52 anos de independência da Argélia

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Por Luciana Garcia de Oliveira*.

Nos vos pedimos com insistência

Nunca digam – isso é natural

Diante dos acontecimentos de cada dia.

Numa época em que reina a confusão,

Em que corre o sangue,

Em que ordena-se a desordem

Em que o arbítrio tem força de lei

Em que a humanidade se desumaniza

Não digam, nunca – isso é natural”.

(Bertold Brecht)

Foram há exatamente 52 anos, mais precisamente no dia 18 de março de 1962, em que foi proclamado o fim da guerra na Argélia. Ação pela qual abriu caminho para a independência do país do norte da África, depois de 132 anos de colonização. Muito embora à vista de uma data histórica, na França a discrição nos discursos oficiais, em 2012, sobre a memória dos 50 anos de independência da Argélia, revelam o quanto o assunto ainda esta sensível na memória de muitas autoridades francesas. Em contrapartida e, de modo à contrastar o discurso oficial, foi nessa mesma ocasião que, muitas associações e grande parcela da sociedade civil francesa programaram inúmeros atos, conferências, exposições, publicações de livros e filmagens sobre o assunto durante esse ano. Tudo isso, à fim de resgatar a memória e divulgar informações pouco conhecidas.

A colonização francesa na Argélia foi de povoamento, os chamado pied-noir compravam as terras que haviam sido expropriadas dos nativos. Dessa forma, os argelinos eram, cada vez mais, empurrados para as áreas consideradas improdutivas e desérticas do país. Contudo, houve uma destruição da economia argelina: nas áreas onde antes haviam plantações de cereais para a subsistência dos nativos, os colonizadores passaram a plantar videiras tão somente para a exportação de vinhos.

O crescimento industrial e o desenvolvimento da malha rodoviária da Argélia, fomentaram para que a sociedade argelina também se diversificasse e aumentasse de tamanho. O que propiciou, por sua vez, no crescimento demográfico urbano, ocasionando, da mesma forma, de um importante acréscimo econômico entre os argelinos e possibilitando para que muitos fossem estudar nas Universidades de Paris, na França. Foi, nesse contexto que, surgiram as primeiras organizações de caráter nacionalistas, como Estrela Norte Africana, organização que arregimentava os trabalhadores do Maghreb e o partido do Povo Argelino (PPA), que deu origem, mais pra frente à Organisation de Sécurité, um tipo de entidade paramilitar de atuação por intermédio da luta armada.

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Muito embora, as forças francesas haviam obrigado grande quantidade de argelinos à lutar na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial e, ajudar de fato na libertação da França, então ocupada pelo nazismo, em 1945, o general Charles De Gaulle, quebrou a promessa de libertação da Argélia, situação que provocou o nascimento da luta armada argelina. Em decorrência disso, e a fim de abafar o recente movimento de resistência, muitos massacres foram desencadeados pelas forças francesas em aldeias argelinas.

Mesmo diante da tamanha violência, a maior parte do povo argelino ainda acreditava na possibilidade de mudanças pela via diplomática, por intermédio dos pleitos eleitorais. O que justificou, o surgimento da União Democrática do Manifesto Argeliano (UDMA), em 1946, com o intuito de concorrer às futuras eleições. Porém, as promessas da UDMA estavam longe de um projeto de independência plena, uma vez que, previa uma República argelina ligada à União francesa, de forma que a Argélia não deteria a autonomia tão almejada.

Durante as eleições em 1948, os franceses utilizaram-se de muitas táticas antidemocráticas, como prisões e desaparecimentos forçados de algumas lideranças políticas,  a fim de impedir que esses candidatos pró-independência fossem eleitos pelo voto popular. Nessa altura, o nacionalismo argelino estava cada vez mais convencido que a via legal estava esgotada.

A crescente repressão aos movimentos nacionalistas, revelavam o predomínio do chamado mito do colonialismo benéfico na Argélia. Para a maioria dos franceses, a colonização da Argélia permitiu a civilização de um povo considerado “inferior”, e propiciou para que o país tivesse acesso à estradas modernas e à um parque industrial importante. Por outra parte, o colonialismo não beneficiou a população muçulmana, a qual deteve pouco acesso ao desenvolvimento colonial: as estradas foram construídas tão somente para ligar pontos estratégicos e, havia denúncias de que as escolas financiadas pela metrópole reproduziam tão somente a ideologia que justificava o colonialismo na região africana.

Frente à essa situação, as ações da FLN, como o terrorismo e a sabotagem eram cada vez mais reprimidas pela guarda, sobretudo com a chegada das tropas da elite francesa que na contra mão,  também se utilizavam de métodos terroristas, tortura e massacres.

Cabe ressaltar que a essa altura, mais precisamente em 1954, foi marcado como o ano da derrota francesa em Diem Bien Phu na Indochina, considerado um golpe poderoso no colonialismo francês. No ano seguinte, 1955 a Argélia participou da Conferência de Bandung, momento pelo qual os povos asiáticos defenderam publicamente a sua autodeterminação e o fim do colonialismo na região.

Foi em 1956, que ocorreu a proclamação de Soumman, momento pelo qual os integrantes da FLN puderam realizar um balanço da luta anticolonial. Nesse passo, foram constatados como resultados imediatos, a eficiência dos atentados, os quais proporcionaram um clima de pavor entre os colonos que ainda permaneciam na Argélia.

A inserção da FLN nos meios urbanos, acarretou no crescimento, na mesma medida, da heterogeneidade do movimento, que passou a ser composto por: cristãos, muçulmanos, progressistas, intelectuais liberais e comunistas. Além disso, o movimento anticolonial angariava apoio de muitos países vizinhos como o Egito, Marrocos e a Tunísia. O que, de fato, contribuiu para a internacionalização do movimento.

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Por outro lado, entre os meses de janeiro e setembro de 1957 a FLN recebeu um duro golpe, em um episódio conhecido internacionalmente como a batalha de Argel. Nesse episódio, a base de apoio dos rebeldes era a casbah, o “bairro árabe”, liderada por Yacef Saadi. Uma sucessão de choques armados e atentados na capital da Argélia, resultou num alto saldo de mortes entre os argelinos. Apesar da derrota, muitos protestos surgiram com toda a força e, a repressão violenta, culminou para que setores importante da opinião pública francesa mudassem de opinião.

Na sucessão dos acontecimentos, em setembro desse mesmo ano, as autoridades francesas concluíram a construção da tragicamente famosa Linha Morice, uma barreira completamente eletrificada que percorria toda a fronteira da Argélia com a Tunísia.

Em setembro do ano seguinte, foi proclamado no Cairo (Egito) o Governo Provisório da República Argeliana (GPRA), mediatamente reconhecido pela Tunísia, Marrocos, Líbia, Iêmen e Iraque.  Nessa medida, toda a repressão francesa ainda existente, atraia cada vez mais militantes para a FLN. O alto índice de violência, prisões, humilhações e práticas de torturas na prisões por parte da guarda francesa, derrotava mais uma vez a resistência da FSL na casbah, o que culminou no reaparecimento dos protestos, dessa vez com uma maior força.

A repressão aos protestos populares foi muito violenta, estima-se que soldados dispararam na multidão de homens, mulheres e crianças argelinas – conforme é mostrado no fim do filme A Batalha de Argel – capaz inclusive de transformar completamente a opinião pública francesa, que passou a posicionar-se em prol da independência e à denunciar os abusos cometidos pelo governo francês contra a população argelina. De maneira desesperada, o general Charles De Gaulle tenta implementar, as pressas, o chamado Plano Constatino, um acordo que previa a exclusão do Saara na futura nação argelina. Isso porque na época, estava se descobrindo um enorme potencial energético naquela região, muito cobiçado pelos franceses. Por outro lado, de acordo com De Gaulle, a futura nação argelina somente seria proclamada caso houvesse a rendição incondicional dos revolucionários, na promessa de anistia à todos eles.

Os revolucionaram não aceitaram as condições para a paz e, receosos por um eventual acordo franco-argelino, desencadeou-se mais uma vez, um violento choque nas ruas, evento conhecido como “a semana das barricadas”. O evento, terminou com a derrota dos amotinados, e muitas mortes do lado argelino.

No Brasil, o jornal O Correio da Manhã do dia 07 de dezembro de 1960 destacou o voto brasileiro na ONU, sobre a questão argelina. E, de modo bastante surpreendente anunciou que o governo brasileiro, contra a expectativa geral, “deverá votar a favor da França e contra a Argélia na Assembléia Geral das Nações Unidas”.

A França conseguiu obter o apoio brasileiro, em conformidade com o pensamento jurídico de que a situação que estava sendo debatida, tratava-se antes de tudo de uma questão interna, justamente por isso, os representantes brasileiros defenderam que a ONU não detinha competência para decidir esse caso. É bem verdade que, haviam outros fatores, determinantes que levaram o Brasil a apoiar a França, qual seja, o grande interesse pela manutenção de relações com a França, haja vista que os investimentos franceses no Brasil eram muito importantes sobretudo, diante de um projeto de desenvolvimento acelerado, em plena era Kubitschek.

Por fim, o Brasil assistiu a descolonização da Tunísia, do Marrocos e da Argélia, como um expectador passivo, em conformidade com a sua política de distanciamento e um discreto apoio à potências coloniais. Discreta também foram as poucas notícias na imprensa sobre os 50 anos da independência na Argélia, o que não deve impedir que a história seja enfim revelada.

*Luciana Garcia de Oliveira integra o Grupo de Trabalho sobre o Oriente Médio e o Mundo Muçulmano do Laboratório de Estudos sobre a Ásia da Universidade de São Paulo (LEA-USP).

Saiba mais:

A batalha de Argel (filme); direção de Gillo Pontecorvo; produção de Yaeef Saaid; Argel: casbah films, 1965.

Crônica dos Anos de Fogo (filme); direção de Mohammed Lakhdar – Hamina; Argel, 1975.

DANESE, Sérgio França (org.). Ensaios de história diplomática do Brasil. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1989.

POERNER, Arthur José. Argélia: O caminho da independência. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 1966.

SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como uma invenção do Ocidente. São Paulo: companhia das letras, 1990.

SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. São Paulo: companhia das letras, 1995.

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