O Presidente Donald Trump, que apertara o nariz a Benjamin Netanyahu quando este lhe veio pedir para anexar Gaza, apresta-se para tomar o controle do território palestiniano. Enquanto Telavive se prepara para anexar o conjunto da Palestina do Mandato e que, pelo contrário, o Egito e a Jordânia tratam da entrega das chaves à Autoridade Palestiniana, uma vasta operação imobiliária de 100 mil milhões de dólares é preparada.

A Marcha do Retorno, foto de Steve Sabella, do seu álbum “The Great March of Return”.
O Presidente Donald Trump convocou, em 27 de Agosto, uma reunião na Casa Branca para recolher sugestões quanto ao futuro de Gaza. À volta de JD Vance, Vice-Presidente, juntaram-se Steve Witkoff, enviado especial, e Marco Rubio, Secretário de Estado, estavam também presentes Jared Kushner, antigo Conselheiro durante o primeiro mandato, Tony Blair, antigo Primeiro-Ministro britânico, e Ron Dermer, Ministro israelita de Assuntos Estratégicos.
Não foi publicado nenhum comunicado após esta consulta. No entanto, segundo o Washington Post, a Faixa de Gaza seria «administrada pelos Estados Unidos durante pelo menos 10 anos enquanto se transformaria num complexo turístico brilhante e num centro de fabrico e de alta tecnologia. Seria aí investida a soma colossal de US $ 100 mil milhões (bilhões-br) de dólares.
Esta possível operação corresponde à visão dos «jacksonianos». Em 1830, o Presidente Andrew Jackson (1829-1837) promulgou o Indian Removal Act ( a «Lei de Deportação dos Índios»). Para acabar com as “guerras índias”, ele propôs atribuir-lhes reservas, em vez de os continuar a massacrar. A transferência dos índios foi particularmente mortífera para os Cherokees (episódio do «Trilho das Lágrimas»), mas eles aceitaram essa forma de paz, enquanto quase todas as outras tribos índias a rejeitaram. Dois séculos depois, apenas a tribo Cherokees enriqueceu e se integrou, enquanto todas as outras tribos ficaram marginalizadas. Sem dúvida alguma, o método de Jackson conseguiu por fim ao genocídio dos Índios, mas a que preço ?
O projeto em curso de desenvolvimento por Trump é tão chocante para os Palestinianos como de Jackson foi para os Cherokees, mas propõe uma solução onde ninguém mais a tem. Os Palestinianos que se batem desde há várias gerações para fazer valer os seus direitos contentar-se-ão com isso ? O Direito Internacional afirma que nenhum povo pode ser expulso da sua própria terra. A Assembleia Geral das Nações Unidas não cessou de garantir o direito ao retorno daqueles que foram expulsos à força em 1948 — Resolução 194 da Assembleia Geral da ONU (11 de Dezembro de 1948) e Resolução 237 do Conselho de Segurança da ONU (14 de Junho de 1967) —. Há sete anos, os civis palestinianos organizaram a «marcha do regresso». As Forças de Defesa Israelitas (FDI) atiraram sobre uma multidão pacífica matando pelo menos 120 pessoas e ferindo outras 4.000. É evidentemente ilusório acreditar que um tal povo se juntará facilmente a este projeto.
Os participantes da reunião da Casa Branca também planearam pagar US $ 23. 000 dólares por pessoa a todas as famílias que aceitassem exilar-se. Foram desde logo feitos contatos com a Líbia, a Etiópia, o Sudão do Sul, a Indonésia e a Somalilândia, mesmo que nenhum desses Estados o tenha confirmado. A equipa de Trump pensa assim deslocar voluntariamente um quarto da população gazense.

Tony Blair, antigo Primeiro-Ministro britânico (1997-20007), antigo Enviado especial do Quarteto ( EUA-Rússia-U.E-ONU) para o Médio-Oriente (2007-2015).
Segundo o Financial Times, o Tony Blair Institute for Global Change (TBI) e o Boston Consulting Group (BCG) realizaram reuniões de trabalho conjuntas sobre o projeto da Riviera em Gaza, denominado The Gaza Reconstitution, Economic Acceleration and Transformation Trust (GREAT* Trust). Foi no decurso dessas reuniões preparatórias que o projeto Gaza Humanitarian Foundation (GHF) nasceu. Durante o Verão, esta fundação registada na Suíça distribuiu ajuda humanitária em Gaza no lugar da autoridade de ocupação, das Nações Unidas, da Cruz Vermelha Internacional e de diferentes organizações humanitárias. Isto, é certo, resultou no contornar do Hamas, mas também no assassínio pelas FDI de quase mil civis que buscavam ajuda alimentar. O escândalo do GHF foi unanimemente condenado, e inclusive por personalidades israelitas judaicas. Na prática, a GHF foi criada pelo Mikveh Yisrael Forum, juntando Yotam HaCohen, conselheiro estratégico de Benjamin Netanyahu e filho do antigo General Gershon HaCohen, Liran Tankman, antigo oficial de inteligência reconvertido à alta tecnologia e o americano-israelita Michael Eisenberg, investidor de capital de risco . A maior parte dos animadores do Fórum Mikveh Yisrael juntou-se ao Coordenador de Actividades Governamentais nos Territórios (COGAT), Ghassan Alian, persuadidos que o governo de Netanyahu não estava a fazer nada para ajudar os Gazenses e que cabia aos Israelitas tomar uma iniciativa. A «Fundação» teria sido financiada com US$ 100 milhões de dólares por um Estado europeu cuja identidade permanece secreta.
A TRIAL International, uma ONG com sede na Suíça, apresentou duas petições judiciais solicitando às autoridades suíças que investiguem o cumprimento pela GHF da lei suíça e do direito internacional humanitário. O problema central levantado pela TRIAL International é saber se associações humanitárias podem recorrer ou não a empresas militares privadas. Com efeito, logo no início, o diretor executivo da GHF, o antigo “marine” (fuzileiro naval) norte-americano Jake Wood, demitiu-se. A «Fundação» contratou então os serviços de Philip F. Reilly e da sua empresa Safe Reach Solutions. Ora Reilly é um antigo soldado do 7º Grupo de Forças Especiais dos EUA, que se concentrava em missões de combate ao narcotráfico na América Latina. Ele tornou-se chefe do braço paramilitar da CIA, então conhecido sob o nome de Divisão de Atividades Especiais, mas posteriormente renomeado de Centro de Atividades Especiais. Ele foi Chefe da sucursal afegã da CIA de 2008 e 2009, bem como Chefe de operações do Centro da Missão Antiterrorista da Agência, que dirigiu o muito controverso programa de ataques de drones da Agência durante a Guerra contra o terrorismo. Depois ingressou no sector privado como Vice-presidente sénior das atividades especiais da empresa militar privada Constellis, proprietária da empresa de mercenários conhecida antes como Blackwater. Por fim, trabalhou para uma outra empresa militar privada, a Orbis. Se é exacto que as Forças de Defesa de Israel (FDI) não mataram os civis palestinos que vinham buscar comida, foram os homens de Philip F. Reilly que se encarregaram de o fazer.
O projeto do futuro de Gaza, segundo os empreendedores imobiliários (os três profissionais Jared Kushner, Donald Trump e Steve Witkoff), é digno de um Dubai. Muitas corporações transnacionais já a ele se associaram.
Para facilitar o reagrupamento dos Gazenses, o governo “sionista revisionista” de Benyamin Netanyahu deu instruções para que fosse criada uma cidade de tendas para 600.000 pessoas em Rafa. Aí, elas disporiam de alimentação e de hospitais, mas não a poderiam deixar. Bezalel Smotrich, Ministro das Finanças, declarou durante uma conferência de imprensa sobre a colonização judaica na Cisjordânia ocupada, em 14 de Maio : «Os civis serão enviados para o sul, para uma zona humanitária, e daí eles começarão a partir em grande número para países terceiros».
O próprio Primeiro-Ministro finalmente decidiu-se, em 13 de Agosto, na I24News em hebraico. Reivindicou uma «missão histórica e espiritual», garantindo que está «muito» ligado à visão de um «Grande Israel». Aos 75 anos, ele reclama publicamente ser seguidor do mentor do seu pai, Vladimir Jabotinsky, o fundador do «sionismo revisionista».
Simultaneamente, o Knesset adoptou, em 23 de Julho, por 71 votos a favor e 13 contra, uma lei não vinculativa convidando o governo a anexar a Cisjordânia antes que novos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU reconheçam plenamente o Estado da Palestina. Além disso, as FDI indicam que 618 ataques de colonos foram registados na Cisjordânia em 2024, contra 404 no primeiro semestre de 2025. O republicano Mike Johnson, Presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, expressou o seu apoio à anexação. Ele visitou a colónia de Ariel, no início do mês de Agosto de 2025, e declarou pensar que « a Judeia e a Samaria» pertenciam ao povo judeu e expressou o seu apoio à extensão da soberania israelita sobre a Cisjordânia. Foi a primeira vez que uma personalidade norte-americana deste nível visitou colónias do povoamento israelita na Cisjordânia. A Administração Trump mantêm-se de momento prudentemente fora deste movimento, tanto mais que ele aposta toda a sua ação no reforço dos Acordos de Abraão com os Estados Árabes.
A opinião pública israelita, essa, segundo uma sondagem (pesquisa-br) realizada em Dezembro de 2024 pelo Instituto de Estudos sobre Segurança Nacional, mostra que 34% recusam anexar os territórios palestinianos, que para 21% é preciso anexar as colónias atuais e que para 21% é preciso anexar tudo.
Por seu lado, o Egito e a Jordânia, que não querem acreditar nisto, continuam a preparar centenas de jovens Palestinianos fieis à Fatah para constituir uma força de segurança privada de 10. 000 homens, a fim de colocar a Autoridade Palestiniana no Poder em Gaza. Enquanto a Arábia Saudita e a França prevêem reconhecer em pleno o Estado da Palestina por ocasião da Assembleia Geral da ONU e quando esta prepara a sua proclamação de independência.
Principais Fontes :
« אמון באישיםובמוסדות », Institute for National Security Studies, December 2024.
«אור בקצה המנהרה: לקראת מערכה אזרחית», יותם הכה in Centre Dado pour la pensée militaire interdisciplinaire, numéro 41, Juillet 2024.
«New Gaza Aid Plan, Bypassing U.N. and Billed as Neutral, Originated in Israel», Patrick Kingsley, Ronen Bergman & Natan Odenheimer, The New York Times, May 24, 2025.
«Israelis, a former CIA official and $100M: The real players in the Gaza aid scheme», Israel Hayom, Erez Linn May 25, 2025.
«Tony Blair’s staff took part in ’Gaza Riviera’ project with BCG», Financial Times, July 7, 2025.
«Tony Blair thinktank worked with project developing ‘Trump Riviera’ Gaza plan», Ben Quinn, The Guardian, July 7, 2025.
«Israeli Official: Netanyahu Supports Plan to Concentrate Gazans Into ’Humanitarian City’», Liza Rozovsky, Haaretz, July 8, 2025
«Exclusive: Proposal outlines large-scale ’Humanitarian Transit Areas’ for Palestinians in Gaza», Jonathan Landay & Aram Roston, Reuters, July 11, 2025.
«Boston Consulting Group modelled plan to ’relocate Palestinians’ from Gaza to Somalia», Middle East Eye, August 7, 2025.
«Egypt Is Training Palestinian Forces to Take Over Postwar Gaza», Summer Said & Benoit Faucon, The Wall Street Journal, August 27, 2025.