Bom dia a todas e todos.
É uma honra estar aqui hoje, compondo essa mesa ao lado de figuras que há muito admiro — intelectuais, professores, ativistas e representantes da causa palestina, cuja trajetória é referência ética e política para toda uma geração.
Falo aqui como estudante da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, representando o Centro Acadêmico XI de Agosto e, por consequência, também a comunidade discente. Somos jovens que aprendem o Direito em meio a um mundo em colapso, e que não se contentam em assistir a esse colapso de braços cruzados.
Estar aqui hoje é, para mim, antes de tudo, um exercício de escuta. Não trago a pretensão de fazer análises técnicas mais profundas que as dos professores e especialistas dessa mesa. Mas trago o compromisso de falar a partir do lugar que ocupo: o de uma jovem brasileira, universitária, e membro de uma geração que não aceita silenciar diante do inaceitável.
O que estamos testemunhando na Palestina não é uma tragédia natural, não é uma guerra convencional, não é um conflito entre dois lados equivalentes. O que está em curso é uma política sistemática de limpeza étnica, apartheid e genocídio, amplamente documentada por organizações internacionais, especialistas em direito internacional e, sobretudo, pelo próprio povo palestino.
O uso da palavra genocídio não é retórica, tampouco exagero. Trata-se de uma categoria jurídica precisa. E quando olhamos para Gaza — onde crianças são bombardeadas enquanto dormem, hospitais são alvo de mísseis, populações inteiras são privadas de água, comida, eletricidade e dignidade —, percebemos que todos os elementos caracterizadores do genocídio estão presentes.
A brutalidade do regime de ocupação não se limita às fronteiras físicas da Palestina. Ela também se manifesta na repressão internacional a atos de solidariedade. Recentemente, ativistas e militantes da Flotilha da Liberdade — incluindo advogados, médicos e parlamentares — foram detidos e violentamente tratados por tentarem romper simbolicamente o bloqueio ilegal a Gaza e entregar ajuda humanitária. São pessoas desarmadas, comprometidas com a paz, que foram recebidas com armas e prisões. Esses episódios revelam que, para além da ocupação territorial, o que está em curso é uma tentativa de sufocar até mesmo os gestos de empatia e solidariedade para com o povo palestino. E isso, também, é um ataque direto à democracia global e à liberdade de expressão.
E, no entanto, a resposta da maior parte das potências ocidentais — e de boa parte da comunidade universitária internacional — tem sido a omissão, a relativização e, em alguns casos, a cumplicidade.
Diante disso, me pergunto: qual é o papel da juventude nesse cenário? Qual é a nossa responsabilidade histórica enquanto estudantes universitários brasileiros?
Ao longo da história, a juventude não foi apenas testemunha dos grandes conflitos — ela foi, muitas vezes, motor de resistência e de virada de consciência histórica.
E hoje, na Palestina, não é diferente. É a juventude palestina que documenta os ataques em tempo real, que escreve poesia sob os escombros, que estuda em tendas, que insiste em viver — e em resistir.
Na esteira dessa resistência, milhares de jovens ao redor do mundo têm se somado ao chamado do povo palestino. Esse movimento não é contra indivíduos. Ele é uma ação estratégica contra um regime colonial, ocupacionista e violador sistemático de direitos humanos. E, nesse contexto, a universidade ocupa um lugar central.
A Universidade de São Paulo, como instituição pública e de referência internacional, não pode se omitir diante de um genocídio. A permanência de convênios com universidades e centros de pesquisa israelenses, muitos dos quais colaboram diretamente com o aparato militar de ocupação, é incompatível com os princípios da produção científica livre, da cooperação entre os povos e da ética acadêmica.
Por isso, como representante do XI de Agosto, manifesto aqui a defesa do rompimento imediato de tais convênios institucionais. Quando defendemos o rompimento dos convênios universitários com instituições israelenses, não estamos falando apenas de contratos burocráticos ou de formalidades institucionais. Estamos falando de coerência ética. Recentemente, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, declarou com todas as letras — e com orgulho — que Israel “matou cientistas iranianos” para impedir o avanço de pesquisas tecnológicas. Essa fala não é apenas um escândalo diplomático — é uma ameaça direta à ideia de ciência como bem público, e um sintoma claro da militarização da produção do conhecimento. Manter acordos com universidades que atuam sob essa lógica não é neutro. É escolher a cumplicidade. E, para uma universidade pública como a USP, que historicamente se posiciona em defesa da democracia e da liberdade científica, isso é inaceitável.
Também defendemos que o governo brasileiro rompa relações diplomáticas e comerciais com o Estado de Israel enquanto persistirem crimes contra a humanidade.
É claro que desejamos o fim do conflito. Mas não pode haver paz sem justiça, nem cessar-fogo que congele a colonização. Não basta interromper os bombardeios — é preciso garantir soberania, autodeterminação e o direito de retorno ao povo palestino.
O silêncio, nesses momentos, não é neutro — é cumplicidade. A neutralidade institucional, em contextos de opressão, serve apenas para proteger o status quo.
E nós, enquanto estudantes, enquanto juventude brasileira, enquanto comunidade universitária, não aceitaremos esse silêncio. Não falamos aqui por vaidade política, nem por oportunismo ideológico — falamos porque acreditamos que a vida humana vale mais que qualquer conveniência diplomática e que a justiça não pode ser seletiva.
Se a juventude é sempre chamada a sonhar, então que o nosso sonho coletivo seja o de que nenhuma criança palestina precise aprender o nome de uma bomba antes de aprender a escrever o próprio nome. Que a USP, o Brasil e as universidades do mundo todo estejam do lado certo da história — do lado da vida, da liberdade e da justiça para o povo palestino.
Se o presente é de luta, o único futuro possível é o de uma Palestina Livre!
Centro Acadêmico XI de Agosto!
São Paulo, 6/8/2025