Brasil precisa romper relações diplomáticas com Israel

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Brasil precisa romper relações diplomáticas com Israel

Gettyimages.ru / Thiago Ribeiro Membros do movimento Palestina Livre protestam durante a cúpula do G20, que aconteceu em 18 de novembro de 2024, no Rio de Janeiro, Brasil.

Do ponto de vista histórico, o Brasil teve grande papel na criação do Estado de Israel. Todos sabemos que quem presidiu a sessão de 29 de novembro de 1947 que aprovou o chamado Plano de Partilha da Palestina era o diplomata brasileiro, de ascendência judaica, Osvaldo Aranha. Quem presidia nossa Nação naquela época era o general Eurico Gaspar Dutra.
Em 15 de maio de 1948, dia que os palestinos chama de Nakba – Catástrofe – David Ben Gurion proclamou a criação do Estado de Israel. Pois menos de um ano depois disso, em 7 de fevereiro de 1949, o governo Dutra reconheceria o novo estado de Israel e iniciaríamos as relações diplomáticas com o estado sionista, após o que eles chamaram de Guerra da Independência.

Nas décadas seguintes, seja sob os governos de Juscelino Kubistchek de Oliveira ou já sob o regime militar, nos episódios conhecidos como a “Crise do Suez”, ainda que tivéssemos adotado uma postura neutra, mantivemos laços e ficamos ao lado de Israel. Da mesma forma, da chamada “Guerra dos Seis Dias”, em 1967, sob o governo do general Costa e Silva, também ficamos neutros, mas tampouco condenamos Israel pelos ataques.

As coisas vão mudar um pouco a partir de 1973, com a crise do petróleo. Sob o governo do general Médici, na guerra do Yom Kippur acabamos por adotar uma postura mais pró-árabe, em função do petróleo. Já sob o governo do general Geisel, em 10 de novembro de 1975, o Brasil vota na ONU a Resolução 3379 que equipara o racismo ao sionismo.

Essa proposta foi apresentada pelos países árabes e apoiada pela União Soviética e pelo chamado bloco socialista. Foi aprovada por 72 votos a favor contra 35 com 32 abstenções. O Brasil votou a favor. Essa resolução duraria apenas 16 anos. Ela seria derrubada em 16 de dezembro de 1991, ano em que a URSS acabou. O Brasil votou pela sua revogação sob o governo de Fernando Collor de Mello.

A partir de 1998, no último ano do primeiro governo de Fernando Henrique, as coisas começam a mudar a favor de Israel. Ele decide visitar o estado sionista. É a primeira visita a Israel desde a sua criação em 1948 há 50 anos. Nenhum mandatário brasileiro havia colocado os pés naquele “país” que guarda a excrescência do colonialismo.

Os governos populares

As mudanças começam a ocorrer quando Lula toma posse em 1º de janeiro de 2003. As relações com os palestinos passa por melhorias substanciais. Ao final de seu segundo mandato, em 10 de dezembro de 2010, Lula reconhece a Palestina como estado plenipotenciário e sua embaixada em Brasília passa a gozar de todas as prerrogativas garantidas pelas convenções de Genebra sobre diplomacia. E esse reconhecimento dá-se sobre as fronteiras de 1967.

Da mesma forma com a presidente Dilma nos seus seis anos de governo, as relações com os palestinos e árabes em geral foram boas e de muita solidariedade. Dilma usa o termo “massacre” para os ataques que Israel perpetra na Faixa de Gaza. Finalmente, na atualidade, o presidente Lula tem se destacado entre os chefes de estado e de governo que mais critica Israel e vem utilizando o termo “genocídio” para caracterizar o que Israel vem fazendo na Faixa de Gaza.

Lula chegou a utilizar a palavra “Holocausto” palestino para caracterizar o que vem acontecendo com os palestinos. Isso irritou profundamente o governo sionista de Israel. Isso fez com que o governo de Nethanyahu declarasse Lula uma “persona non grata”.

É preciso registrar momentos de grandes tensões entre o Brasil e Israel, em especial desde 7 de outubro de 2023, quando a resistência palestina fez as operações espetaculares de incursões nos territórios ocupados e capturou mais de 400 prisioneiros de guerra, que a mídia chama de “reféns”. Israel inicia aí – completados no dia 17 de julho de 2025 – 650 dias – um genocídio do povo palestino que ultrapassa a 60 mil mortos, ainda que fontes científicas digam que podem ultrapassar a 300 mil.

Israel sabe que o governo brasileiro é pró-palestino. Não só pelo fato de termos sido os primeiros a reconhecermos formalmente em todo o mundo a Palestina como estado plenipotenciário. Depois do Brasil, praticamente toda a América Latina passou a reconhecer. E os palestinos são muito gratos a Lula e ao PT e seus partidos aliados, em especial o PcdoB, o maior e mais antigo partido aliado de Lula desde 1989.

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O único momento de nossa história – um período trágico na verdade – em que as relações com o estado judeu sionista foram mais do que amistosas, foram de subordinação, foram os quatro anos em que o palácio do Planalto foi ocupado por um sionista cristão – ainda que ele provavelmente nem saiba o que isso signifique – que atende pelo nome de Jair Bolsonaro. Uma tragédia para nosso país, mas um reforço para o sionismo.

Bolsonaro e seu filho Eduardo, só no período após 2019, já como presidente e depois como ex-presidente, visitou Israel pelo menos seis vezes, até onde alcançou a rápida pesquisa que realizei. Esse número deve ser bem maior, se levarmos em contar os 28 anos que ele passou até 2018 como deputado federal na Câmara dos Deputados e com sua aproximação com os evangélicos fundamentalistas, cada dia mais adeptos do sionismo cristão.

Também sob o governo Bolsonaro falou-se em mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo orientação de Donald Trump em seu primeiro governo. Isso acabou não se concretizando. Ao que me consta, o único país que efetivou essa mudança foi o Paraguai. No entanto, vários acordos de cooperação foram assinados, alguns na área militar.

A situação atual

Eu reconheço que não há correlação de forças que hoje permitam que o Brasil rompa relações diplomáticas com Israel. A agência de lobby judaico no país, que atende pelo nome de CONIB, é poderosa. Ela processa nosso amigo Breno Altman. Eu mesmo tive problemas com eles, quando tive que responder a um processo no Ministério Público de SP, aberto pela Unicamp, sob a acusação de ser antissemita (sic), processo esse devidamente arquivado.

A força da bancada evangélica, toda ela sionista cristã, é muito grande. Estimam-se que possam chegar a 200 membros, em sua maioria integrantes da Frente Parlamentar Evangélica. Vários canais de televisão ou são de judeus sionistas ou são de pessoas não judiais, mas que estão à serviços do sionismos e do seu projeto de colonização da Palestina. Isso deforma o seu jornalismo.

A prova disso é que os palestinos e líderes da comunidade árabe jamais são chamados para dar seus depoimentos. Nunca são ouvidos. Não tem o “outro lado” em suas reportagens. Apenas o de Israel, que é sempre vítima.

Ainda que o Brasil não vá romper com Israel – e louve-se a Colômbia que foi o único país que o fez nesses 650 dias – algumas atitudes louváveis foram tomadas, mas, de meu modesto ponto de vista, muito insuficientes. A primeira deles, foi a chamada de nosso embaixador em Tel Aviv. Estamos com um sub-representação em Israel. Que responde pelo Brasil na nossa embaixada é um encarregado de negócios.

Tampouco demos o agrément (o aceite diplomático, a creditação formal de um embaixador no país) ao representante diplomático de Israel em Brasília. Também forçamos Israel a ficar com uma sub-representação diplomática em nosso país, ou seja, eles estão sem embaixador ou com um encarregado de negócios.

Cortamos ou diminuímos alguns convênios ou acordos de cooperação em várias áreas que tínhamos, em especial militar. De certa forma, pisamos no freio como se diz. De um modo geral, nosso comércio com Israel é muito pequeno. Coisa de 2,5 bilhões de dólares ou 0,7% do total de 350 bilhões de dólares em 2023.

Mas, ainda é altamente preocupante que em 2022 tenhamos exportado quatro milhões de barris de petróleo, totalizando US$1,2 bi/dólares, ou seja, metade de todo nosso comércio. Não tem nenhum sentido vendermos petróleo para um país que mata crianças e mulheres palestinas!

Por fim, é preciso registrar a decisão mais importante, tomada no último dia 16 de julho, quarta-feira, pelo presidente Lula. O Brasil entrou como litisconsorte no grande processo que a África do Sul move contra Israel na Corte Internacional de Justiça, corte essa que faz parte do sistema das Nações Unidas. Essa é uma grande decisão.

Eu diria até que essa decisão seria quase que o pré-rompimento, pois o seu significado é de um quase rompimento. A própria África do Sul não rompeu, mas é quase que como se tivesse rompido. No limite, se Israel for punido como se espera, por essa corte do sistema da ONU, ela pode, no limite, ser até expulsa do concerto das Nações. É o que se espera para que justiça seja feita aos palestinos.

Uma breve conclusão

Penso que as várias medidas que temos adotado de represálias contra Israel são todas absolutamente insuficientes para punir esse estado bandido e pária que vive à margem das nações soberanas. Um estado que só respeita as decisões multilaterais quando lhes convém. Na maioria das vezes, ignora todas as decisões da ONU, em especiais as tomadas que lhes exigem a desocupação das terras palestinas e a volta às fronteiras de 1967.

Israel não tem conserto. É um estado anômalo como dissemos. Um estado criado para colonizar em um momento da história quando o colonialismo está com o seu fim em todos os continentes. O sionismo é uma doutrina racista, ainda que a ONU, por circunstâncias históricas determinadas, tenha reconsiderado essa posição, segue sendo racista e supremacista. Ele discrimina pessoas pela religião, pela etnia, pelo poder econômico, pelo local de moradia e por tantas outras formas.

Não há saída para aquele conflito senão pela criação do Estado da Palestina, de forma democrática, livre e soberana, com fronteiras definidas e acordadas com a liderança daquele sofrido povo pela sua representação que é a Organização para a Libertação da Palestina.

Estive por três vezes na Palestina. Milito no movimento de solidariedade a esse povo desde 1982 e assim seguirei até que esse estado nacional seja finalmente edificado. Deixei na Palestina muitos amigos e amigas. E para lá voltaremos em breve em novas missões de solidariedade. Viva a libertação da Palestina!

Fonte: RT Brasil

 

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