Santa” Yulia concorrer à presidência, em maio próximo.

A Ucrânia que funciona – o leste e o sul – é constituída de províncias russas históricas (Carcóvia, Mar Negro, Crimeia). O PIB do país é de $157 bilhões. Equivale a 1/5 da Turquia (que pode converter-se no novo Paquistão). No pé em que estão as coisas, a Ucrânia não tem qualquer valor econômico que interesse ao Ocidente (e ainda menos, se se tornar uma nova Síria). De “positivo”, só o deformado avanço estratégico da OTAN.

Quem acredite que uma União Europeia afundada em crises conseguirá dinheiro para arrancar a Ucrânia do pântano econômico em que está, deve, sim, voltar a eBay e fazer mais um lance para ver se compra as armas de destruição em massa de Saddam. Ou, então, que espere o Congresso dos EUA entregar $15 bilhões para aliviar a dívida externa da Ucrânia. Ou que ofereça uma redução no preço do gás importado (como Moscou fez, em dezembro passado).

Dê bom-dia ao meu Iskander

A pergunta de multi-bilhões de dólares é o que fará o presidente Vladimir Putin da Rússia. Há quem diga que se ouvem gargalhadas a rugir pelos corredores do Kremlin.

Para começar, Putin decidirá se Moscou comprará ou não $2 bilhões emeurobonds ucranianos, depois que houver um novo governo em Kiev, como noticiou Gazeta.ru. Kiev não obterá coisa alguma, absolutamente nada, de Moscou, até que se saiba com certeza que o novo regime concorda com jogar o jogo, interessado em manter coeso o país.

“Santa” Yulia, aliás, foi metida no xilindró por causa de um negócio de gás que ela negociou pelos altos preços de Moscou. Voltando aos fatos: a Ucrânia não sobrevive sem o gás russo; e a indústria ucraniana não sobrevive sem o mercado russo.

Podem misturar todos os tons e cores de Revolução laranja, tangerina, campari ou Tequila Sunrise, e jogar dentro do “ajuste estrutural” do FMI: nem assim conseguirão alterar esses fatos. E quanto à União Europeia “comprar a Ucrânia”, podem esquecer.

A gangue da Laranjada Ocidental – dos patrões aos mais subalternos – continua apostando numa guerra civil ao estilo Síria. A anarquia cresce – provocada pelos neofascistas. Cabe aos ucranianos rejeitá-la. Boa solução seria um referendo. O povo que escolha ser uma confederação, fazer uma divisão (nesse caso, haverá sangue) ou manter o atual status quo.

Ofereço aqui um cenário bastante possível. O leste e o sul da Ucrânia voltam a ser parte da Rússia; é bastante razoável pressupor que Moscou aceite. O oeste da Ucrânia é totalmente saqueado, ao estilo do capitalismo de desastre, pela máfia empresarial-financeira ocidental (e ninguém jamais verá sequer a cor de um único passaporte europeu). Quanto à OTAN, consegue as bases, “anexando” a Ucrânia. Mas consegue também miríades de hiper eficientes e acurados mísseis Iskander russos, mirados para as tais bases. A isso se resume o “avanço estratégico” que Washington “conquistou”.

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