A ordem internacional está ameaçada!

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Conflitos armados, crises humanitárias e o forte retorno do nacionalismo e do protecionismo indicam que o sistema está falhando.

 

foto de pessoa estendendo a mão acima da água

Foto de Nikko Macaspac no Unsplash

“Há algo profundamente errado com um sistema que não consegue impedir que a fome seja usada como arma de guerra, que aquisições territoriais pela força voltem a ser aceitáveis, que dezenas de milhares de civis confinados em uma estreita faixa de terra sejam mortos ou que regras comerciais básicas sejam ignoradas.

A ordem internacional concebida após a Segunda Guerra Mundial foi concebida para evitar que esses eventos se repetissem. Foi implementada em torno de valores que deveriam ser compartilhados, como a preservação da paz e da segurança, a proteção dos direitos humanos, a autodeterminação dos povos, a não proliferação de armas nucleares, químicas e biológicas e a integração comercial.

O direito internacional foi fundamental nesse processo. Acordos foram assinados e instituições foram criadas para viabilizar a cooperação. Isso permitiu vários avanços, como a Carta das Nações Unidas (1945), que criou a ONU e estabeleceu uma governança para a preservação da paz e da segurança; a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e dezenas de outros tratados; a Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (1948), que impôs a obrigação de prevenir e punir esse crime; as Convenções de Genebra (1949) e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (1998) sobre a punição de crimes de guerra e crimes contra a humanidade; o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (1970), que tentou conter a proliferação nuclear e criou a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA); e o GATT de 1947 (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) e as rodadas de liberalização comercial até a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1994.

Essas conquistas prometiam uma ordem baseada em regras, na qual os conflitos seriam evitados ou administrados de forma a reduzir os danos. Mas conflitos armados, crises humanitárias e o retorno forçado do nacionalismo e do protecionismo indicam que o sistema está falhando.

Uma possível explicação é que, embora tenha trazido avanços, essa ordem continha as sementes da relativa desordem que o mundo vive. Primeiro, nunca foi verdadeiramente igualitária. O poder de veto no Conselho de Segurança, que permite que o órgão seja paralisado pela decisão de um entre cinco países, e a falta de força vinculativa das decisões da Assembleia Geral da ONU, são exemplos eloquentes.

Em segundo lugar, as regras eram aplicadas seletivamente. Alguns eram forçados a segui-las, enquanto sua violação sistemática por outros era tolerada. Essa ordem internacional também era parcial. Estabelecia limites sempre que pudesse representar uma ameaça aos interesses dos países mais poderosos. EUA, China, Rússia e outros, por exemplo, não aderiram ao Tribunal Penal Internacional (TPI) para não terem que entregar cidadãos acusados ​​de crimes de guerra ou crimes contra a humanidade. A proibição total de armas nucleares, que sempre foi um objetivo declarado, está cada vez mais distante.

Mesmo assim, as regras e instituições internacionais continuam essenciais para enfrentar desafios globais, como as mudanças climáticas. Prova disso é que os países ainda se sentem obrigados a buscar legitimidade para suas ações nas regras e hesitam em se retirar de negociações internacionais.

A atual ordem internacional está ameaçada, em parte por suas próprias falhas, mas a melhor aposta é reformar a governança global e pressionar a sociedade civil para forçar os governos a retomar seu compromisso com uma ordem internacional equilibrada e funcional.”

Rabih Nasser, sócio-fundador do Nasser Advogados e professor da FGV Direito SP, já publicado anteriormente na Folha de São Paulo e publicado pelo Prof. Salem Nasser no seu Substack- Cegueira Seletiva.

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