A OCS pode fazer o que a OTAN não pode: neutralizar as hostilidades, fornecendo “segurança indivisível” aos seus Estados-membros eurasianos e a todo o mundo multipolar.
Pepe Escobar
30 DE JUNHO DE 2025

Crédito da foto: The Cradle
Os ministros da defesa de todos os 10 membros da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) se reuniram na semana passada em Qingdao, na província chinesa de Shandong.
Isso, por si só, é o que torna o drama tão especial. Não apenas porque foi um aquecimento para a principal cúpula anual da OCS, que ocorrerá ainda este ano em Tianjin, com chefes de Estado. Mas principalmente porque na mesma mesa estavam os principais membros do BRICS, Rússia, China, Índia e Irã, além do Paquistão; um ministro da defesa indiano visitando a China pela primeira vez em cinco anos e enfrentando seu homólogo paquistanês após sua mais recente troca de tiros; e o ministro iraniano consultando Pequim imediatamente após o kabuki do cessar-fogo entre Israel e Irã orquestrado pelo Presidente dos EUA.
Como se isso não fosse intrigante o suficiente, a reunião da OCS em Qingdao ocorreu quase simultaneamente à cúpula da OTAN em Haia.
O Ministro da Defesa do Paquistão, Khawaja Muhammad Asif, foi direto ao ponto, observando como, ao contrário da OTAN, a OCS pode “promover a paz nesta região”. O Ministro da Defesa da China, Dong Jun, enfatizou que a OCS desempenha o papel de uma “âncora estabilizadora”.
O Ocidente, agora fragmentado (graças ao presidente dos EUA, Donald Trump), não tem ideia do que a OCS representa. A OCS é uma organização multilateral com 25 anos de existência, fundada alguns meses antes do 11 de setembro, e consiste em 10 Estados-membros plenos, duas nações observadoras e 14 parceiros de diálogo: quase metade da população mundial, desde a Europa Oriental (Hungria) até o Oceano Índico e a Bacia do Pacífico.
A OCS não é uma OTAN asiática – como uma aliança militar ofensiva, e não quer ser; Em vez disso, numa formulação quintessencialmente chinesa, prefere afirmar-se como um “navio gigante da segurança”.
Inicialmente concebida para combater o que os chineses definem como “três males” – terrorismo, separatismo e extremismo – a OCS evoluiu significativamente para um mecanismo de cooperação econômica. Sua última mesa redonda no Fórum Econômico de São Petersburgo, há menos de duas semanas, por exemplo, foi organizada pelo Secretário-Geral da OCS, Nurlan Yermekbayev, moderada pelo ultra experiente Sergey Katyrin, presidente da Câmara de Comércio e Indústria da Rússia, e focou nos desafios da criação de uma infraestrutura logística, financeira e energética comum para a OCS.
Este painel, moderado por Alexey Gromyko, diretor do Instituto da Europa da Academia Russa de Ciências, e com o Secretário de Estado da União (Rússia-Bielorrússia), Sergey Glazyev, como palestrante principal, interligou a OCS com a União Econômica da Eurásia (UEE), debatendo qual o papel a ser desempenhado pelo espaço pós-soviético na emergente economia multipolar.
Portanto, a OCS promove hoje não apenas exercícios conjuntos de contraterrorismo e compartilhamento de inteligência, mas também cooperação econômica ajustada às expectativas culturais de diferentes civilizações. É um organismo multipolar por definição.
Parceiros estratégicos Rússia-China a bordo
O cerne da questão em Qingdao teve que girar em torno do que pode ser chamado de Triângulo de Primakov – uma referência ao ex-primeiro-ministro russo Yevgeny Primakov, que idealizou uma potência russa autônoma e pós-soviética em uma nova ordem multipolar. Hoje, vemos essa presciência em um “RIC” composto por Rússia, Irã e China, e não pela Índia: esses três Estados civilizacionais independentes são, no momento, os três principais atores que impulsionam o complexo processo de integração da Eurásia.
O Ministro da Defesa russo, Andrey Belousov, reuniu-se em particular com o Ministro da Defesa chinês, Dong Jun, e com o Ministro da Defesa iraniano, Aziz Nazirzadeh. À mesa da OCS, Belousov não mediu palavras.
Ele afirmou que os ataques dos EUA e de Israel ao Irã violam a Carta da ONU e o direito internacional; confirmou que Moscou havia proposto intermediar uma distensão; e enfatizou novamente que “o papel das instituições internacionais destinadas a garantir a estabilidade global caiu a um nível inaceitável”.
Belousov também enfatizou a principal dor de cabeça dos 10 Ministros: que “ideologias terroristas” e “trânsito de militantes” continuam a se espalhar da Ásia Ocidental para o Afeganistão.
Sobre a Ucrânia, Belousov foi bastante previsível; A Rússia avança firmemente, e Kiev recorre a “táticas de terror” enquanto contempla a ruína. Nenhum dos participantes da OCX sonharia em contradizê-lo.
Então, onde estava a Índia em meio a toda essa ação? Bem, refinando sua lista de compras. O Ministro da Defesa, Rajnath Singh, solicitou pessoalmente a Belousov atualizações urgentes para o Su-30MKI e uma entrega muito mais rápida dos S-400 Triumf restantes. Estes fazem parte de um acordo robusto de US$ 5,43 bilhões; três unidades foram entregues e as próximas duas chegarão no início de 2026.
Esses S-400 foram fundamentais durante a Operação Sindoor – a miniguerra da Índia contra o Paquistão.
Imediatamente após a guerra Israel-Irã de Trump
Em um kabuki de “cessar-fogo”, Teerã abordou Pequim para examinar opções de compra para um lote substancial (pelo menos 40) de caças chineses J-10CE (a versão de exportação do J-10C). Essas negociações, aliás, já duram pelo menos 10 anos.
Do ponto de vista iraniano, em termos de baixo custo e disponibilidade, o J-10C pode ser uma opção melhor do que os MiG-35 e Su-35E russos (a versão de exportação do Su-35S). Mas é importante lembrar que o Su-35 e o J-10C representam duas classes diferentes de caças a jato. Nada impede que o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC) do Irã compre ambos – um caso de parcerias estratégicas interativas.
Fontes diplomáticas confirmam que o Irã já possui Su-35. Não está claro quantos, mas certamente mais de dois. A Rússia está mais do que pronta para vender até dois esquadrões. Cada esquadrão teria 12, totalizando 24 jatos.
O consenso em Moscou é que o Irã intensificará as compras simultâneas de caças russos e chineses de última geração. E certamente de defesa aérea, como os S-400 russos. O drama que se desenrolou nas últimas duas semanas vai muito além do debate artificial e superficial sobre se Teerã não recebeu ajuda de seus aliados estratégicos russos e chineses.
Embora o IRGC queira esses caças após as dolorosas lições da guerra de 12 dias de Israel, precisa, acima de tudo, aprimorar seu aparato interno de contra inteligência e insurgência. Uma quantidade substancial de punições sofridas pelo Irã veio de sabotadores domésticos que lançaram drones, plantaram bombas e inspecionaram alvos de alto valor para serem assassinados.
União Européia: Queremos guerra contra a Rússia e a China
Agora compare todas essas interações eurasianas em Qingdao com o que aconteceu em Haia. Essencialmente, após ser chantageada pelo terrível Secretário-Geral da OTAN, Mark “Hello Daddy” Rutte, a União Europeia (UE) decidiu alocar a impressionante quantia de € 650 bilhões (aproximadamente US$ 695,5 bilhões) de fundos que não possui para comprar armas dos EUA e declarar guerra à Rússia – e, posteriormente, à China.
Isso nos leva ao kabuki dos cinco por cento. Para que cada membro da OTAN gaste cinco por cento em ofensiva, com sua dívida combinada já ultrapassando 80% do PIB, seria necessário quase triplicar os € 325 bilhões (aproximadamente US$ 381,2 bilhões) gastos em armas em 2024, chegando assim a quase um trilhão de euros.
Cidadãos da UE com cérebro podem facilmente fazer as contas: haverá uma orgia ininterrupta de “cortes de custos”, aumentos de impostos e desaparecimento de benefícios sociais para financiar o armamento. E roubar € 300 bilhões (aproximadamente US$ 351,75) em ativos russos não ajudará, porque isso não cobrirá nem mesmo o aumento de um ano.
Todos os ministros presentes à mesa da OCX em Qingdao sabiam que a OTAN estava em guerra com a Rússia, e a China nem sequer se qualifica como um péssimo esquete do Monty Python. A Rússia já possui 13.000 mísseis, e o número continua aumentando, e em breve poderá produzir até 300 Oreshniks hipersônicos por ano – mais do que suficiente para paralisar todos os portos e aeroportos da Europa.
Foi bastante intrigante observar a resposta imediata do presidente russo, Vladimir Putin, ao que foi discutido na OCX em Qingdao. Um exemplo disso foi o fórum da União Econômica da Eurásia (UEE) em Minsk, no qual Putin disse: “Felizmente, a situação no Oriente Médio está se estabilizando. O conflito de longa data entre Israel e o Irã, graças à graça de Deus, ficou para trás.”
Ou talvez não, a julgar pelas declarações de autoridades israelenses. Ainda assim, para o presidente russo, o que sempre importa é a geoeconomia. No fórum, Putin destacou os acordos preferenciais da UEE com Vietnã, Cingapura e Sérvia, além de um acordo iminente com os Emirados Árabes Unidos, dizendo: “Relações mutuamente benéficas com países da Eurásia, África e América Latina estão avançando ativamente”. Sem mencionar a cooperação com os BRICS, a Comunidade dos Estados Independentes (CEI), a ASEAN, a União Africana e, claro, a OCS.
E assim que os ministros estavam deixando Qingdao, foi oficialmente confirmado: o Irã trocou o sistema GPS americano pelo Beidou da China. Que movimento ousado e preciso no tabuleiro da guerra tecnológica. Próximo passo: arrebatar todos aqueles Su-35 e JC-10CE.
As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente as do Oriente Mídia
Fonte: The Cradle.