Embora alguns estejam elogiando esses veículos e personalidades midiáticas por “finalmente” se posicionarem, muitos enxergaram o que realmente está acontecendo. Diante disso, é importante explicar por que tudo isso é meramente performático e, francamente, profundamente insultante.
28/07/2025

Cena corriqueira em Gaza há 22 meses, mas que só agora está sendo destacada pela imprensa internacional para lavar a sua imagem manchada do sangue do povo palestino
Por Robert Inlakesh*
Após 22 meses de cumplicidade e silêncio, os principais veículos de notícias ocidentais parecem ter tido uma epifania sobre o genocídio transmitido ao vivo na Faixa de Gaza. No entanto, dado que essa mudança coincidiu com uma guinada retórica semelhante por parte das lideranças ocidentais, ela não foi recebida como esperavam — e nem deveria ser.
Você talvez tenha notado uma guinada de quase 180 graus na forma como os meios de comunicação ocidentais vêm relatando as ações de Israel na Faixa de Gaza. Há poucos meses, BBC, Sky News, CNN, AP e até comentaristas populares como Piers Morgan enquadravam o genocídio como uma guerra defensiva de Israel contra o Hamas. [N.E.: o mesmo ocorreu na imprensa brasileira, uma vez que ela não passa de uma sucursal dos veículos hegemônicos ocidentais.]
Agora, essa mesma máquina midiática está confrontando autoridades israelenses, desafiando a propaganda sionista e, em muitos casos, denunciando as políticas de Tel Aviv pelo que realmente são — em sintonia com o que dizem organizações de direitos humanos e relatórios da ONU.
Na quinta-feira, BBC, AP, AFP e Reuters chegaram a divulgar uma declaração conjunta expressando preocupação com seus colegas jornalistas na Faixa de Gaza, afirmando que “eles [os jornalistas palestinos] agora enfrentam as mesmas circunstâncias desesperadoras das pessoas que cobrem”.
Embora alguns estejam elogiando esses veículos e personalidades midiáticas por “finalmente” se posicionarem, muitos enxergaram o que realmente está acontecendo. Diante disso, é importante explicar por que tudo isso é meramente performático e, francamente, profundamente insultante.
Para começar, essa mudança repentina tem sido justificada em toda a mídia ocidental com base no bloqueio total imposto por Israel à Faixa de Gaza nos últimos três meses e em declarações recentes de altos funcionários, particularmente do Ministro das Finanças Bezalel Smotrich.
Para avaliar se isso realmente foi a gota d’água que causou um “despertar”, é preciso verificar se de fato houve uma mudança tão dramática na situação em Gaza.
Quanto às declarações de membros proeminentes do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, é flagrantemente falso que tenha havido qualquer mudança significativa na retórica nos últimos meses. Basta retornar à denúncia da África do Sul apresentada à Corte Internacional de Justiça (CIJ), no final de dezembro de 2023, para ver uma lista completa de declarações genocidas.
Durante as audiências do caso de genocídio na CIJ, em janeiro de 2024, um dos argumentos mais convincentes apresentados pela equipe jurídica sul-africana foi o fato de que todos — do primeiro-ministro, presidente e ministro da Defesa israelenses a figuras midiáticas — fizeram declarações genocidas, que foram interpretadas pelos soldados no terreno como ordens para cometer genocídio.
Em 9 de outubro de 2023, o então ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, afirmou que seu exército estava combatendo “animais humanos” e que “ordenei um cerco completo à Faixa de Gaza. Não haverá eletricidade, nem comida, nem combustível. Tudo está fechado”.
Isso nos leva ao próximo grande motivo alegado para essa suposta epifania coletiva da mídia corporativa: a política israelense de inanição. Sim, Israel impôs um cerco completo a Gaza por mais de 80 dias. No entanto, durante esse período — que começou depois que Israel decidiu romper unilateralmente o cessar-fogo — a mudança na cobertura midiática ainda não havia ocorrido.
O número de pessoas morrendo de fome na Faixa de Gaza indiscutivelmente atingiu níveis nunca antes vistos. No entanto, é importante notar que esse não é exatamente o período em que o maior número de mortes diárias ocorreu.
Também não é verdade que a política de fome seja algo novo. Alguns talvez tentem argumentar que desta vez se trata de uma abordagem mais claramente deliberada.
Mas isso ignora o fato de que, em abril de 2024, a principal organização de direitos humanos de Israel, a B’Tselem, publicou um relatório intitulado “Fabricação da Fome”, no qual acusa Israel de implementar deliberadamente políticas destinadas a causar fome — algo que, de fato, começou a se concretizar antes que Israel fosse finalmente forçado a permitir a entrada de alguma ajuda em Gaza.
Então chegamos às declarações pedindo que Israel permita ajuda humanitária e às manifestações de preocupação com jornalistas.
Vamos analisar essas declarações de preocupação, como as emitidas por BBC, AP, AFP e Reuters. Reflitamos sobre a ideia de que os jornalistas em Gaza “agora enfrentam as mesmas circunstâncias desesperadoras que aqueles que cobrem”.
Isso teria sido verdade se tivesse sido publicado há 22 meses. Só “agora” eles estão sofrendo como os demais habitantes de Gaza? Não. Eles vêm sofrendo exatamente como o restante da população desde o início do genocídio.
Esses jornalistas não precisam de “declarações de preocupação”; eles merecem um pedido de desculpas da BBC, Reuters, AP e AFP pelas reportagens atrozes que publicaram ao longo do genocídio, muitas das quais serviram para branquear e justificar as ações de Israel.
Pelo menos 217 jornalistas palestinos foram assassinados por Israel desde 7 de outubro de 2023, tornando essa guerra em Gaza a mais letal para jornalistas na história da humanidade. Isso representa mais jornalistas mortos durante a cobertura do genocídio do que morreram na Segunda Guerra Mundial e na Guerra do Vietnã combinadas.
Se combinarmos a mudança de postura desses meios com a mudança retórica de seus respectivos governos — ou, ao menos, dos principais partidos políticos a eles alinhados —, começa a fazer sentido o que está realmente acontecendo.
Hillary Clinton foi uma das defensoras da farsa sobre uma “campanha sistemática de estupros em massa promovida pelo Hamas”, usada para justificar a contínua matança de civis em nome de combater o grupo, mesmo sem nenhuma prova concreta para sustentar essa alegação. Agora, ela pede que ajuda humanitária entre em Gaza.
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, também fez declarações pedindo o fim do sofrimento em Gaza e exortando Israel a permitir o fluxo livre de ajuda ao território sitiado. No entanto, ao mesmo tempo, continua vendendo componentes de armas ao exército israelense e persegue ativistas em seu país por se oporem ao papel da indústria armamentista no genocídio.
Basta dizer: isso não é autêntico; é puro teatro. Por quê? Por algumas razões. Primeiro, porque a escala da fome imposta a Gaza começou a pegar mal para os aliados de Israel. Ao contrário dos bombardeios, não há desculpa possível para impedir que alimentos cheguem à população civil.
Além disso, os governos e a mídia ocidentais estão apenas encenando um espetáculo, pois perceberam que o genocídio está em seus estágios finais. Os governos emitem declarações vazias, sem ações concretas, enquanto os veículos de imprensa tentam salvar sua imagem já arruinada.
O mundo inteiro assistiu a todos esses veículos — antes considerados referência no jornalismo — mentirem descaradamente e agirem como taquígrafos do ministério das Relações Exteriores de Israel. Agora, para manter alguma relevância no debate, precisam fingir que estão responsabilizando Israel.
Isso também abre caminho para que comecem a moldar os limites do que será considerado discurso “aceitável” sobre o tema — depois que claramente perderam o controle sobre a narrativa. Da direita à esquerda, passando pelos não alinhados politicamente, todos os grandes influenciadores e jornalistas independentes nas redes sociais estão agora comparando Israel aos nazistas e chamando o que está acontecendo em Gaza de genocídio.
Essas comparações, há apenas um ano, eram vistas como inaceitáveis. Agora, é comum ouvir pessoas comparando Benjamin Netanyahu a Adolf Hitler.
Caiu a máscara da liderança ocidental e de sua engrenagem midiática corporativa. Eles não podem fingir agora que não foram cúmplices do genocídio em Gaza.
No mínimo, todos deveriam pedir desculpas — não ao público ocidental que enganaram, mas aos palestinos que conseguiram sobreviver a esse holocausto.
* Artigo publicado no The Palestine Chronicle em 27/07/2025.
Fonte: Fepal