
Carta Aberta ao Presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva
Senhor Presidente,
O Brasil ocupa hoje um lugar central e singular no concerto das nações. Nosso país demonstrou, diante das pressões internas e das ameaças de uma extrema-direita ainda influente no Parlamento e no Senado, a força de uma justiça verdadeiramente independente. No entanto, é preocupante constatar que os Estados Unidos, como nos velhos tempos em que apoiavam as ditaduras militares na América Latina, tentam agora exercer pressões para impedir que o ex-presidente Jair Bolsonaro seja julgado. As provas esmagadoras de sua tentativa de golpe de Estado contra Vossa Excelência, contra o vice-presidente Geraldo Alckmin e contra o ministro do STF Alexandre de Moraes não deixam margem a dúvidas. Diante dessas pressões externas, o Brasil se impõe, mais do que nunca, como bastião da democracia, um modelo de funcionamento institucional que inspira o mundo — especialmente em uma época em que os Estados Unidos, antiga referência democrática, afundam no autoritarismo e em derivas que minam sua credibilidade.
É precisamente em nome dessa exemplaridade que o Brasil deve ir mais longe. Se quisermos permanecer coerentes com nosso papel de defensores do direito internacional e da dignidade humana, é imperativo romper imediatamente com o Estado de Israel. Esse Estado, por sua empresa colonial, sua violência sistêmica e sua política de extermínio contra o povo palestino, é hoje pior que o Estado de apartheid que foi a África do Sul.
O que está em jogo na Palestina não se limita à esfera humanitária e política: trata-se de uma verdadeira escolha civilizacional. É escolher o caminho da justiça em vez do da barbárie — caminho que, infelizmente, grandes potências do Norte, como os Estados Unidos, a Alemanha, a Inglaterra, a França e outras, decidiram adotar ao apoiar cegamente Israel. Esse apoio nada mais é do que uma tentativa de lavar a própria consciência diante do extermínio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, transferindo cinicamente a responsabilidade desse crime histórico aos palestinos, árabes e muçulmanos. Estes, por sua vez, são acusados de um antissemitismo ignóbil e falacioso. Essa acusação demonstra o perigo de dirigentes e Estados capazes de instrumentalizar a memória de seus mortos, fazendo de seus ossos um capital político em vez de honrá-los.
É como cidadão brasileiro, naturalizado desde 2009, que lhe dirijo este apelo. Ao contrário de Vossa Excelência, Senhor Presidente, que nasceu brasileiro pela graça do destino, eu escolhi me tornar brasileiro porque acredito nesta nação, em seu povo e em sua capacidade de encarnar os valores inscritos em nossa Constituição. Valores que exigem mais igualdade em nosso país, no mundo e que, sobretudo hoje, clamam por uma resposta urgente em relação à Palestina.
Por isso, peço-lhe solenemente que rompa as relações diplomáticas com Israel, esse antiEstado, verdadeiro armagedon, e ponha fim a qualquer cumplicidade com essa monstruosidade colonial.
Senhor Presidente,
O senhor tem em suas mãos a oportunidade histórica de inscrever definitivamente o Brasil como uma potência moral, capaz de se erguer contra os crimes de Estado, quaisquer que sejam, e de dar ao mundo um exemplo de coragem política e ética internacional.
O Brasil não pode permanecer neutro diante do genocídio. O Brasil deve estar à altura de sua história, de suas lutas e de seus ideais.
Respeitosamente,
Mohammed Hadjab
Mohammed Hadjab, analista em geopolítica e Relações Internacionais
Fonte: Jornal GGN