
Por Ibrahim Alzeben

- Introdução Geral
A causa palestina atravessa hoje um momento decisivo, após mais de sete décadas de ocupação e sofrimento.
Nos últimos meses, o mundo tem testemunhado uma mudança significativa nas posições internacionais, refletida em uma nova onda de reconhecimentos do Estado da Palestina por países da Europa, América Latina, Ásia e África.
Essa movimentação ocorre como reação à catástrofe humanitária na Faixa de Gaza, onde mais de dois milhões de pessoas estão submetidas a uma campanha de extermínio sistemático, destruição quase total da infraestrutura e fome generalizada – algo sem precedentes na história recente.
Ao mesmo tempo, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental vivem uma escalada de violência, com a expansão dos assentamentos ilegais, confisco de terras e expulsão forçada de famílias palestinas, como parte de uma política de “anexação gradual”.
Nesse contexto crítico, destacou-se a iniciativa franco-saudita apresentada na Assembleia Geral das Nações Unidas, que propõe reativar um processo político baseado no fim da ocupação e na criação de um Estado Palestino independente nas fronteiras de 1967, com Jerusalém Oriental como sua capital.
- A Importância do Reconhecimento do Estado Palestino
- Afirmação do direito histórico e legal do povo palestino:
O reconhecimento internacional é o reconhecimento de que a Palestina é um povo com direito à autodeterminação, conforme a Carta das Nações Unidas e as resoluções 181 (1947) e 242 (1967).
Trata-se de uma negação clara da legitimidade da ocupação e da imposição de fatos consumados pela força. - Reforço da posição jurídica e diplomática:
A adesão da Palestina a instituições como o Tribunal Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional permite responsabilizar Israel por crimes de guerra e violações graves, inclusive atos que configuram genocídio em Gaza. - Restauração do equilíbrio nas relações internacionais:
Por décadas, a narrativa israelense dominou o cenário político ocidental.
Hoje, com o aumento dos reconhecimentos, começa a surgir um novo bloco internacional que entende que não haverá estabilidade no Oriente Médio sem o fim da ocupação e a criação de um Estado Palestino soberano. - Reativação da opção por uma paz verdadeira:
O reconhecimento não encerra o conflito, mas estabelece as bases políticas e jurídicas para um processo de paz sério, em contraste com a mera “gestão do conflito” que falhou repetidamente. - Fortalecimento da posição árabe e regional:
A atual onda de reconhecimentos reforça os esforços árabes, em especial a iniciativa franco-saudita, que busca construir uma paz justa baseada nas resoluções internacionais e no princípio “terra por paz”. - A Realidade no Terreno – Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental
- Na Faixa de Gaza:
Mais de dois milhões de palestinos vivem sob bloqueio total há 17 anos, agravado no último ano até se transformar em uma catástrofe humanitária documentada.
A região sofre bombardeios e destruição massiva, atingindo hospitais, escolas, abrigos e centros de ajuda humanitária da ONU.
Relatórios das Nações Unidas e de organizações de direitos humanos confirmam que o que ocorre em Gaza é um genocídio lento e deliberado, no qual a fome é usada como arma de guerra.
Milhares de famílias foram completamente exterminadas, e mais da metade da população vive ao relento ou entre ruínas. - Na Cisjordânia ocupada:
A situação também é alarmante, com prisões arbitrárias, execuções sumárias e ataques de colonos armados protegidos pelo exército israelense.
Diariamente, terras agrícolas são confiscadas e casas demolidas em cidades como Hebron, Nablus, Jenin e Tulkarem, como parte de uma política de esvaziamento gradual da população palestina. - Em Jerusalém Oriental:
A cidade sofre uma política de judaização sistemática, que inclui confisco de propriedades, demolição de casas e expulsão de famílias palestinas de bairros históricos como Sheikh Jarrah e Silwan.
Além disso, há restrições à liberdade de culto e tentativas de alterar o status jurídico da Mesquita de Al-Aqsa, em provocação aberta aos sentimentos de milhões de muçulmanos e cristãos ao redor do mundo.
Tudo isso ocorre sob o governo mais extremista da história de Israel, composto por ministros que defendem publicamente o “deslocamento forçado dos palestinos” e até a “aniquilação de Gaza”.
Essa ideologia de extrema-direita, religiosa e racista, representa uma ameaça direta à paz e à segurança internacionais.
- Conquistas Recentes
- O número de países que reconhecem o Estado da Palestina já ultrapassa 145 membros das Nações Unidas.
- A opinião pública mundial mudou significativamente após a tragédia de Gaza, com grandes manifestações de solidariedade em cidades europeias, latino-americanas e asiáticas.
- O Tribunal Internacional de Justiça emitiu pareceres legais importantes, confirmando que a ocupação israelense é ilegal e que os Estados têm a obrigação de não colaborar com a sua manutenção.
- O Tribunal Penal Internacional continua investigando crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos nos territórios palestinos ocupados.
- Em muitos países, universidades, parlamentos e organizações civis estão exigindo o reconhecimento de direitos plenos ao povo palestino.
- Pela primeira vez em muitos anos, o tema palestino retornou ao centro da agenda internacional, com legitimidade política, moral e jurídica.
- Desafios e Dificuldades Persistentes
- A continuidade da ocupação israelense, com expansão de assentamentos, demolição de casas e políticas de apartheid.
- O apoio político e militar incondicional dos Estados Unidos a Israel, que bloqueia qualquer avanço concreto rumo a uma solução justa.
- O enfraquecimento do papel das Nações Unidas, substituídas, na prática, por uma política americana unilateral.
- A divisão interna palestina, que fragiliza a representação política e prejudica o poder de negociação.
- O duplo padrão internacional, que pune alguns países por violações enquanto protege Israel, minando a credibilidade do sistema internacional.
- A destruição social e econômica causada pelo bloqueio e pela guerra, especialmente em Gaza, dificultando a reconstrução e o funcionamento das instituições palestinas.
- Caminhos Necessários para a Próxima Etapa
- Reconciliação nacional palestina, com base em um programa político comum que una todos os setores sob uma visão de Estado.
- Manter as referências legais internacionais — as resoluções da ONU, os pareceres do Tribunal Internacional de Justiça e o direito internacional humanitário.
- Ativar a via jurídica internacional, apoiando as investigações do Tribunal Penal Internacional e responsabilizando os autores de crimes de guerra.
- Apoiar a diplomacia árabe e internacional, especialmente a iniciativa franco-saudita, como ponto de partida para um novo processo político equilibrado.
- Expandir o reconhecimento diplomático nos países da Europa Ocidental e no G7, demonstrando que reconhecer a Palestina é um passo para a estabilidade, não uma ameaça.
- Fortalecer a resistência civil e o desenvolvimento, investindo em educação, saúde e infraestrutura, para consolidar os alicerces de um Estado funcional.
- Ampliar a diplomacia popular e midiática, promovendo a narrativa palestina nos meios de comunicação internacionais e nas plataformas culturais e acadêmicas.
- Conclusão
O mundo enfrenta hoje um teste moral e político decisivo:
ou apoia o direito dos povos à liberdade e à autodeterminação, ou continua refém da lógica da força e da impunidade.
O reconhecimento do Estado Palestino não é um gesto político simbólico, mas um ato de justiça e humanidade.
Ele representa a esperança de que o Oriente Médio possa finalmente caminhar rumo à paz com dignidade e igualdade.
O progresso já alcançado é resultado de anos de resistência e diplomacia perseverante, mas o caminho ainda é longo.
Somente com determinação, unidade e apoio internacional contínuo será possível transformar o reconhecimento em uma realidade política concreta, onde a Palestina viva livre, independente e em paz ao lado de seus vizinhos.
Ibrahim Alzeben, Embaixador da Palestina no Brasil. Decano dos Embaixadores Árabes no Brasil.
