A esquizofrenia dos EUA na questão da Síria 1

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Por Claude Fahd Hajjar*

Passou-se quatro anos desde que teve início o conflito na Síria histórica, secular, onde cada monte e cada depressão pode conter valiosos tesouros arqueológicos que ajudam a reconstruir os meandro da história da civilização humana.

Renda per Capita - Siria - 1999-2011 - sem a fonte

Um país seguro e em franco progressoi, cuja população tinha acesso gratuito a saúde, educação e facilidade para a aquisição de moradias. Um centro comercial e distribuidor de produtos manufaturados para os países vizinhos incluindo o norte da África; foi reduzido a uma subsistência de guerra, convivendo com sanções econômicas, racionamento de luz e gás.

A população do norte da Síria, seduzida pelo canto da sereia da “revolução” entoado pelos mercenários do finado Exército Livre da Síria, foi desalojada de suas casas e transferida para barracas nos acampamento, já previamente montados pelas autoridades nas fronteiras turcasii.   Isto, foi em meados de 2011, quando foram iludidas com a promessa de dinheiro fácil e regresso rápido ao lar. Até hoje, os refugiados são reféns dos acampamentos montados pela Turquia, e vivem da caridade dos organismos internacionais como a ONU, a Cruz e Vermelha e o Crescente Vermelho. Inúmeras matérias nas TVs da Síria e Líbano,  veem mostrando o arrependimento destas famílias que cederam suas casas e moradias a um Exército Livre que destruiu o seu país.

O mesmo cenário se repetiu nas fronteiras libanesas que foram porta de entrada para armas e munições de jihadistas que apoiavam a luta para a tomada de Homs, local estratégico da Síria e onde está a refinaria de Homs.

A fronteira jordaniana, próxima à cidade de Daraa onde eclodiu o conflito, também seguiu a mesma estratégia e alocou em sua fronteira os sírios instigado a fugir do conflito por sugestão das TVs Al Jazzera e Al Arabia, que relatavam a situação em campo como caótica, fora do controle do governo e anunciavam a deposição do Presidente Baschar Al Assad em pouquíssimo tempo.

Em maio e junho de 2012 vieram os massacres e as acusações que justificaram o fechamento das representações diplomáticas da Síria na Europa e nos países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), estratégia para afastar da convivência internacional os diplomatas sírios e assim calar a voz da verdadeira história do conflito na Síria.

A Síria foi isolada politicamente, foram anunciadas deserções de políticos e do exército, e sofreu inúmeros atendados entre os quais a explosão de 18 de julho de 2012 em Damasco, do Quartel General do Exercito aonde estava reunido o Ministro da Defesa , general Dawoud Abdelah Rayiha, seu vice- ministro, general Assef Shawkat (cunhado de Assad), e o general sírio Hassan Turkmani, chefe do grupo governamental encarregado da crise, ex-ministro da defesa e até então assistente do vice- presidente, além de outros membros do governo e do serviço de inteligência da Síria Esta investida contra o alto escalão do governo, tinha por objetivo um ”prenuncio da derrocada do regime”, conforme a BBCiii

Estas previsões não se concretizaram, mas o conflito se acirrou e o Exercito Árabe Sírio junto com o povo e o governo amparado por forças especiais do Hesbollah do Líbano veem lutando contra um mar de jihadistas que entraram na Síria pelas fronteiras da Turquia, Iraque, Jordânia e Líbano.

Neste período o Exército Livre da Síria (ELS) foi se esfacelando e estava constituído por mais de 100 facções que inclusive lutaram entre si. Do seu espólio, e graças à argúcia e habilidade da CIA, foi criada a Frente Al Nusra – chamada de Al Qaeda na Síriaiv.

Al Qaeda na Síria

Financiados pelas monarquias do Golfo e desviando munições e armamento da Líbia, recebendo ajuda e treinamento na Turquia e na Jordânia, rapidamente foi formada uma franquia da Al Qaeda na Síria que absorveu grande parte do Exército Livre da Síria e suas mais de 100 facções.

A CIA treinou, preparou e alimentou este grupo terrorista, mas o governo dos EUA rapidamente incluíram esta franquia, a Al Qaeda na Síria ( Frente Al Nusra) na lista das organizações terroristas internacionalmente procuradas.v

ISIS/DAESH / Estado Islâmico

Em seguida surge no cenário da guerra na Síria um novo grupo jihadista, já presente no Iraque ,que foi a resultante da invasão americana àquele país e também foi treinado pela CIA; este grupo autoproclamado ISIS invadiu o norte daquele país e vem cometendo atos atrozes e com requinte de crueldade .

Chama a atenção o desfile com uniformes militares, tênis branco, Jeep Toyota, seu líder se apresenta com um relógio Rolex. De onde surgiu o ISIS?vi

Comboio do ISIS, na província de Anbar, Iraque

Comboio do ISIS, na província de Anbar, Iraque, exibe 1200 caminhonetes Toyota recém-adquiridas. Quem vendeu?

A comunidade internacional que se dá conta do absurdo, estarrecida, não consegue responder, mas analistas de segurança e inteligência se perguntam: Como 1200 veículos Toyota comprados por Israel do Japão foram parar nas mãos do Estado Islâmico? Logo hoje que as fábricas podem rastrear todas as peças e componentes de celulares a automóveis? Como são transportadas munições, e cargas inteiras de veículos, víveres e outros e ninguém sabe e ninguém viu?

“Mudança de Regime”

Para cumprir uma agenda de “mudança de regime” os diferentes países se juntaram para destruir um país soberano, onde a segurança, os serviços sociais, saúde e educação são gratuitos e cuja indústria farmacêutica exportava produtos para os países da Ásia e vizinhos da região.

Cada um dos países envolvidos nesta guerra buscava um pretexto para lutar na Síria e o cenário ideal foi desenhado em março de 2011. Desde o primeiro momento das manifestações, que foram induzidas, e foram relatadas na imprensa internacional como “pacíficas”; um pacifismo que levou à morte vários soldados sírios, que continham os manifestantes: de onde vieram as armas?

Há quatro anos ouvimos o mesmo mantra:” o presidente Al Assad deve deixar o poder” e este cenário chegou a ser filmado em estúdio das TVs árabe como Al Jazeera ou Al Arabia que orquestraram a desinformação e a deposição da presidência e seu governo.

O governo do presidente Bashar Al Assad afirmava desde o início da crise, que a Síria estava sendo atacada por terroristas e hoje esta afirmativa mostrou-se verdadeira, e os países da Coalizão, convocados pelos EUA, estão combatendo o Estado Islâmico, por eles criado, nos céus da Síria e do Iraque.

Presidente Bashar Al-Assad

O mantra da “mudança de regime” continua a ressoar apesar de todas as evidências, dos relatórios das multiplas comissões enviadas pela ONU, onde se afirma que: “na síria combatem mercenários recrutados de 80 nacionalidades diferentes”vii convergem as autoridades sírias e as comissões enviadas para investigar o conflito in locu.

Nos últimos meses estamos vivendo a contradição do governo, do Departamento de Estado, do Pentágono, do Serviço de Inteligência dos EUA. Como exemplo temos a sequencia de notícias contraditórias que os EUA estão emitindo e que leva-nos a pensar em um comportamento esquizofrenico frente ao quadro da guerra da Síria.

No sábado,14 de março 2015 pudemos ler no jornal O Estado de São Paulo:”EUA enviam ajuda a rebeldes sírios” “Washington anuncia que insurgentes moderados receberão U$70 milhões para financiamento de atividades consideradas ‘não letais‘ ”

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Na segunda feira 16 de março de 2015, a manchete do mesmo jornal era:”EUA admite negociar com Assad na Síria” “Em entrevista à CBS, o Secretário de Estado americano, John Kerry, diz que o presidente sírio deve fazer parte de conversações diplomáticas para por fim a guerra civil na síria”.

John Kerry, Secretário de Estado americano

E segue na mesma notícia:

Na sexta feira (16/3/2015) , o diretor da CIA, John Brennan, declarou que o governo americano tem ‘preocupações legítimas” sobre quem poderia substituir Assad no poder diante do fortalecimento do Estado Islâmico. “ Nenhum de nós- nem a Rússia, os EUA, a Coalizão e os Estados da região, quer ver o colapso do governo e das instituições políticas em Damasco” afirmou.

John Brennan,diretor da CIA

No entanto, o site Euro News do mesmo dia, trás: ”A porta-voz do departamento de Estado, Marie Harf apressou-se a afirmar “ Kerry falou de negociar com o regime, não com Assadviii

Este mar de contradições e declarações por parte da midia, e a inconsistência das ações, sugerem que o governo norte-americano vive uma esquizofrenia: Um lado seu quer se manter bem com os “rebeldes moderados” e quer continuar atendendo à demanda doentia da tal “ Oposição”, criada e alimentada pelo Council on Foreign Relations (CFR) que recomendou a criação do ARI- Iniciativa para a Reforma Árabe- este organismo americano é formado por uma elite das relações exteriores americanas chamada também de  Thinktanks e são especializados em financiar grupos de oposição através das diferentes ONGs para a “mudança de regime”ix, e no caso sírio o seu início foi desde 2003. O outro lado, no caso a CIA e outras agencias de inteligência,  seguem um pragmatismo e se defrontam com um grupo terrorista que fugiu de seu controle e  já está atuando e se aliando em cinco frentes diferentes do Oriente médio ao Norte da África.

Há menos de um ano, em junho de 2014, foram realizadas eleições presidenciais, que sucitaram espanto na comunidade internacional: Os eleitores sírios residentes no Líbano compareceram em massa na embaixada síria no Líbano. Foi necessário estender o período de votação para que todos pudessem exercer o seu direito ao voto. O mesmo se repetiu nas cidades da Síria.

Sírios que vivem no Líbano se reúnem em frente à embaixada do país em Yarze, ao leste de Beirute, para votar nas eleições presidenciais sírias (Foto: Bilal Hussein/AP)

Sírios que vivem no Líbano se reúnem em frente à embaixada do país em Yarze, ao leste de Beirute, para votar nas eleições presidenciais sírias (Foto: Bilal Hussein/AP)

O Presidente Bashar Al Assad foi reeleito, concorrendo com dois outros candidatos , em eleições consideradas, segundo delegação de 30 países que aceitaram supervisioná-las, “transparentes e legítimas”.

O governo continua mantendo a sua folha de pagamento, suas instituições funcionam, seus funcionários recebem os seus salários nas diferentes regiões do país, incluindo aí regiões que estão dominadas por estes grupos jihadistas**. Suas escolas e universidades continuam funcionando, os serviços de saúde apesar de sobrecarregados, continuam operando em regime de guerra.

Os EUA e seus aliados na região precisam aprender a respeitar a soberania de países como a Síria, e a vontade da grande maioria da sua população, e  principalmente, saber reconhecer um povo secular que constituí um caleidoscópio de matizes culturais, étnicas, linguísticas e religiosas.

A solução para o conflito na Síria passa pelo Ministério da Reconciliação Nacional, que vem negociando entre sírios e com as comunidades no campo e nas cidades envolvidas no conflito. Porém, é impossível chegar a um acordo de cessar fogo e de entrega das armas se os grupos terroristas continuam recebendo dinheiro, armas e munições.

Precisamos por fim a esta esquizofrenia!

* Claude Fahd Hajjar, psicóloga,psicanalista, pesquisadora de temas árabes e Oriente Médio, autora de livro “Imigração árabe cem anos de reflexão”, diretora de Fearab América, coordenadora do Grupo de Trabalho Árabe e editora do site www.oriente mídia.org

Referências:

iiReportagens das TVs Al Mayadeen; Al Manar e Syrianews

vii Jornal Estado de São Paulo, 18/03/2015

viii http://pt.euronews.com/2015/03/16/siria-bashar-al-assad-menospreza-declaraces-de-john-kerry/

ix https://www.orientemidia.org/moniz-bandeira-eua-promovem-desestabilizacao-de-democracias-na-america-latina-atores-muito-bem-pagos-atuam-na-venezuela-argentina-e-brasil/?

** Bashar al-Assad em entrevista à RTP  : http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=809570&tm=7&layout=122&visual=61

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Um comentário sobre “A esquizofrenia dos EUA na questão da Síria

  1. Responder Jamil Zugueib neto mar 24,2015 13:05

    Muito boa o panorama da Síria em guera pela Claude

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